PRODUÇÕES LITERÁRIAS DEDICADAS À FORMAÇÃO

DE REVOLUCIONÁRIOS MARXISTAS QUE ATUAM NO DOMÍNIO DO DIREITO, DO ESTADO E DA JUSTIÇA DE CLASSE

 

KARL MARX E FRIEDRICH ENGELS SOBRE O DIREITO E O ESTADO, OS JURISTAS E A JUSTIÇA

 

Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã

 

Direito e Materialismo Dialético:

Vontades Individuais,

Vontades de Classes e

Vontade do Estado

 

Direito Romano:

Primeiro Direito Mundial

de uma Sociedade Produtora de Mercadorias

 

FRIEDRICH ENGELS[1]

 

 

Concepção e Organização, Compilação e Tradução

 Emil Asturig von München, Dezembro de 2013

 

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(...) Porém, são, sobretudo, três descobertas que impulsionaram para adiante, com passos gigantescos, nosso conhecimento sobre a interconexão dos processos naturais :

 

1.    Em primeiro lugar, o descobrimento da célula enquanto unidade, a partir de cuja multiplicação e diferenciação dos corpos se desenvolvem todos os corpos das plantas e dos animais. Não apenas o desenvolvimento e o crescimento de todos os organismos superiores, que se reconhece processar em conformidade com uma única lei geral, senão também a capacidade de transformação da célula, demonstram o caminho por meio do qual os organismos podem modificam a sua espécie e, assim, percorrer um desenvolvimento mais do que individual ;

2.    Em segundo lugar, a transformação da energia que nos demonstrou serem todas as assim denominadas forças atuantes, de início, na natureza inorgânica - a força mecânica e sua complementação, a assim denominada energia potencial, o calor, a irradiação (luz ou calor radiante), a eletricidade, o magnetismo, a energia química – nada senão diferentes formas fenomênicas do movimento universal que passam de uma à outra, em determinadas relações quantitativas, de tal sorte que para a quantidade de uma, que desaparece, surge uma determinada quantidade de outra, reduzindo-se, assim, todo o movimento da natureza a esse incessante processo de transformação de uma em outra ;

3.    Por fim, a comprovação, desenvolvida primeiramente por Charles Darwin, de que a reserva que, hoje, nos circunda de produtos orgânico-naturais – incluindo os seres humanos – é o resultado de um longo processos de desenvolvimento, realizado a partir de poucos embriões originariamente unicelulares e estes, por sua vez, surgidos, por via química, a partir do protoplasma ou do albúmen.                 

 

Graças a essas três descobertas e aos outros enormes progressos da Ciência da Natureza, chegamos, agora, tão longe a ponto de poder demonstrar a interconexão, existente entre os processos na natureza, não apenas em seus domínios particulares, senão também aquela dos seus domínios particulares, mantida, de modo geral, entre estes mesmos, sendo possível apresentar uma imagem abrangente da interconexão natural, em uma forma aproximadamente sistemática, por meio de fatos, fornecidos pela própria ciência empírica da natureza.

Antes, a tarefa da assim chamada Filosofia da Natureza era a de fornecer esse quadro geral. Esta podia apenas realizar semelhante tarefa, substituindo as conexões reais, ainda desconhecidas, por conexões ideais e fantásticas, complentando os fatos ausentes por imagens intelectuais que preenchiam as lacunas reais da mera imaginação.    

Nesse procedimento, a Filosofia da Natureza produziu alguns pensamentos geniais, presentindo algumas descobertas, ocorridas apenas posteriormente. Porém, promoveu também absurdos consideráveis, tal como não poderia ser de outra maneira.

Hoje, quando necessitamos conceber os resultados da investigação natural apenas de modo dialético, i.e. no sentido de sua própria interconexão, a fim de que atinjamos um “Sistema da Natureza” suficiente para o nosso tempo, no qual o caráter dialético dessa interconexão se impõe aos cérebros dos cientistas naturais, educados de modo metafísico, até mesmo contra sua vontade, hoje, encontra-se a Filosofia da Natureza inteiramente desbancada. Toda e qualquer tentativa de revitalizá-la seria não apenas supérflua, senão ainda constituiria um retrocesso.

Porém, o que vale para a natureza que, com isso, é reconhecida também como um processo de desenvolvimento histórico, vale também para a história da sociedade, em todos os seus ramos, bem como para o conjunto de todas as ciências que se ocupam com as coisas humanas (e divinas).

Também aqui, a Filosofia da História, a Filosofia do Direito, a Filosofia da Religião etc. consistiram em que, no lugar da interconexão real, a ser comprovada nos acontecimentos, colocou-se uma interconexão elaborada no cérebro do filósofo.

A história em seu conjunto foi concebida em suas partes separadas enquanto realização gradativa das idéias e, em verdade, naturalmente, sempre apenas das idéias preferidas do próprio filósofo em causa.

Em conformidade com essa concepção, a história agiria de maneira inconsciente, porém de maneira necessária, dirigindo-se para um certo objetivo ideal que é determinado de antemão, tal como, p.ex., em Hegel, rumo à realização de sua idéia absoluta. A direção irremovível rumo a essa idéia absoluta formaria a conexão interna, existente nos acontecimentos históricos.

No lugar da interconexão real, ainda desconhecida, colocou-se, assim, um novo destino misterioso – desconhecido ou avançando gradativamente até à consciência.

Aqui, portanto - precisamente como no domínio da natureza -, era imprescindível eliminar essas conexões elaboradas artificialmente, por meio da verificação das conexões reais, tarefa essa que havia de conduzir, finalmente, ao descobrimento das leis gerais de movimento que se impõem na história da sociedade humana.

Ora, em um ponto, porém, a história do desenvolvimento da sociedade revela-se, essencialmente, diferente da história do desenvolvimento da natureza.

Na natureza – na medida em que desconsideremos a reação dos seres humanos sobre ela -, existem inúmeros agentes cegos e inconscientes que agem uns em relação aos outros e, em cuja interrelação, faz-se valer a lei geral.

De tudo que ocorre – seja a partir dos inúmeros acasos aparentes, observáveis na superfície, seja a partir dos resultados derradeiros que confirmam a regularidade, inerente a esses acasos -, nada se dá como objetivo consciente e desejado.

Pelo contrário, na história da sociedade, os muitos atores são seres humanos, dotados de consciência, atuando com ponderação ou paixão, rumo a objetivos determinados. Nada ocorre, sem o propósito consciente, sem o objetivo desejado.

Porém, essa diferença - tão importante quanto possa ser para a investigação histórica, em particular, das épocas e eventos, considerados singularmente – não pode em nada alterar o fato de que o curso da história é dominado por leis gerais internas.     

Pois, também aqui, aparentemente, o acaso domina na superfície, em linhas gerais, apesar dos objetivos conscientemente desejados por todos os indivíduos.   

Apenas raramente, ocorre o que foi desejado. Na maioria dos casos, os muitos objetivos pretendidos entrecruzam-se e colidem entre si ou esses próprios objetivos são, de antemão, irrealizáveis ou os meios para o seu atingimento são insuficientes.

Desse modo, as colisões, havidas entre as inúmeras vontades e ações individuais, provocam, no domínio histórico, uma situação que é inteiramente análoga àquela que domina na natureza inconsciente.

Os objetivos das ações são desejados, porém os resultados que advêm realmente dessas ações não o são ou, quando aparentam, pelo contrário, corresponder, de início, ao objetivo desejado, possuem, finalmente, conseqüências completamente distintas daquelas pretendidas.

Os eventos históricos parecem, assim, em linhas gerais, ser também dominados pelo acaso. Porém, ali na superfície, onde o acaso faz o seu jogo, é sempre dominado por leis internas veladas e se trata apenas de descobrir essas leis.

Os seres humanos fazem a sua história, seja qual possa ser o seu resultado, perseguindo cada qual seus próprios objetivos, conscientemente desejados.

E a história é precisamente a resultante dessas muitas vontades que agem em diferentes direções e de seus múltiplos efeitos sobre o mundo exterior.

Trata-se, então, de saber o que é que desejam os muitos indivíduos.

A vontade é determinada pela paixão ou pela ponderação. Porém, as alavancas que, por sua vez, determinam diretamente a ponderação ou a paixão, são de tipos muito diferentes.

Em parte, podem ser objetos exteriores, em parte, motivos ideais, a ambição, “o entusiasmo pela verdade e pelo Direito”, o ódio pessoal ou os caprichos puramente individuais de todos os gêneros.

Porém, por um lado, vimos que as muitas vontades individuais que atuam na história produzem, na maioria das vezes, resultados inteiramente diferentes daqueles desejados – e, de modo freqüente, precisamente opostos. Seus motivos são, portanto, também, apenas de importância secundária para o resultado geral.

Por outro lado, pergunta-se :

 

·               quais forças propulsoras situam-se, por sua vez, por detrás desses motivos?

 

·               quais causas históricas se transformam em tais motivos, nos cérebros dos atores?

 

O velho materialismo jamais se colocou essas questões.

Sua concepção histórica – na medida em que possua uma qualquer – é, por isso, também essencialmente pragmática : julga tudo segundo os motivos da ação, divide os seres humanos que atuam na história em seres humanos nobres e ignóbeis, descobrindo, então, como regra, que os nobres são enganados e os ignóbeis, vitoriosos.

Para o velho materialismo, disso, decorre, então, que não há muitas coisas edificantes a serem retiradas do estudo da história e, para nós, decorre que, no domínio histórico, o velho materialismo é infiel consigo mesmo, pois que considera as forças propulsoras ideais que nela atuam como causas derradeiras, em vez de investigar o que se encontra por detrás delas, o que são as forças propulsoras dessas forças propulsoras.

Sua inconseqüência não reside em que são reconhecidas forças propulsoras ideais, senão no fato de que a investigação não é conduzida para além dessas forças, até às suas causas dinamizadoras.

Pelo contrário, a Filosofia da História – tal como é particularmente representada por Hegel – reconhece que os motivos ostensivos - e também realmente atuantes – dos seres humanos que agem na história não são, absolutamente, as últimas causas dos acontecimentos históricos, que, por detrás desses motivos, situam-se outros poderes dinamizadores que cumpre investigar.

Porém, essa Filosofia da História não procura esses poderes na própria história : importa-os, muito mais, de fora, i.e. da ideologia filosófica, para o interior da história. Em vez explicar a história da Grécia Antiga a partir de sua própria conexão interna, Hegel afirma, p.ex., pura e simplesmente, que esta nada mais é do que a elaboração das “formas da bela individualidade”, a realização da “obra de arte” enquanto tal. Nesse contexto, fala muitas coisas belas e profundas sobre os gregos antigos, porém isso não impede que, hoje, não nos permitamos mais ser alimentados com tal explicação que nada mais é senão um mero modo de dizer.                     

Tratando-se, portanto, de investigar os poderes propulsores que se situam, consciente ou inconscientemente – e, em verdade, muito freqüentemente inconscientemente -, por detrás dos motivos dos seres humanos que atuam na história, constituindo as efetivas forças propulsoras da história, em última instância, não podemos, então, ocupar-nos tanto com os motivos dos seres humanos, considerados individualmente – ainda que sejam motivos tão colossais – mas sim com aqueles motivos que colocam em movimento grandes massas, povos inteiros e, mais uma vez, em cada um dos povos, classes inteiras do povo.      

E também isso não deve ser feito em um único momento, em uma efêmera incandescência, em um fogo de palha que rapidamente se desinflama, mas sim no quadro de uma ação duradoura que resulta em uma grande transformação histórica.                   

O único caminho que pode nos conduzir aos vestígios das leis que dominam a história, considerada em seu conjunto, bem como os períodos históricos e os países, considerados singularmente, é o de averiguar as causas dinamizadoras que aqui, enquanto motivos conscientes, refletem-se, clara ou obscuramente, direta ou ideologicamente – até mesmo divinizadamente -, nos cérebros dos seres humanos atuantes, bem como no cérebro de seus dirigentes – os assim denominados grandes homens. 

Todas as coisas que colocam os seres humanos em movimento têm de passar pelo seu cérebro. Porém, a forma que assumirão nesse cérebro dependerá muito das circunstâncias. Os trabalhadores não se reconciliaram, absolutamente, com a fábrica capitalista, movida à máquina, mesmo que não mais simplesmente despedacem as máquinas, tal como ainda o fizeram em 1848, na região do Reno.      

Porém, em todos os períodos anteriores, enquanto a investigação dessas causas dinamizadoras da história foi praticamente impossível – por causa das complexas e acobertadas conexões, mantidas com seus efeitos -, nosso período contemporâneo simplicou essa conexões a tal ponto que o enigma pôde ser resolvido.

Desde a introdução da grande indústria – i.e., pelo menos, desde da Paz Européia de 1815 – deixou de ser um segredo para todas as pessoas da Inglaterra que, ali, toda a luta política girava em torno das reivindicações de dominação de duas classes, a saber : a aristocracia fundiária (landed aristocracy) e a burguesia (middle class).

Na França, com a restauração da dinastia dos Bourbon, o mesmo fato veio à consciência. Historiadores do período da Restauração, de Augustin Thierry a François Guizot, de François-Auguste Mignet a Adolphe Thiers, falam delas, por todos os lados, como a chave da compreensão da história francesa, desde a Idade Média.   

E, desde 1830, a classe trabalhadora, o proletariado foi reconhecido, em ambos esses países, como a terceira classe que luta pela dominação.

As relações haviam-se simplificado tanto que seria necessário fechar deliberadamente os olhos para não ver na luta, travada entre essas três grandes classes, no conflito, havido entre seus interesses, a força propulsora da história moderna – ao menos, nesses dois países mais desenvolvidos.[2]

 

 

(...) A burguesia e o proletariado surgiram ambos em conseqüência de uma mudança das relações econômicas - dito mais precisamente  - uma mudança do modo de produção.

A transição - de início, do artesanato corporativo à manufatura e, então, da manufatura à grande indústria, dotada de propulsão a vapor e de funcionamento à maquina - havia desenvolvido ambas essas classes.

Em um determinado nível de desenvolvimento, as novas forças de produção postas em movimento pela burguesia - inicialmente, a divisão do trabalho e a unificação de muitos trabalhadores parciais em uma manufatura completa -, bem como as condições e as necessidades de troca, por estas desenvolvidas, tornaram-se irreconciliáveis com a ordem de produção existente, historicamente transmitida e sacramentada mediante lei, i.e. incompatíveis com os privilégios das corporações de ofício e outros inúmeros privilégios de natureza pessoal e local da formação social feudal  - privilégios esses que constituíam para os estamentos não privilegiados tantos outros inúmeros obstáculos.

As forças de produção, representadas pela burguesia, rebeleram-se contra a ordem de produção, representada pelos proprietários fundiários feudais e os mestres das corporações de ofício.

O resultado é conhecido : os entraves feudais foram destruídos, gradativamente, na Inglaterra, e, de um só golpe, na França. Na Alemanha, ainda não se terminou com isso.

Porém, assim como a manufatura entrou em conflito com a ordem feudal, em um determinado nível de desenvolvimento, a grande indústria entrou, já presentemente, em conflito com a ordem de produção burguesa, colocada no lugar daquela.

Vinculada por essa ordem, pelos estreitos limites do modo de produção capitalista, a grande indústria produz, por um lado, uma proletarização cada vez mais crescente de toda a grande massa popular e, por outro, uma massa cada vez mais ampla de produtos sem mercado.

Superprodução e miséria em massa, uma sendo a causa da outra : eis a contradição absurda a que ela conduz, exigindo necessariamente um desentrave das forças produtivas, através de modificação do modo de produção.

Pelo menos na história moderna, comprova-se o fato de que todas as lutas políticas são lutas de classes e todas as lutas de emancipação de classes - apesar de sua forma necessariamente política, pois cada luta de classes é uma luta política -, transformam-se, finalmente, em emancipação econômica.  

Portanto, aqui, pelo menos, o Estado, a ordem política, é o subordinado, sendo a sociedade burguesa, o reino das relações econômicas, o elemento decisivo.

A concepção tradicional, também por Hegel reverenciada, entrevia no Estado o elemento determinante e, na sociedade burguesa, o elemento por ele determinado.

A isso corresponde a aparência.

Assim como para o ser humano individual todas as forças propulsoras de suas ações passam pelo seu cérebro, tendo de se transformar em motivos de sua vontade, a fim de que seja levado a agir, também do mesmo modo todas as necessidades da sociedade burguesa – independentemente da classe que esteja dominando - têm de passar pela vontade do Estado, a fim de adquirir validade geral, na forma de leis.

Esse é o lado formal da coisa que é evidente por si mesmo.

Pergunta-se apenas que conteúdo possui essa vontade meramente formal – do indivíduo, tal como do Estado – e de onde vem esse conteúdo, bem como por que se pretende precisamente uma certa coisa e não uma outra qualquer.

Ao indagarmos isso, verificaremos que, na história moderna, a vontade do Estado é, em seu conjunto, determinada pelas necessidades cambiantes da sociedade burguesa, pela superioridade dessa ou daquela classe, em última instância, pelo desenvolvimento das forças produtivas e das relações de troca.

Se, porém, já em nossa época moderna, com seus gigantescos meios de produção e de circulação, o Estado não é um domínio autônomo, dotado de desenvolvimento independente, devendo, pelo contrário, sua existência, tal qual seu desenvolvimento, ser esclarecido, em última instância, a partir das condições econômicas de vida da sociedade, deve isso, então, valer ainda muito mais para todas as épocas precedentes, nas quais a produção da vida material dos seres humanos ainda não era dinamizada com esses ricos meios de auxílio, nas quais a necessidade dessa produção tinha de exercer, portanto, uma dominação ainda maior sobre os seres humanos.

Sendo o Estado ainda hoje, na época da grande indústria e das estradas de ferro, em linhas gerais, apenas o reflexo, em forma resumida, das necessidades econômicas da classe que domina a produção, teve de ser, então, isto que é, em grau ainda muito mais elevado, em uma época em que uma geração dos seres humanos havia de empregar uma parte bem maior de seu tempo de vida comum para a satisfação de suas necessidades materiais, i.e. era muito mais dependente destas do que somos nós, nos dias de hoje.

A investigação da história das épocas precedentes, logo que se preocupa seriamente com esse aspecto, confirma o exposto, em medida ainda muito mais abundante.

Porém, aqui, não se poderá, evidentemente, tratar disso.   

Sendo o Estado e o Direito do Estado determinados pelas relações econômicas, é-o também, obviamente, o Direito Privado que, a bem da verdade, apenas sanciona, em essência, as relações econômicas normais, travadas entre os indivíduos e existentes sob dadas circunstâncias. A forma na qual isso se processa pode, porém, ser muito diferente.

Tal como ocorreu na Inglaterra, em consonância com o inteiro desenvolvimento dessa nação, pode-se conservar, em grande parte, as formas do velho Direito Feudal, conferindo-lhes um conteúdo burguês, vale dizer, atribuir diretamente ao nome feudal um sentido burguês.

Porém, pode-se também, tal como na Europa continental-ocidental, fundamentar todas as relações jurídicas essenciais dos simples possuidores de mercadorias - comprador e vendedor, credor e devedor, contrato, obrigação etc. - com o primeiro Direito mundial de uma sociedade produtora de mercadorias, o Direito Romano, dotado de insuperável elaboração perspicaz.    

Mesmo que, para proveito e piedade de uma sociedade ainda pequeno-burguesa e semi-feudal, seja possível rebaixá-lo ao nível dessa sociedade, simplesmente mediante a práxis judiciária - Direito comum -, ou tratá-lo, com o auxílio de juristas pretensamente esclarecidos e moralizadores, em um código à parte, correspondente a esse nível social, código esse que será, nessas circunstâncias, em sentido jurídico, igualmente de má qualidade – caso do Direito Fundiário Prussiano.

Ainda que, depois de uma grande revolução burguesa, possa ser elaborado, também sobre o fundamento precisamente desse Direito Romano, um código tão clássico da sociedade burguesa, tal qual o Code civil (EvM.: Código Civil) francês.

Se as prescrições jurídico-burguesas expressam, assim, apenas as condições econômicas de vida da sociedade em forma jurídica, tal fenômeno pode ocorrer, segundo as circustâncias, de uma boa ou má maneira.

No Estado, surge diante de nós o primeiro poder ideológico sobre o homem.

A sociedade cria para si mesma um órgão de preservação de seus interesses comuns em face de ataques internos e externos. Esse órgão é o poder do Estado.

Mal havendo surgido, esse órgão autonomiza-se em relação à sociedade e, em verdade, tanto mais o faz quanto mais se torna um órgão de uma determinada classe, exercendo diretamente a dominação dessa classe.

A luta dos oprimidos contra a classe dominante torna-se necessariamente uma luta política, uma luta, de início, contra a dominação política dessa classe.

A consciência da conexão dessa luta política com seu substrato econômico torna-se obscura, podendo vir a desaparecer inteiramente.

Tal fenômeno ocorre quase sempre com os historiadores, ao passo que não se dá inteiramente com os participantes.   

Entre as velhas fontes sobre as lutas no interior da República Romana, diz-nos apenas Apiano, clara e nitidamente, do que se tratava no final das contas : tratava-se, em particular, da propriedade fundiária. 

Porém, tornando-se um poder autônomo em relação à sociedade, o Estado produz, de imediato, uma ideologia adicional.

Particularmente, entre os políticos profissionais, entre os teóricos do Direito do Estado e os juristas do Direito Privado desaparece, mais do que nunca, a sua conexão com os fatos econômicos.

Pois que, precisamente, em cada caso particular, os fatos econômicos tem de assumir a forma de motivos jurídicos para serem sancionados na forma da lei, tendo-se nisso, evidentemente, de também considerar o conjunto do sistema de Direito já válido, deve a forma jurídica, por isso mesmo, tudo significar e o conteúdo econômico, nada.

O Direito do Estado e o Direito Privado são tratados como domínios autônomos, possuindo cada qual seu desenvolvimento histórico independente, sendo ambos, em si mesmos, capazes de uma representação sistemática, desta necessitando, mediante erradicação de todas as contradições internas.

Ideologias ainda mais elevadas, i.e. ideologias que ainda mais se distanciam do fundamento material, do fundamento econômico, assumem a forma da filosofia e da religião.

Aqui, a conexão das noções com suas condições existenciais materiais torna-se cada vez mais complexa, cada vez mais obscurecida por elos intermediários. Porém, essa conexão existe.

Assim como toda a época do Renascimento, desde meados do século XV, foi um produto essencial das cidades, i.e. da burguesia, o mesmo ocorreu também com a filosofia, desde então renascida.

Seu conteúdo era, essencialmente, apenas a expressão filosófica das idéias correspondentes ao desenvolvimento da pequena e média burguesia em burguesia.

Entre os ingleses e os franceses do século passado que, em múltiplos aspectos, eram tanto econimistas políticos quanto filósofos, isso se passou claramente.

Quanto ao que se deu com a Escola Hegeliana, já o demonstramos acima.[3]

 

 

(...) Porém, essa concepção (EvM.: a concepção marxista da história) põe um fim à filosofia, no domínio da história, tal qual a concepção dialética da natureza torna tanto inútil quanto impossível toda a filosofia da natureza.

Por todos os lados, já não se trata mais de cogitar, no cérebro, os nexos contextuais, mas sim de descobrí-los nos fatos. Para a filosofia expulsa da natureza e da história, permanece apenas ainda o reino do pensamento puro, na medida em que continue existindo : a doutrina das leis do próprio processo de pensamento, a lógica e a dialética.[4]

 

 

EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES

“UNIVERSIDADE COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”

PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA

DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS

MOSCOU - SÃO PAULO - MUNIQUE – PARIS

 

 



[1] Cf. ENGELS, FRIEDRICH. Ludwig Feuerbach und der Ausgang der klassischen deutschen Philosophie (Ludwig Feuerbach e o Fim da Filosofia Clássica Alemã)(Início de 1886), especialmente Parte IV, in : ibidem, Vol. 21, Berlim : Dietz, 1962, pp. 299 e s. Destaco que a presente obra de Engels foi publicada, pela primeira vez, no na revista “Die Neue Zeit (O Novo Tempo)”, semanário da Social-Democracia Alemã, Caderno Nrs. 4 e 5 de 1886.

[2] Cf. IDEM. ibidem, especialmente Parte IV : Marx, Vol. 21, Berlim : Dietz, 1962, pp. 294 e s.

[3] Cf. IDEM. ibidem, especialmente Parte IV : Marx, Vol. 21, Berlim : Dietz, 1962, pp. 299 e s.

[4] Cf. IDEM. ibidem, especialmente Parte IV : Marx, Vol. 21, Berlim : Dietz, 1962, p. 306.