II.E.

SURGIMENTO HISTÓRICO DA CORRENTE 

META-MARXISTA FRANCO-GRAMSCIANA

DE ACTUEL MARX

 

Texto de Autoria de

Portau Schmidt von Köln

Emil Asturig von München

 

A Enfermidade Gramsciana

no Movimento Trotskysta Contemporâneo

e nas Lutas de Emancipação do Proletariado

Polêmica Trotsky e Gramsci  : Gramsci e Trotsky  

O SU-QI e a Corrente Franco-Gramsciana

de Atualização, Correção

e Superação do Marxismo

(O Meta-Marxismo de Actuel Marx)

 

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http://www.scientific-socialism.de/SUCapa.htm 

 

Em seu artigo de feveiro de 1999, publicado no Nr. 43 da Revista Regards. Projeto Comunista, impulsionada pelo Partido Comunista Francês (PCF), em colaboração com o jornal L’Humanité e L’Humanité Hebdo, Jacques Texier, um dos mais célebres franco-gramscistas de nossos dias, teve oportunidade de, literalmente, declarar acerca de seu afastamento do PCF :     

 

„Eu não fui excluído do PCF. Eu dele parti voluntariamente, apresentando minha demissão por razões políticas. Isso ocorreu em 1977.

Eu era, à época, membro da direção do CERM (i.e. Centro de Estudos e de Pesquisas Marxistas, designação do antigo centro de produção ideológica do stalinismo e teorias aparentadas do PCF) e, por ocasião de sua transformação em IRM (i.e. Instituto de Pesquisa Marxista), resolvi não ficar.

Eu bem reconheço que essa interpretação não é universal. Posso ler em um livro comunista de 1990 que a criação do IRM foi um grande momento na conquista da autonomia da pesquisa teórica em relação à direção política. Como se costuma dizer, nesse caso, meu sentir foi totalmente diverso.

Porém, a comissão de arbitragem não pretendia se comprometer com uma pesquisa de tipo histórico sobre a história do partido. 

Trata-se um limite conscientemente assumido. Para mim, trata-se de um limite que deverá ser superado, porque a „mutação comunista“ implica, necessariamente, a capacidade do partido de escrever sua própria história.  Se, pessoalmente, eu não fui excluído, entendi que se tratava não apenas de sanção e de exclusões, mas também de ser „colocado de lado“.

Para mim, era a expressão correspondente à prática corrente que consistia em não mais convocar os comunistas incomodantes às suas reuniões de célula e depois recusar enviar-lhes suas carteiras de membros aderentes. Muitos meus amigos foram caçados dessa maneira.  E, já que se trata de recolher testemunhos, eu estaria interessado em ler aquele testemunho dos comunistas que elaboraram esses métodos originais ou que os colocaram em aplicação.

Se eu seguisse o fio da minha biografia política, deveria contar como, em 1986, fundei com um amigo (obs.: Texier refere-se aqui à Jacques Bidet) a Revista Actuel Marx, como suas atividades foram soberbamente ignoradas pelo partido até 1995, como as coisas mudaram totalmente nesse mesmo ano, por ocasião do I Congresso Marx Internacional, o qual representou um evento e como isso me levou a pensar que havia, realmente, alguma coisa que mudava no partido.

Resultado : em 1998, tornei-me membro da direção dos Espaços Marx. Do CERM, onde se fazia um trabalho excelente, passei para os Espaços Marx, saltando, de pés juntos, por cima do IRM. Ainda encontro-me, totalmente, supreendido !“[1]      

 

 

É, realmente, sur-... preendente !, tal como diria, talvez, o famoso toureiro espanhol Jesulín de Ubrique

Texier saltou, de pés juntos, por cima do IRM, e o balanço de tipo histórico sobre as atividades do PCF nas últimas décadas desmancharam-se, solidamente, no ar ...

Dessa forma, Texier „despediu-se de um certo passado“, voltando a envolver-se com o PCF, no quadro dos Espaces Marx Reséau International. Pour Une Construction Citoyenne du Monde,  juntamente como os principais expoentes do Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SU-QI), intercambiando princípios teórico-doutrinários como se trocam figurinhas de Pokémon.  

É de ficar-se, efetivamente, sur-... preendido. 

Vejamos, ainda, como Texier despediu-se para sempre do passado, abandonando, definitivamente, não apenas o stalinismo, senão também a defesa da fundação da III Internacional de Lenin e dos documentos de seus quatro primeiros congressos, em prol dos atuais Congressos de Marx Internacional, dirigidos por ele mesmo e seu escudeiro de armas franco-gramsciano, Jacques Bidet :

 

 

„Como trabalho novamente com os comunistas, estou atento às suas posições políticas e a tudo que diz respeito à „mutação comunista“. Particularmente, esse é o caso para os gestos que foram feitos para sinalizar que o partido pretendia romper definitivamente com os aspectos pouco gloriosos de seu passado...

Seria necessário que no ato anunciado no prólogo do relatório (i.e. no relatório do PCF sobre Texier) surgisse a anulação das sanções, exclusões e afastamentos ?

Talvez fosse realmente necessário que isso fosse dito em alguma parte, se é verdadeiro o fato de que tal declaração pudesse ter consequências práticas para certas pessoas.  

Porém, para mim, as coisas importantes encontram-se em outros lugares :

Na declaração de que esses métodos pertencem definitivamente ao passado por razões de fundo e em um início de análise relativa às condições históricas de seu nascimento que reenvia ao que se chama stalinismo e, antes desse, ao nascimento da III Internacional.“[2]

 

 

Após seu „afastamento voluntário“ do PCF, em 1977, Jacques Texier empenhou-se em construir uma corrente política destinada ao fomento e a propagação do gramscismo na França, a qual, na base de uma aliança teórico-doutrinária forjada, a seguir, com as ambições meta-marxistas do professor também sorbonnard Jacques Bidet, trouxe ao público a configuração do meta-marxismo franco-gramsciano[3][4].

 

 

Com o intuito de corrigir, completar, atualizar, e, finalmente, superar o marxismo, através do meta-marxismo ou, digamos assim, do marxismo-do-além, Jacques Texier e Jacques Bidet assumiram a iniciativa de criar a Revista Actuel Marx, em 1986, a qual contou, desde logo, em seu Comitê de Redação com dois expoentes intelectuais de grande renome do Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SU-QI), Michaël Löwy e Catherine Samary.

Sob a direção de Jacques Texier e Jacques Bidet (literalmente : sous la direction de Jacques Texier et Jacques Bidet), passou a ser editada a coleção de livros Actuel Marx Confrontation, em concurso com a Universidade de Paris X – Nanterre (Sorbonne) e o Istituto Italiano per gli Studi Filosofici.

A estruturação ideológica da corrente doutrinária em exame, permitiu a Jacques Texier e Jacques Bidet impulsionarem, ao longo da última década, uma relevante e profunda desnaturação do marxismo, acobertada com a máscara de uma interpretação científico-catedrática atualizadora da doutrina de Marx e Engels.

O meta-marxismo franco-gramsciano de Actuel Marx, fundado, em sentido lógico-doutrinário, no revisionismo gramsciano do marxismo, iria ao longo de toda a década de 90, aproximar, influenciar, envolver e corromper, teórica e politicamente, marcada e progressivamente, os mais expressivos teóricos trotskystas, da Ligue Communiste Revolutionnaire (LCR), seção francesa do Secretariado Unificado da Quarta Internacional,  e, finalmente, a própria direção do SU-QI.

Os mais pronunciados ideólogos meta-marxistas franco-gramscianos de Actuel Marx e, em particular, os mais representativos atualizadores meta-marxistas franco-gramscianos, Jacques Texier e Jacques Bidet, cristalizam, presentemente, em seus textos as idéias essenciais, estruturadoras de todo o movimento intelectual-político, impulsionado ao longo dos últimos anos e ainda nos dias de hoje, que conduziu e conduz à crescente claudicação da direção do SU-QI à ideologia de correção e superação gramsciana do marxismo, i.e. à sua atualização em sentido meta-marxista ou pós-moderno, tal como os próprios ideólogos dessa corrente doutrinária peremptoriamente a afirmam e publicamente a reivindicam.

Quando, em 1994, foi tomada a decisão de dissolver-se o Institut de Recherches Marxistes(IRM), i.e. Instituto de Pesquisas Marxistas, criado, outrora, pelo PCF, visando a prestar-lhe assistência intelectual e doutrinária em questões concernentes à deturpação e à desnaturação refinada e aparentemente científico-analítica da doutrina de Marx e Engels, manifestando-se, durante décadas de colaboracionismo de classe, em publicações e colóquios, nos mais diversos matizes burocrático-contra-revolucionários e oportunistas, desde o stalinismo de Thorez e Politzer ao chauvisnimo ocidental euro-comunista de Georges Marchais, nasceram os Espaces Marx Reséau International. Pour Une Construction Citoyenne du Monde.

Assim, os Espaces Marx surgiram após a afirmação da pretensão dos intelectuais do PCF no sentido de ser necessário inovar doutrinariamente no domínio do marxismo, mediante uma confrontação pluralista com correntes políticas susceptíveis e abertas à sua perspectiva teórico-revisionista.

Em 18 de junho de 1994, no quadro de uma assembléia largamente pluralista, selou-se um compromisso de criação de um espaço de debates e de produção literária de matiz colaboracionista „stalinista-reciclado-democrático-humanista-gramsciano-trotskysta-mandelista“, visando à renovação, à correção, à atualização e à superação dos princípios de Marx e Engels, em uma “nova marcha de criatividade política“.[5]

 

Na assembléia em referência de 1994, os Espaces Marx, em processo de gestação existencial, declararam, expressamente :

 

 

„Novas relações com o PCF, fundadas na parceria, repousando em um contrato explícito, revelaram-se possíveis, assegurando, sem equívoco, a autonomia da Associação a criar(i.e. a Associação Nacional Espaços Marx). A plena soberania dos Espaços Marx decorre de seus objetivos, democraticamente elaborados, e ela lhe confere a completa responsabilidade por seus atos. Ela não implica a renúncia a uma ligação fecunda com o PCF nas condições previstas na Carta de Estatutos.

Na mesma base, a Associação procurará, igualmente, outros parceiros e deseja estabelecer relações com outros agrupamentos, centros de reflexão, revistas etc.

Nos trabalhos preparatórios à criação da Associação, uma questão de primeira importância foi a de estabelecer sua relação com o pensamento de Marx.

A Carta de Estatutos, que foi proposta e adotada, traduz, claramente, essa relação, inscrevendo-o em uma assimilação crítica e aberta de um pensamento cuja fecundidade, dado que não se enrijece em um dogmatismo estéril, é própria a estimular elaborações novas. Essa referência exprime muito bem uma vontade de cooperação específica com os que se reclamam igualmente defensores do pensamento de Marx. A formulação traduz, explicitamente também, uma preocupação de pluralismo e abertura a outros pensamentos inovadores e progressistas, incluindo aqueles que não reivindicam Marx.  A denominação da nova estrutura não constitui uma mudança formal, mas a afirmação da diferença de concepção em relação ao IRM e a nova identidade da Associação.“[6]

 

A partir desse momento, constituiu-se um Comitê Provisório incumbido de assegurar a transição organizativa do IRM aos Espaces Marx.

Tal Comitê Provisório foi encabeçado, desde logo, por doutrinadores meta-marxistas franco-gramscianos de Actuel Marx, entre eles Jacques Texier e Tony Andréani, por velhos e novos ideólogos remanescentes no Partido Comunista Francês,  Francette Lazard, Lucien Sève e Georges Labica, em representação da intelectualidade mao-stalinista reciclada, do democratismo humanista e do gramscismo do PCF, bem como por Michaël Löwy, Catherine Samary e Daniel Bensaϊd, enquanto máximos expoentes teóricos da LCR Francesa e do Secretariado Unificado da Quarta Internacional(SU-QI).

O leitor ressabiado poderá perguntar então : porém, sobre que bases é possível produzir-se e seguir existindo, organicamente, um tal extenso e abrangente reagrupamento de dirigentes e doutrinadores político-históricos sancionados, afastados, excluídos e remanescentes do PCF, no quadro dos atuais Espaces Marx? Como foi ou é possível que tenham se despedido, definitivamente, das antigas diferenças do passado, marcadas pelos métodos stalinistas ?

Simples : em 16 e 17 de novembro de 1998, o Comitê Nacional do Partido Comunista Francês (PCF) declarou como nulas e inexistentes, no original francês nulles et non avenues, todas as sanções, exclusões ou afastamentos efetuados com base em concepções políticas, de princípios de organização ou de práticas.[7] 

 

 

Nesse sentido, Jean-Claude Oliva, do PCF-Regards, assinalou, acentuadamente :

 

„Não se trata de uma recompensa, em toda conta, para os dramas que sacudiram a vida de milhares de pessoas, nem do esquecimento que condenaria a começar com isso outra vez. ...

Parece-me importante reabrir o debate sobre a concepção mesma do Partido Comunista. Jacques Texier julga importante „um início de análise relativa às condições históricas do nascimento desses métodos que reenvia ao que se chama stalinismo e ao nascimento da III Internacional“, exigências teóricas essas que se reencontram também junto a Maurice Moissonnier a propósito do conceito de „partido“. Pierre Daix ressalta a questão da mentira política. ... O Evento da aparição das memórias rebeldes de Maurice Kriegel-Valrimont testemunha que „é impossível trancafiar a corrente comunista na estreiteza do dogmatismo stalinista“. Uma mensagem de esperança de um autor maior da história contemporânea, endereçada às jovens gerações : „a história não acabou. Seus mais belos capítulos serão ainda escritos.“[8]

 

 

Sendo assim, nesse preciso contexto de colaboracionismo teórico-doutrinário e político prático, travado no seio dos Espaces Marx Reséau International. Pour Une Construction Citoyenne du Monde, entre meta-marxistas franco-gramscianos de Actuel Marx, mao-stalinistas reciclados, democrático-humanistas, gramscianos do PCF e os expoentes intelectuais do Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SU-QI), visando à renovação, à correção, à atualização e à superação dos princípios revolucionários de Marx e Engels, em uma “nova marcha de criatividade política“, é que se espera sejam escritos os mais belos capítulos da história da luta de classes, rumo ao atingimento de uma sociedade sem classes.

Seja reservada, pois, por merecimento, a última palavra acerca da abordagem do presente tema ao famoso toureiro espanhol Jesulín de Ubrique : „im- ... pressionante“.

 

 

 

EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES

“UNIVERSIDADE COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”

PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA

DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS

MOSCOU – BUENOS AIRES - SÃO PAULO – PARIS

 



[1] Cf. TEXIER, JACQUES. Le PCF et ses Exclus Prendre Congé d’un Certain Passé, in : Regards. Projet Communiste, Nr. 43, Fevereiro de 1999.

[2] Cf. IDEM. ibidem.

[3] Desse período datam seus seguintes escritos TEXIER, JACQUES. La Spécificité du Matérialisme de Marx et la Critique du Communisme Réformateur in: Materialismes. Raison Présente, Nr. 47, Paris, 1978, pp. 85 e s.; IDEM. Rationalité selon la Fin et Rationalité selon la Valeur dans Les Cahiers de la Prison, in : Actuel Marx, Nr. 4, Paris, 1988, pp. 97 e s.; IDEM. Sur le Sens de „Société Civile“ chez Gramsci, in : Actuel Marx, Nr. 5, Paris, 1989, pp. 50 e s.    

[4] A respeito do conteúdo doutrinário do meta-marxismo franco-gramsciano, vide, mais especificamente, o Capítulo II do presente trabalho.

[5] Cf. ESPACES MARX. Explorer, Confronter, Innover : Historique, in : Espaces Marx, Paris, http:/ /www.internatif.org /EspMarx/adm/index.html.

[6] Cf. IDEM. ibidem.

[7] Vide OLIVA, JEAN-CLAUDE. Le PCF et Ses Exclus. Du Passé Faisons Table Pleine !, in : Regards. Projet Communiste, Nr. 43, Fevereiro de 1999.

[8] Cf. IDEM. ibidem.