II.D.

MAO-STALINISMO, DEMOCRATISMO HUMANISTA

E FRANCO-GRAMSCISMO

 

Texto de Autoria de

Portau Schmidt von Köln

Emil Asturig von München

 

A Enfermidade Gramsciana

no Movimento Trotskysta Contemporâneo

e nas Lutas de Emancipação do Proletariado

Polêmica Trotsky e Gramsci  : Gramsci e Trotsky  

O SU-QI e a Corrente Franco-Gramsciana

de Atualização, Correção

e Superação do Marxismo

(O Meta-Marxismo de Actuel Marx)

 

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Entretanto, no ano de 1968, o maoísmo, concebido supostamente enquanto crítica de esquerda ao stalinismo e aos partidos comunistas stalinizados, expandiu-se, consideravelmente na França, em decorrência dos acontecimentos do Levante de Maio em Paris e da Revolução Cultural Chinesa, sufocando, em grande parte, a dinâmica das produções intelectuais de reinterpretação do marxismo, no sentido franco-gramsciano, impulsionado pelo recém-surgido agrupamento de acadêmicos franceses ligados ao PCF.

Com efeito, nesse ano, o Partido Comunista Francês (PCF) e sua elite de burocrátas stalinistas fiéis à Moscou, sob a direção de Waldeck Rochet, em associação com a CGT Francesa, de Georges Séguy, caluniaram e trairam, sistemática e vergonhosamente, o espontâneo levante dos estudantes da Universidade de Paris - Sorbonne.

Qualificando estes últimos de falsos revolucionários e arruaceiros de rua à serviço da burguesia, seja no levante de Nanterre, seja na Manifestação de 13 de Maio dos 4 milhões rumo à Torre Eiffel, o PCF e a CGT buscaram assegurar seu controle sobre o movimento deflagrado, bem como transmitir sustentação à política burocrático-moscovita de coexitência comum no quadro da Guerra Fria.

Para tanto, valiam-se de métodos clarevidentes de manipulação das propostas de greve geral e das lutas dos trabalhadores franceses da Sud Aviation, da Renaud, da Citroyen.

Waldeck Rochet, seguindo, sem piscar pálpebras, as determinações do Partido Comunista da URSS, estava orientado para tolerar um certo volume de turbulências e exasperações de rua e de greves, desde que tais não comprometessem a permanência de Charles de Gaulle na direção política do Estado Burguês-Imperalista Francês, em seu plano de legitimar-se, em sentido jurídico-constitucional, através da celebração de um referendo popular.

Quando em 29 maio de 1968, o movimento dos estudantes e das massas parisienses tornaram-se abertamente explosivos e nitidamente ofensivos, embatendo-se, impiedosamente, contra as forças de repressão dos destacamentos militares franceses, Rochet e Séguy não hesitaram em negociar um acordo mínimo de aumento de 10 % para os salários dos trabalhadores metalúrgicos franceses, visando a, claramente, retirarem-nos do cenários da luta de classes, e facilitar a declaração de ilegalidade das organizações estudantis rebeladas, bem como a ocupação da Sorbonne pelas tropas de choque, movidas a soldo da burguesia-imperialista francesa.

No quadro das lutas de 68, a aberta traição das lutas e os métodos de calúnia do PCF e da CGT conduziram, progressivamente, à busca de um novo referencial ideológico-teórico ultra-esquerdista, de matiz marxista-maoísta, por parte de alguns setores da militância dessas organizações, bem como das agremiações estudantis francesas[1].

 

Com efeito, o posicionamento ideológico do maoísmo clamava pela promoção de uma ruptura epistemológica radical entre ciência e ideologia, visando a promover a depuração, em todas as obras dos pensadores marxistas - incluindo as próprias obras de Marx e Engels -, dos elementos científicos em face daqueles considerados como ideológicos.

A reformulação maoísta do marxismo defendia, além disso, a luta contra o revisionismo dos partidos comunistas stalinizados, que alimentavam, abertamente, crenças em sistemas jurídico-burgueses de democracia representativa e de frentes populares.

Ele clamava pela denúncia impiedosa da ideologia jurídica dos Estados opressores e de seus aparelhos ideológicos, na trilha da construção de uma nova tática frentista, considerada como autenticamente revolucionária, no sentido da doutrina de Mao Zedong.

O pensamento eclético, de índole marxista-maoísta, produzido por Louis Althusser, perpassado por sua defesa teórica das rupturas epistemológicas e de uma cientificidade pura, deram expressão na França, no quadro dos eventos de 1968, aos anseios de certas forças estudantis e militantes do PCF que pretendiam atacar as diversas práticas stalinistas consolidadas historicamente pela direção de Thorez e Politzer, Rochet e Séguy.

Acerca do tema, Nahuel Moreno assinalou, nitidamente, o seguinte :

 

 

“Althusser não oculta sua admiração por Mao Zedong e sua teoria sobre a contradição como um exemplo de seu método no campo prático-político. Para Mao, existe em um momento histórico contradições antagônicas e não antagônicas relacionadas entre si. Quando o Japão invadiu a China, p. ex., a contradição antagônica era China-Japão e a ela permaneciam subordinadas as contradições não antagônicas, como burguesia-proletariado chinês etc.

Essa concepção leva à teoria das etapas da revolução – uma democrático-burguesa, outra socialista – e não a combinação entre etapas. Até que uma contradição antagônica, imperialismo-China ou feudalismo-burguesia Rússia, não se solucione, não se podem transformar as contradições não antagônicas em antagônicas. É um critério mecânico que não leva em conta as mudanças nas relações entre as contradições, quando, na realidade, as contradições têm entre si relações contraditórias e combinações momentâneas, instáveis, dinâmicas.

Isso significa que, cedo ou tarde, as antagônicas (a burguesia e os latifundiários chineses) unir-se-ão à sua antagônica (o imperialismo), tornando-se não antagônicas, deixando sozinhos o proletariado e o campesinato para enfrentá-los a todos, como o antagonista de todos os exploradores. O caso é que Mao e seu admirador não foram capazes de assimilar o estruturalismo no marxismo, no mais profundo desse. Nesse sentido, não seguiram as preciosas indicações de Marx.”[2]       

 

 

No sentido da realidade histórica do stalinismo francês de fins dos anos 60, os posicionamentos teóricos de Althusser pareciam, entretanto, fornecer, armas poderosas para o impulsionamento de uma crítica impiedosa do “modelo soviético” no interior do PCF, propondo, entretanto, em sentido político-estratégico, nada mais do que um despertar cultural visionário e alucinante das massas exploradas por uma elite dirigente semi-messiânica, edificada segundo o modelo do Partido Comunista da China. 

A teoria crítica dos aparelhos ideológicos de Estado, que se converteu em palavra-de-ordem da doutrina mao-stalinista-althusseriana, foi, nesse contexto, intensamente propagandeada, sobretudo nos trabalhos de Louis Althusser e Roger Establet.[3]

 

No quadro do impacto das reformulações althusserianas e da crise de recomposição das forças dirigentes do burocratismo stalinista do PCF, o Manifesto de Champigny do PCF, de 1968, afirmou, programaticamente, uma perspectiva política de não rejeição da violência revolucionária, das lutas extra-parlamentares, dos combates ideológicos e políticos contra a exploração e opressão do imperialismo francês, bem como o reconhecimento formal da consigna relativa à Ditadura do Proletariado.

Sem embargo, já na primeira metade dos anos 70, quando o imperialismo norte-americano, decidindo-se por exibir sua face supostamente mais humanitária, deu sinais de não mais poder seguir com as matanças e as carnificinas das Guerras do Cambodja e do Vietnam, recuando, finalmente, derrotado, haviam sido quase que inteiramente abandonadas, pelos mais expressivos teóricos franceses do PCF, a mitologia e as fantasmagorias lançadas aos quatros ventos pela doutrina de Mao Zedong e a Revolução Cultural Chinesa.

Nesse sentido, cumpre registrar que, já a partir de 1969, um dos então célebres filósofos do PCF – atualmente ainda um dos mais expressivos intelectuais da direção do PCF, bem como dos Espaces Marx - , Lucien Sève dava, também, início à sua crítica democrático-humanista ao pensamento filosófico-político de Louis Althusser, no interior do PCF.[4]

 

A essa altura, o combate teórico empreendido por Sève assumiu a forma de uma crítica ao posicionamento de Politzer e de Althusser acerca da natureza do materialismo dialético.

Rejeitando conferir um caráter materialmente ontológico ao “dia-mat”, enquanto super-ciência da qual seria possível extrair-se uma determinada linha política particular, Sève procurou reconhecer certos aspectos de ciência ao marxismo, em sentido crítico-gnoseológico, distanciando-se, igualmente, dos posicionamentos mao-stalinistas de Althusser.

Segundo Sève, o materialismo dialético adquiriria seu papel eminentemente científico em sua expressão mais propriamente humanística, caráter irredutível das finalidades concretas que representariam as necessidades do comunismo próprio das massas.

A luta teórica entre os mais expressivos pensadores do PCF adquiriu, no início dos anos 70, o caráter de um debate de iniciados, extremamente restrito e especializado, travado entre stalinistas-ortodoxos, mao-stalinistas, franco-gramscianos e democratas-humanistas-stalinistas.

Tal confrontação dificultava a percepção e compreensão da grande maioria das bases militantes do PCF acerca das novas perpectivas e dos novos matizes de desnaturação e deturpação do pensamento autenticamente revolucionário de Marx, Engels e Lenin. No entanto, no seio de tal disputa teórico-doutrinária já estava sendo orquestrado, de maneira clara, o seguinte desenlace :

O crescente enfraquecimento da versão mao-stalinista no interior do PCF deu margem não apenas ao fortalecimento da corrente fiel à burocracia moscovita-stalinista, senão ainda reabriu a possibilidade de estruturação mais sólida de diversos segmentos de intelectuais defensores do Euro-Comunismo, tendo como paradigma emblemático o Partido Comunista Italiano (PCI), de linhagem gramsciana, em sua versão marcada por Palmiro Togliatti e Enrico Berlinguer.[5]

 

Consideradas em seu conjunto, todas essas diversas correntes do novo PCF, encabeçado agora por Georges Marchais, passaram, a seguir, a se dedicar, preponderantemente, sob os mais distintos matizes, à construção de uma política estratégica frente-populista, envolvendo todos partidos e agrupamentos políticos franceses considerados de esquerda, no quadro de um novo “socialisme à la française”, de modo a oferecer uma Via Democrática e Pacífica de atingimento do socialismo, tida como alternativa supostamente concreta à dominação dos governos democrático-burgueses.[6]

 

Nesse novo contexto, setores importantes de intelectuais e políticos do PCF, sob os impulsos de Lucien Sève[7] e Charles Fiterman[8], envolvidos em sua desesperança radical quanto às possibilidades de transformações democráticas no Leste Europeu e capitulando, claramente, aos preconceitos e divindades mais correntes da democracia e do Direito burgueses, bem como de seu respectivo parlamentarismo constitucional, destacaram-se como os mais radicais defensores do democratismo humanista-burguês ocidental, desde uma perspectiva inconfundivelmente stalinista. Bem ao sabor dos ventos dos novos acontecimentos mundiais, as correntes doutrinárias de Charles Fiterman e Lucien Sève, passaram a proclamar, abertamente, sua crença mais acabada nos direitos individuais do homem e do cidadão, na defesa do status-quo do mundo ocidental e do assim-chamado Estado Democrático e Social Intervencionista, passando a denunciar o “totalitarismo do marxismo”, reproduzido no assim-denominado “imperialismo” remanescente dos Estados Soviéticos.

Na periferia das correntes de Fiterman e de Sève, cristalizava-se também o agrupamento bem mais minoritário e marginal de doutrinadores do PCF dedicados mais rigorosamente à defesa de um marxismo reinterpretado, à maneira gramsciana. Essa última corrente franco-gramsciniana de teóricos do PCF, surgida originariamente no curso dos anos 60, principalmente através das obras de Jacques Texier, estruturou-se, ao longo de toda a década seguinte, de maneira mais clara e definida, consolidando em suas fileiras pensadores como André Tosel[9],  Christine Buci-Glucksmann[10], Georges Labica[11] e Etienne Balibar[12].

 

Tais intelectuais gramscianos do PCF, defendendo a Via Democrática e Pacífica das transformações sociais e a estratégia de União Política dos Partidos de Esquerda, no quadro de um novo “socialisme à la française”, opunham-se, a essa época, à caracterização relativa ao “totalitarismo do marxismo” dos Estados Soviéticos.

Segundo acreditavam tais pensadores, tal caracterização radical de “totalitarismo do marxismo” estimularia as forças do capitalismo imperialista a desmantelar o próprio assim-considerado Estado Democrático e Social Intervencionista, que com seu assistencialismo teria assegurado um sistema de integração das classes médias e das massas populares européias em um contexto em que a exploração capitalista passava por novos modos de consumo, revelando-se temperada por uma rede de proteção social.

Nesse preciso sentido, os intelectuais gramscianos do PCF levantaram a bandeira da conquista hegemonia das classes subalternas, em sua versão idealista-subjetivista gramsciana(-crociana) enquanto ponto de resolução tendencial das então existentes contradições sociais dos anos 60 e 70.

A defesa da teoria da hegemonia de Gramsci seria, plenamente, justificada, segundo afirmavam, em virtude do próprio curso de desenvolvimento do pensamento marxista ocidental, que, diferentemente do “marxismo oriental”, i.e. do marxismo de Lenin, Sverdlov e Trotsky aplicado à prática no quadro da Revolução de Outubro, haveria de conduzir a uma forma de razão superior, que unificasse racionalidade técnico-científica e razoabilidade ético-política da tradição ideológica ocidental-européia e, em particular, da França.

Essa corrente de linhagem franco-gramsciana pretendeu, a partir de então, armar-se de novos meios analíticos, novos conceitos linguísticos e capacidade teórico-constitutiva de conhecimentos, visando à interpretação das transformações das por eles assim-designadas sociedades do “capitalismo tardio e de sua crise”, de um lado, e, de outro, das “sociedades socialistas e de seus problemas e bloqueios específicos.”[13]

 

A noção gramisciana de hegemonia dos produtores e das classes subalternas, i.e. do que consideravam ser “as massas populares em uma palavra”, surgia diante do agrupamento dos intelectuais franco-gramscinianos do PCF modelado como um conceito-chave, i.e. como uma categoria de compreensão fundamental para uma perspectiva estratética de ação político-partidária, bem como de resolução das contradições da atualidade histórica francesa.

O “sistema de hegemonia” haveria de ser postulado, entretanto, “sem manipulação totalitária de práticas”, “sem pretensão totalizante em relação aos saberes sociais”, i.e. trocando em miúdos, sem um partido revolucionário dirigente, centralizado à maneira bolchevique-leninista.[14]

 

Nesse quadro, o materialismo dialético de Marx e Engels não se poderia constituir em teoria da ruptura da ciência em face da ideologia, devendo apenas refletir, secundariamente, em sua condição de interconector do desenvolvimento específico dos ramos do conhecimento humano, as diversas categorias mais gerais das ciências naturais e espirituais, visando à elucidar a perspectiva gramsciana de ”hegemonia dos produtores”, no interior de cada prática científica.

Sendo assim, haveria de ser admitida, em última instância, a decidida substituição gramsciana do materialismo dialético pela filosofia da práxis.  Já não se trataria mais de repetir, “simplesmente”, o primado marxista do ser sobre a consciência, mas sim de saber repensar e resituar, complexamente, a problemática do conhecimento da natureza e da sociedade no interior de estratégias contraditórias, desenvolvidas por forças antagônicas, segundo a lógica da emancipação dos “cidadãos-produtores” e de direção dos aparelhos de hegemonia pelas massas.[15]

 

Recorrendo aos fundamentos essenciais do gramiscismo, em sua versão equacionada pelo Partido Comunista Italiano(PCI), de Palmiro Togliatti, à época encabeçado por Enrico Berlinguer, os franco-gramscianos reintroduziram na França a tese de que a força propulsiva emergida pela Revolução de Outubro de 1917 havia se esgotado, ao longo dos anos 70, observando, porém, que tal posicionamento não poderia conduzir à pura e simples defesa da ideologia burguesa-liberal, bem como  à aceitação de sua crítica às assim-denominadas “sociedades socialistas”.[16]

 

Segundo os intelectuais gramscianos do PCF, a ideologia burguesa-liberal utilisaria tais ponderações para esmagar os processos democráticos na Europa Ocidental, impondo teorias do conhecimento necessárias para a gestão capitalista da crise.

O gramiscismo francês julgou devido denunciar, além disso, o perigo de a filosofia da práxis – dando substituição ao superado materialismo dialético -, tal como concebida na obra do próprio Gramsci, estar ameaçada de desembocar, constantemente, em um simples idealismo transcedental, por anular a historicidade dos problemas e das formas de vida.

No mesmo sentido, o gramiscismo francês elaborou advertências dirigidas contra “o produtivismo fundado na exaltação das forças produtivas”, alegadamente presente nas obras de Gramsci, em suas análises do fenômeno relacionado com o fordismo, produtivismo esse que poderia conduzir à consagração do mito da idéia do progresso mecanicista e ideológico, desprezando a perspectiva de um socialismo ecológico.[17]

 

Sendo assim, a estratégia válida de construção do “socialisme à la française”, através de uma via “democratique jusqu’au bout(i.e. democrática até o fim)”, em um velho país industrializado, exigiria, por um lado, o abandono da referência revolucionária violenta para destruição do Estado Burguês e edificação da Ditadura do Proletariado incorporadora da mais ampla e historicamente mais avançada Democracia Proletária, e, por outro, a defesa orgulhosa dos fundamentos do marxismo, reinterpretado à maneira gramsciana, de modo a permitir-se apontar para a construção de alianças sociais e políticas tendo-se em conta as transformações em um cenário de “capitalismo tardio”, situado em uma fase de crise durável e profunda.

Seja na assinatura do Programa Comum de Governo, celebrado entre o Partido Socialista Francês e o PCF, em 1972, seja no XXII Congresso do PCF, entrevemos projetadas na política da direção do PCF de Georges Marchais sua orientação burocrático-stalinista frente-populista, corroborada pelos projetos dos franco-gramscianos e democrático-humanistas-stalinistas, em combinação com os últimos resquícios do revisionismo marxista de matiz mao-stalinismo-althuressiano.

A essa altura, o PCF havia já se constituído no principal partido de oposição de esquerda ao gaullismo, obtendo resultados eleitorais que atingiam a cifra de 21 % dos votos expendidos, como foi o caso das eleições de 1973.

Nada obstante, após a fugidia e visível sedução de Geoges Marchais pelas tendências mais radicais do Euro-Comunismo Italiano, representadas, na França, na maneira mais acabada por Charles Fiterman, a direção do PCF logrou, entretanto, consolidar-se, novamente, enquanto aparelho mais rigorosa, dogmática e monoliticamente fiel à burocracia stalinista-moscovita na Europa Ocidental, cooptando Marchais para o posto de Secretário Geral do Partido, onde esse último abjurou suas precedentes orientações políticas euro-comunistas.

Semelhante guinada política no interior do PCF, culminaria, a seguir, não apenas com a exclusão de Charles Fiterman das fileiras partidárias franco-stalinistas, senão ainda, nos anos seguintes, com o “afastamento voluntário” delas de Jacques Texier, em 1977, e com a expulsão de Etienne Balibar, em 1981.[18]

 

 

EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES

“UNIVERSIDADE COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”

PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA

DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS

MOSCOU – BUENOS AIRES - SÃO PAULO – PARIS

 

 



[1] Cf. KARIM, DARIOUSH. The Revolutionary Dictatorship of the Proletariat, Bogotá : Partido Socialista de los Trabajadores of Colombia, 1979, pp. 28 e s.

[2] Cf. MORENO, NAHUEL. Lógica Marxista y Ciencias Modernas, México-Colômbia : Xólotl-Pluma, 1981, pp. 54 e 55. Destaco que jamais se demonstrará excessivo realçar sempre os penetrantes trabalhos de Nahuel Moreno, elaborados em meio à sua luta ideológica acesa, deflagrada seja contra o euro-comunismo, seja contra o mao-althusserianismo, seja contra o mandelismo, seja ainda contra o lambertismo, em defesa do legado da Revolução Proletária de Outubro de 1917 e, em particular, em prol dos princípios ético-organizativos do partido marxista-revolucionário. Nada obstante, cumpre ressaltar que, entre outros aspectos, seria efetivamente incorreto pretender apoiar, sem importantes reparos, seus posicionamentos, quer no domínio da lógica marxista – onde Moreno defende posições teóricas amplamente coniventes com o construtivismo metodológico-radical de Piaget, incompatíveis essencialmente com o socialismo científico de Marx e Engels  -, quer no domínio da atualização do programa de transição – onde Moreno propugna, abertamente, posições idealistas-subjetivistas e democratistas, ao pretender inverter infundadamente relações causais dos acontecimentos históricos, maximamente no período posterior à I Guerra Mundial, afastando-se, assim, ostensivamente do método materialista histórico-dialético, defendidos por Marx e Engels, Lenin, Sverdlov e Trotsky -, quer ainda no domínio ontológico do ser trotskysta nos dias de hoje - onde Moreno, em sua excessiva acentuação da atividade criticista e ânsia de superação do próprio trotskysmo, deixa de destacar que o marxismo, por ser científico, deve ser considerado como um guia para a ação (Anleitung zum Handeln), orientação para o agir, instrução para a prática de organização, mobilização e luta permanente, independente e implacável das mais amplas massas revolucionárias, sob a direção hegemônica do proletariado, em busca da construção de uma humanidade socializada ou ainda de uma sociedade humanizada, o que obsta, nos limites do marxismo revolucionário, qualquer tipo de criticismo “criativo” e supostamente superador, elaborado em desconformidade e dissonância com o rigoroso método do materialismo histórico-dialético. Acerca do tema, vide MORENO, NAHUEL. Lógica Marxista y Ciencias Modernas, México-Colômbia : Xólotl-Pluma, 1981, pp. 54 e 55.; IDEM. Actualización del Programa de Transición, ed. CITO – Centro Internacional del Trotskysmo Ortodoxo, 1980, pp. 7 e s.; IDEM. Ser Trotskysta Hoy(1985), in: Cuadernos de Correo Internacional, 1988, pp. 3 e s.

[3] Acerca do tema, vide, sobretudo, ALTHUSSER, LOUIS. Idéologie et Appareils Idéologiques d’Etat. Notes pour une Recherche, in : La Pensée, Nr. 151, Paris, 1970, pp. 3 e s. Vide ainda ALTHUSSER, LOUIS / BALIBAR, ETIENNE / ESTABLET, ROGER. Lire le Capital, Vol. II, 3e. Edition, Paris : Maspero, 1967, pp. 11 e s.; ALTHUSSER, LOUIS. Pour Marx, 5e. Edition, Paris : Maspero, 1968, p. 257.

[4] Acerca do tema, vide, sobretudo, SÈVE, LUCIEN. Marxisme et Théorie de la Personnalité, Paris : Editions Sociales, 1969, pp. 7 e s.; IDEM. Lénine et la Pratique Scientifique, CERM(Centre d’Etudes et de Recherches Marxistes), Paris : Editions Sociales, 1974, pp. 30 et s.; IDEM. Structuralisme et Dialectique, Paris : Ed. Sociales, 1984, pp. 17 e s.

[5] Acerca do tema, vide, mais detalhadamente, o Capítulo I da presente investigação.

[6] Com efeito, a consolidação da União da Esquerda Francesa operou-se, a seguir, em 1978. A essa altura, Lucien Sève, sempre assaltado por suas categorias lógico-políticas democrático-humanistas, típicas da hipocrisia stalinista, ainda assinalou, em seu artigo dedicado à “La Catégorie de la Possibilité”, que tal União, possível no plano da possibilidade formal, não representava, efetivamente, ainda uma possibilidade objetiva. Vide SÈVE, LUCIEN. in : La Pensée, Nr. 202, Septembre 1978.

[7] Acerca do tema, vide SÈVE, LUCIEN. Lénine et la Pratique Scientifique, CERM(Centre d’Etudes et de Recherches Marxistes), Paris : Editions Sociales, 1974, pp. 30 et s.   

[8] Sobre as posições históricas de Fiterman, vide, mais recentemente, FITERMAN, CHARLES. Europe : Défi de Civilisation, Paris : Forum Alternatives Européennes, 1996, pp. 7 e s.

[9] Nesse sentido, vide TOSEL, ANDRÉ. Le Développement du Marxisme en Europe Occidentale depuis 1917, in : Histoire de la Philosophie, Vol. II : Du XIXe. Siècle à nos Jours, Paris : Gallimard, 1974, pp. 902 e s.; IDEM. Philosophie Marxiste et Traductibilité des Langages et des Pratiques, in : La Pensée, Nr. 223, Paris, 1981, pp. 110 e s.; IDEM. Gramsci : La Philosophie de la Praxis et Réforme Intellectuelle et Morale, in : ibidem,  Nr. 235, 1983, pp. 39 e s. ; IDEM. Gramsci ou La Philosophie de la Praxis comme Marxisme de la Crise Organique du Capitaisme, Paris : Editions Sociales, 1983, pp. 9 e s.; IDEM. Orient et Occident : Les Problèmes de la Stratégie Révolutionnaire dans l’Analyse Gramscienne des Cahiers de Prison, in : Les Cahiers Gramsci, Nr. 1, Lyon : 1988, pp. 12 e s.  

[10] Vide BUCI-GLUCKSMANN, CHRISTINE. Gramsci et la Question Scolaire, in : Littérature, Science, Idéologie, Nr. ¾, Paris, 1972, pp. 3 e s.; IDEM. Gramsci et l’Etat. Pour une Lecture Théorico-Politique des Cahiers de Prison, in : Dialeticques, Nr. 4/5, 1974, pp. 5 e s.; IDEM. Gramsci et l’Etat. Pour une Théorie Matérialiste de la Philosophie, Paris : Fayard, 1975, pp. 11 e s.; IDEM. Gramsci : L’Etat, La Révolution et la Culture, in : L’Humanité, Paris, 7 de Março de 1975.; IDEM. Sur le Concept de Crise de l’Etat et son Histoire, in : La Crise de l’Etat, Paris : PUF, 1976, pp. 59 e s.; IDEM. Gramscisme, in : Dictionnaire Critique du Marxisme, Paris : PUF, 1982, pp. 398 e s.; IDEM. Hégémonie, in : ibidem, pp. 413 e s.

[11] Vide LABICA, GEORGES & BENSUSSAN, GÉRARD. Dictionnaire Critique du Marxisme, Paris : PUF, 1982, pp. XI e s.; LABICA, GEORGES. La Réception de Gramsci en France : Gramsci et le PCF, in : Modernité de Gramsci. Actes du Colloque Franco-Italien de Besançon,  Paris : 1992, pp. 17 e s.

[12] Vide BALIBAR, ETIENNE. Entretien avec Balibar, Lénine et le PCF, in : Hebdo Politique, Nr. 241, Paris, 1976, pp. 36 e s.; IDEM. Dictature du Prolétariat, in : Dictionnaire Critique du Marxisme, Paris : PUF, 1982, pp. 266 e s.; IDEM. Gramsci, Marx et le Rapport Social, in : Modernité de Gramsci. Actes du Colloque Franco-Italien de Bensançon (23-25 Novembre 1989), Paris : 1992, pp. 259 e s.  

[13] Acerca do tema, vide, p. ex., TOSEL, ANDRÉ. Praxis. Vers une Refondation en Philosophie Marxiste, Paris: Editions Sociales, 1984, pp. 17 e s.

[14] Vide BUCI-GLUCKSMANN, CHRISTINE. Bloc Historique, in : Dictionnaire Critique du Marxisme, Paris: PUF, 1982, pp. 102 e s. 

[15] Nesse sentido, vide, p. ex., TOSEL, ANDRÉ. Praxis. Vers une Refondation en Philosophie Marxiste, Paris : Editions Sociales, 1984, pp. 21 e s.

[16] Acerca do tema, antes de tudo, IDEM. Philosophie et Marxisme en Italie : Les Philosophes Italiens Par Eux-Mêmes, in : Critiques,  Vol. XIL, Nr. 452/453, Paris, 1985, pp. 18 e s.   

[17] Nesse sentido, vide IDEM. Marx en Italique, Paris : Mauvezin, 1991, pp. 21 e s.; IDEM. Praxis. Vers une Refondation en Philosophie Marxiste, Paris : Editions Sociales, 1984, pp. 23 e s.

[18] No que concerne em particular as causas da expulsão de Etienne Balibar do PCF e a ocorrência dos eventos de Vitry-sur-Seine e Montigny-lès-Cormeilles, vide COMITÉ FÉDÉRAL DE PARIS DU PCF. La Question, in : L’Humanité, 10 de Março de 1981. Vide tb. BALIBAR, ETIENNE. Les Frontières de la Démocratie, Paris : Ed. La Découverte, 1992, pp. 19 e s.