PRODUÇÕES LITERÁRIAS DEDICADAS À FORMAÇÃO

DE REVOLUCIONÁRIOS MARXISTAS QUE ATUAM NO DOMÍNIO DO DIREITO, DO ESTADO E DA JUSTIÇA DE CLASSE

 

 

REFLEXÕES SOBRE A LUTA CONTRA O FRENTEPOPULISMO CONTEMPORÂNEO

A Orientação Política Radek-Brandler

Acerca da Frente Única e do Governo dos Trabalhadores

Nas Lutas Revolucionárias do Início dos Anos 20

Até a Derrota do Proletariado Alemão de 1923

 

A Suposta Luta Contra o Sectarismo Ultra-Esquerdista e o Centrismo Oportunista

Visando à Organização da Prostração Frentista, Disfarçada com Críticas e Denúncias,

Na Capitulação Diante das Forças Reformistas da Social-Democracia Alemã

 

À trabalhadora da costura e mãe lutadora incansável,

Helena R.G., falecida em 31 de maio de 2001 no Rio de Janeiro,

em saudação e memória.

 

EMIL ASTURIG VON MÜNCHEN

PORTAU SCHMIDT VON KÖLN

Para Palestras, Cursos e Publicações sobre o Tema em Destaque

Contatar emilvonmuenchen@web.de

Junho de 2001

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EDITORA DA UNIVERSIDADE COMUNISTA SVERDLOV

PARA A ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO

MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA DO PROLETARIADO

MOSCOU - SÃO PAULO - MUNIQUE – PARIS

FEVEREIRO DE 2002

 

 

ÍNDICE

 

INTRODUÇÃO

 

CAPÍTULO I

Percurso Político de Karl Radek Até o Início dos Anos 20

 

CAPÍTULO II

Karl Radek Nos Primeiros Anos Posteriores à Fundação do PCA (KPD) e a Greve Geral Sangrenta de 1919:

A Gênese Histórica da Tática de Frente Única

 

CAPÍTULO III

Frente Única e Governos dos Trabalhadores na Versão Radek-Brandler:

Seu Sentido e Significado Históricos para a Grande Derrota do Proletariado Internacional de 1923

 

CONCLUSÃO

 

BIBLIOGRAFIA

ARTIGOS E DOCUMENTOS

 

 

INTRODUÇÃO

 

“Companheiros,

se muitos acreditam que isso se trata de um giro à direita,

porque, de um lado, combate-se os oportunistas,

e, de outro, fala-se dos erros que fazem os bons elementos de esquerda,

então não se trata de um engano.

Os bons elementos de esquerda não estão à nossa esquerda.

À esquerda, estão aqueles que, na Internacional Comunista,

preparam-se para poder travar suas lutas.

Quem os impede com teorias oportunistas de se prepararem para a luta,

estão à direita. Quem os impede de as vencer exitosamente,

tendo muito pouco em conta a realidade da luta,

quem não tem julgamento visual

acerca da necessidade de preparação para elas,

não é um oportunista,

mas sim um inoportunista.

Ele não vê o que é oportuno e necessário ..”[1]

 

 

O balanço histórico sobre o processo revoucionário na Alemanha do século XIX e XX é extremamente complexo e não há ainda lições muito claras a estudar e a ensinar categoricamente, já que, nesse terreno, domina a histografia de frações burguesas e pequeno-burguesas, revisionistas, stalinistas e até mesmo não conseqüentemente leninistas.

Pois, se reina acordo quanto ao fato de que a Social-Democracia Alemã superara o desafio da ilegalidade, expressado pela Lei Contra os Socialistas de Bismarck, o Partido já se encontrava, segundo Marx e Engels, seriamente degenerado, em sentido teórico e programático, mesmo na década de 70 do século XIX,  por capitular crescentemente ao lassalleanismo.

Poucos reconheciam isso, porque a Social-Democracia Alemã crescia quantitativamente, e, daí, fechavam os ouvidos aos posicionamentos de Marx e Engels que destacavam sua decadência qualitativa, em termos proletário-revolucionários, agravada a partir das negociações do Programa de Gotha, de 1875. Costuma-se contemplar, superficialmente, August Bebel e Wilhelm Liebknecht como os grandes organizadores numéricos da Social-Democracia Alemã, deixando-se de destacar que o Partido havia, simplesmente, inchado, tornado-se incapaz de lutar, revolucionariamente, nos anos 90 do século XIX, devido ao crescente oportunismo teórico e programático, fomentado pelos próprios August Bebel e Wilhelm Liebknecht. Além disso, é de praxe criticar o reformismo de Eduard Bernstein e pouco se destaca o oportunismo de August Bebel em sua colaboração militante com Friedrich Ebert, a partir de 1905.

Entre 1871 e 1918, a Prússia, assumindo a forma estatal de Império Alemão, havia-se tornado a grande nação imperialista da Europa Continental que derrotara, militarmente, a Áustria e a França, esmagara a insurreição da Comuna de Paris, ampliara suas colônias desde a China (Shantong) até a África.

A I Guerra Mundial imprimiu uma “derrota técnica” ao imperialism alemão que capitulara, sem que nenhum soldado da Entente Franco-Britânico-Estadounidense houvesse invadido o seu solo, sem que a retirada de suas tropas dos territórios ainda ocupados na Europa se desse de modo desordenado, sem que o Comando Supremo de suas Forças Militares – composto por Paul von Hindenburg e Erich Ludendorff – houvesse sido aniquilado ou, ao menos, encarcerado. 

Após a Revolução de 9 de Novembro de 1918, impulsionada pela insurreição dos trabalhadores, soldados e marinheiros alemães amotinados, formou-se um Governo de Coalizão, composto pela Social-Democracia Patriótica, encabeçada por Ebert, Scheidemann e Landsberg, e pela Social-Democracia Independente e Pacifista, dirigida por Hugo Haase, Wilhelm Dittman e Emil Barth.

 Perante o público, apoiaram-se, de início, em 10 de novembro, sobre a Assembléia Geral dos Conselhos de Trabalhadores e Soldados, representante de todos os conselhos do Império Alemão.

Porém, no mesmo dia, surgia o Pacto Militarista selado entre o SPD, comandado com Friedrich Ebert, e o Alto Comando do Exército Imperial, dirigido, agora, pelo General Wilhelm Groener, visando, sobretudo, a preservar a estrutura hierárquica das forças armadas imperiais, manter o velho aparato militarista do Estado, reconstruir o imperialismo alemão, proteger o novo Estado contra a “Revolução Bolchevique” e seus representantes imaginários na Alemanha, i.e. os spartakistas, dirigidos por Karl Liebknecht e Rosa Luxemburg.

Diretamente interessados no Pacto Ebert-Groener estavam, além disso, os grandes capitalistas alemães Siemens, Stinnes, Borsig e outros.    

Esse contexto favorecera imensamente a difusão da “Lenda da Punhalada pelas Costas (Dolchstoßlegende)”, criada pelos Generais von Hindenburg e Ludendorff e defendida pelo Comando Supremo do Exército Imperial, segundo a qual os únicos culpados pela derrota da Alemanha na I Guerra Mundial teriam sido os socialistas de todos os gêneros que insuflavam as massas para a revolução, os social-democratas, sim, mas, particularmente, os marxistas de todos os gêneros e, sobretudo, os bolcheviques e, por essa via, os judeus, responsáveis pela conspiração internacional judia, em uma palavra: todos os criminosos da Revolução de Novembro (Novemberverbrecher), que assinaram a Paz de Versalhes, em 11 de novembro de 1918, “sem que os últimos meios de resistência estivessem esgotados” …

Aos “criminosos de novembro” não cumpriria conceder tréguas: caberia responder com os métodos mais impiedosos e implacáveis do imperialismo alemão, tão bem demonstrado no massacre da Comuna de Paris, comandado pelo Chanceler de Ferro, Otto von Bismarck.

Valeria esmagar os marxistas revolucionários, valendo-se, de início, da Social-Democracia Patriótica de Ebert e Scheidemann, para, depois do esmagamento daqueles, destroçar também estes, de modo a acertar contas com todos os que supostamente “apunhalaram e espetaram pelas costas o sagrado Exército imperial, o Siegfried alemão, a cada momento em que combatia no fronte.”     

Tanto pior eram as palavras de Friedrich Ebert que saudava os soldados imperiais que retornavam do fronte, em 1918, proclamando que não haviam sido derrotados nos campos de batalha (“im Felde unbesiegt”), ou mesmo de Konrad Adenauer, do Partido do Centro cristão-democrata burguês, que afirmava que o Exército Imperial regressava ser ter sido vencido sem, ter sido derrotado, (“nicht besiegt und nicht geschlagen in die Heimat zurück”).

A “punhalada” (Dolchstoß) haveria sido desferida no interior do país, convulsionado pelos insurgentes marxistas…, pela mão do judeu bolchevique   

No período da I Guerra Mundial e imediatamente depois dela, em face da crise do Imperialismo Alemão e seu ímpeto selvagem de reorganização, alimentado pela “Lenda da Punhalada nas Costas (Dolchstoßlegende)”, os mais complexos problemas surgidos no interior das filerias dos revolucionários alemães advinham das visões da águia Rosa Luxemburg sobre a questão organizativa e seu revisionismo teórico do marxismo, permanecendo em descompasso com a nova idade do imperialismo, fase superior do capitalismo.

De modo nenhum, emergiam do que se alega pudesse ser o “putschismo” de Karl Liebknecht, aliás o que nunca foi efetivamente provado, pois as acusações de tentativa de derrubada imediata do governo de Ebert, Scheidemann e Noske, aliado dos Generais Groener, Lequis e von Lüttwitz, em Janeiro de 1919, mediante insurreição armada, acusações essas dirigidas sobretudo contra Karl Liebknecht, partem, majoritariamente, entre as fileiras da esquerda, de Paul Levi e luxemburguistas e também de Radek, Brandler e Richard Müller, e, d’entre as fileiras burguesas, do habermasiano Heinrich August Winkler. 

Um elemento de complicação nessa equação da luta de classes na Alemanha era, sem dúvida, o fato que a III Internacional não se encontrava nem sequer fundada, no período que se estende de novembro de 1918 e janeiro de 1919.

Depois da morte de Rosa Luxemburg, Lenin assinalou, em 1920, em tom de síntese:

“Rosa equivocou-se na questão da independência da Polônia.

Ela equivocou-se, em 1903, na apreciação do menchevismo.

Equivocou-se quando, em julho de 1914, ao lado de Plekhanov, Vandervelde, Kautsky, entre outros, aspirou à unificação dos bolcheviques com os mencheviques.

Ela equivocou-se em suas anotações do cárcere de 1918 (nesse sentido, corrigiu grande parte de seus erros, depois de abandonar o cárcere, no fim de 1918 e no início de 1919).

Porém, apesar de todos os seus erros, Rosa foi e permanece sendo uma águia.”[2]

 

Mas, a Greve Geral de Janeiro de 1919, com ocupação de prédios (Vorwärts – órgão do SPD -, Diário de Berlim, os conglomerados mediáticos Scherl, Ullstein e Mosse, a Tipografia Büxenstein e o Escritório de Telégrafo Wolff) e com armamento das massas, objetivando à recondução de Emil Eichhorn ao cargo de Presidente do Comissariado de Polícia de Berlim, entrou na historiografia burguesa e mesmo de boa parte da esquerda revisionista como a “Insurreição de Spartakus” ou o “Levante de Spartakus”.

Nesse contexto, sobretudo Karl Liebknecht teria pretendido empreender um putschismo blanquista, supostamente destinado a derrubar imediatamente o Governo de Ebert, Scheidemann e Noske, sustentado pelos Generais Groener, Lequis e von Lüttwitz, destruindo, de um golpe, o Estado Burguês Alemão e edificando uma República Socialista Livre dos Conselhos dos Trabalhadores, mesmo contando com a minoria da classe trabalhadora.

Nesse contexto, teriam os companheiros de Karl Liebknecht do KPD Sparktakista, Rosa Luxemburg, Paul Levi, Leo Jogliches permanecido dotados de bom senso contra o putschismo de Karl Liebknecht, quando se posicionaram e votaram contra uma resolução de derrubar o Governo do SPD, aliado ao Generalato Imperarlista Alemão.

Diz a lenda popular que Karl Liebknecht teria assinado, juntamente com Georg Lebedour (USPD) e Paul Scholze (Revolutionäre Obleute), em uma “Junta Revolucionária (Revolutionsausschuss)”, já em 4 de janeiro (!), no mesmo dia em que Emil Eichhorn, um membro do USPD, foi deposto da Presidência do Comissariado de Polícia de Berlim, uma “declaração”(!), defendendo a derrubada imediata do Governo Ebert e Scheidemann.

Outras voces afirmam que Karl Liebknecht, entusiasmado pelas manifestações de rua de 5 de janeiro de 1919, teria, juntamente com Lebedour e Scholze, votado, “na seqüência”, embriagado pela pressão dos acontecimentos, uma efêmera “resolução”(!), em um organismo comum de três organizações, contando com 33 membros e um “secretariado”(!) de três dirigentes, clamando pela derrubada do Governo Ebert e Scheidemann“a qual não teve maiores desdobramentos(!)”. 

Outros acentuam que, em 6 de janeiro, a “Junta Revolucionária (Revolutionsausschuss)”, buscando cooptar as tropas imperiais alemães, declarou, ao sessionar no próprio Parlamento Imperial (Reichstag), o Governo Ebert e Scheidemann como já  derrubado (“abgesetzt”), o que teria sido comunicado à população mediante panfleto, cujo responsável seria, “como de costume (wie üblich)”, Karl Liebknecht e Wilhelm Pieck, membro da direção do KPD Spartakista. 

Outros, por fim, alegam que Karl Liebknecht teria votado uma “resolução” (!) de derrubada depois da Greve Geral de 7 de Janeiro, clamando por invadir, com armas em punho, a Chancelaria do Império de Ebert, situado na Wilhelmstraße 77, antigo Palácio do Príncipe Anton Radziwill, bairro de Kreuzberg.  

 

Ora, é importante destacar que mesmo a Greve Geral de Janeiro de 1919 não foi, absolutamente, planejada, desencadeada ou dirigida pelo KPD Spartakista, senão um produto da manifestação de massas, com ocupação de prédios que ocorrera em 5 de janeiro de 1919, sob convocação da Presidência da Social-Democracia Independente (USPD) da cidade de Berlim, em colaboração com maioria dos  delegados sindicais independentes revolucionários (revolutionäre Obleute), ligados estes ao USPD, na base do movimento operário berlinense, objetivando  a impedir a demissão de Emil Eichhorn do cargo de Presidente do Comissariado de Polícia de Berlim, ordenada em 4 de janeiro de 1919 pelo Governo de Ebert,  Scheidemann e Noske.

Estas foram as forças que, em verdade, dirigiram as manifestações de massas e a Greve Geral de Janeiro de 1919, sobre a qual Karl Liebknecht, Rosa Luxemburg e o KPD Spartakista  incidiam, em condição de absoluta minoria. 

O próprio USPD de Georg Lebedour, Hugo Haase, Wilhelm Dittman, Emil Barth – tal quais os spartakistas, saído bem derrotado do Congresso do Império dos Conselhos de Trabalhadores e Soldados (Reichskongress der Arbeiter- und Soldatenräte)  de 16 a 21 de dezembro de 1918 que, por 400 a 50, posicionou-se, em favor, da imediata convocação de eleições para uma Assembléia Nacional Constituinte, a realizar-se em 19 de janeiro de 1919, bem como por 344 votos a 98, a rejeição categórica da convocação imediata de um novo Congresso dos Conselhos  - encontrando-se também em esmagadora minoria no movimento operário alemão, procurava reconquistar suas posições perdidas no quadro de seu projeto de Governo Frente Popular, formado com o SPD de Ebert e Scheidemann, em 9 de novembro de 1918, e imerso em crise, depois de o USPD ter abandonado o Conselho dos Comissários do Povo (Rat der Volksbeauftragten), em 28 de dezembro de 1918, em virtude da repressão militar dos protestos da Divisão de Marinha do Povo (Volksmarinendivision), promovida pelo Pacto Ebert-Groener, durante o transcurso das Festas de Natal de 1918. 

O próprio USPD não possuía sérias ambições de derrubar o Governo: era, por princípio, pacifista e defendia uma estratégia frentepopulista, estando disposto a colaborar com o social-patriotismo de Ebert e Scheidemann – que sabia pactuar com o Generalato Imperialista Alemão -, desde que não houvesse esmagamento de massas. Era seu projeto político cavalgar as lutas das massas, desde que necessárias para imprimir mais impulso à sua perspectiva de fazer instaurar em solo alemão uma “República dos Conselhos” e a “Democratização das Forças Armadas Imperialistas.”      

Karl Liebknecht – enquanto o mais prestigiado quadro político do KPD Spartakista – veio a declarar, publicamente, na noite de 5 de janeiro, seu apoio às todas as lutas e mobilizações sociais das massas berlinenses - ademais sustentadas também por Rosa Luxemburg e demais membros do KPD Spartakista -  e, assim, passou a tomar parte no  então formado Comando de Greve (Streikleitung), composto por 53 destacados militantes, funcionando em Marstall, o qual entraria para a historiografia dominante como a “Junta Revolucionária  (Revolutionsauschuss)”. 

Em essência, o Comando de Greve de Janeiro de 1919 Georg Lebedour, Paul Scholze e Karl Liebknecht -  expressava a composição dirigente da antiga Junta Executiva do Conselho de Trabalhadores e Soldados da Grande Berlim (Vollzugsrat des Arbeiter- und Soldatenrates Groß-Berlin), surgida em outubro de 1918, e não era, em verdade, alheia às visões de planejamento consciente de ações revolucionárias e insurreições em Berlim, pois que já rompera com a velha concepção predominante no SPD de que o capitalismo e o seu Estado se desagregam e desabam por si mesmos, não devendo ser destroçados pela derrubada planejada do proletariado revolucionário. 

Porém, de 5 para 6 de janeiro, no quadro das mobilizações de massas, o que, de fato, ocorreu foi a ocupação de vários prédios relacionados com a imprensa berlinense (Vorwärts – órgão do SPD -, Diário de Berlim, os conglomerados mediáticos Scherl, Ullstein e Mosse, a Tipografia Büxenstein e o Escritório de Telégrafo Wolff).  Em vez do Vorwärts, jornal do SPD que publicará a demissão de Emil Eichhorn,  passou a circular o Revolutionäre Vorwärts, sob a redação de Eugen Leviné, Wolfgang Fernbach e Werner Möller, contando com o apoio dos operários da Knorr-Bremse, AEG e Schwarzkopff.

A seguir, a Greve Geral, convocada para 7 de janeiro de 1919, foi, freneticamente, sustentada por mais 500 mil berlinenses que ocuparam as ruas e as praças da capital, clamando, até 9 de janeiro, pelo desarmamento das tropas estacionadas na cidade, ao mesmo tempo em que os ocupantes dos prédios armavam-se, para eventual defesa contra a repressão. Dos depósitos do Estado de Spandau e Wittenau, distribuiram-se armas a cerca de 3.000 pessoas, diante do Comissariado de Polícia de Emil Eichhorn. 

De toda sorte, não se registrou a passagem de tropas imperiais berlinenses para as fileiras dos grevistas, bem como resultou que a Divisão de Marinha do Povo (Volksmarinedivision) declarara sua neutralidade, a despeito das mobilizações de massas.

De 9 a 11 de janeiro, em um momento de descenso do movimento grevista e estagnação na dinâmica da ocupação de prédios, tomados como escudos proterores, passaram, porém, a manifestarem-se claros desacordos internos no Comando de Greve (Streikleitung), cujo conteúdo não se encontra, historicamente, bem comprovado, nos documentos historiográficos alemães.

De um lado, parece claro que estariam os adeptos de Georg Lebedour (USPD), defendendo a retomada de negociações com o Governo de Ebert e o Generalato Imperialista Alemão – as quais já haviam sido supostamente iniciadas mesmo em 6 de janeiro - , d’outro, os adeptos de Karl Liebknecht que, supostamente, segundo se conta, teriam defendido – contra a posição de Rosa Luxemburg e Leo Jogliches – uma absurda tentativa de assaltar, com armas na mão, o prédio de Ebert, Scheidemann e do Conselho dos Comissários do Povo (Rat der Volksbeauftragten), o que implicaria, na prática, dispor de tropas revolucionárias proletárias móveis, inexistentes naqueles dias, que percorressem quilômetros de Spandau, da Jerusalemstraße, da Zimmerstraße e da Kochstraße até a sede de Governo de Ebert, Scheidemann e Noske, na Chancelaria do Governo, em Kreuzberg, passando de uma situação já defensiva e estagnada das ocupações para uma impossível ofensiva extrema de ataque arriscado, sendo capaz de desferir golpes militares.

No entanto, em 8 de janeiro, é consenso afirmar que Liebknecht e o KPD Spartakista já haviam decidido abandonar o Comando de Greve (Streikleitung), devido a terem descoberto que Lebedour e o USPD negociavam, em suas costas, uma trégua com o Governo de Ebert e Scheidemann. 

Era evidente que Karl Liebknecht sabia que se encontrava em absoluta minoria no Comando de Greve (Streikleitung). Como poderia, naquelas circustâncias, então, o revolucionário tão experiente que era pretender postular a deflagração de um “putsch” contra Ebert e Scheidemann?

Além disso, haviam fracassado, até mesmo em 8 de janeiro, as tentativas de arrastar para a Greve Geral os marinheiros da Divisão de Marinha do Povo (Volksmarinedivision) e, desde esse dia, as tropas e os paramilitares de Ebert proclamavam o lema de que: “a hora do acerto de contas se aproximava!”(Die Stunde der Abrechnung naht!).

Como planejar a derrubada imediata de um governo, quando a tarefa essencial do momento era a de defesa?  

Tratava-se, como se dizia, de assegurar a tarefa de lutar contra a “traição de Judas no Governo” (“Kampf gegen die Judasse in der Regierung”), contra as tropas que estavam sendo financiadas pelo industrial Heinrich Sklarz e deslocadas por Nokse e Reinhardt para o centro de Berlim, com as ostensivas conclamações dos jornais burgueses à população para que integrasse as fileiras paramilitares dos Freikorps, ali mesmo no Café Vaterland, na Praça de Potsdam, como se depreende dos tantos panfletos operários publicados à época em Berlim.  

Todos sabiam que a “Liga Anti-Bolchevique” de Eduard Stadler e Waldemar Pabst – que, entre 9 e 15 de janeiro, participara da execução sumária de Liebknecht e Luxemburg, bem como do massacre de cerca de 170 pessoas (anote-se que a Greve de Março de 1919 custou a vida de mais de 1.000 pessoas) -, encontrava-se enriquecendo-se com as doações dos grandes capitalistas Siemens, Stinnes, Borsig, repassadas aos Freikorps, armados com lança-chamas, metralhadoras e artilharia pesada.

Em 9, quando as tropas imperiais, as Guardas Brancas e os Freikorps avançaram, o Comando de Greve (Streikleitung) não clamou pela derrubada do governo, senão para que se utilizasse as armas “contra vossos inimigos mortais”(Gebraucht die Waffen gegen Eure Todfeinde!).

Em verdade, toda e qualquer análise rigorosamente fundada, sob o ângulo dialético-materialista – i.e. não oportunisticamente social-filistino -, acerca do perfil revolucionário de Karl Liebknecht há de iniciar-se, sempre e invariavelmente, com o preclaro e lapidar parecer expendido por Lenin sobre um dos mais destemidos lutadores revolucionários de vanguarda que o proletariado internacional conheceu.

 Em sua carta dirigida aos trabalhadores da Europa e dos EUA, Lenin escreveu da seguinte maneira:

Karl Liebknecht : esse nome é conhecido pelos trabalhadores de todos os países.

Por todos os lados ..., esse nome é símbolo da devoção de um dirigente em prol dos interesses do proletariado, da fidelidade à revolução socialista.

Esse nome é o símbolo da luta realmente verdadeira, realmente sacrificante, incomplacente, contra o capitalismo.

Esse nome é o símbolo da luta inconciliável contra o imperialismo, não em palavras, senão em ações, símbolo de uma luta que é disposta ao sacrifício precisamente quando a “própria” nação é envolvida pelo delírio de vitórias imperialistas.”[3]

 

O luxemburguismo, a seguir desenvolvido por Paul Levi representou uma forma alienada de representações das idéias de Rosa e sua cristalização anti-leninista, o que ficou, em 1921, meridianamente evidenciado com as tomadas de posições declaradas de Levi, culminando em sua expulsão da III Internacional, em um momento em que Lenin, Trotsky e Zinoviev a dirigiam. Depois disso, em 1922, Levi regressou… à II Internacional.

As apreciações de Rosa, Levi, Radek e, mais modernamente, Pierre Broué (e, por essa via, Grant e Woods) dominam, hoje, o tema e devem ser vistas com reservas. São contraditórias e representam visões equivocadas sobre o desenvolvimento do processo revolucionário da Alemanha.

As escassas análises de Lenin e Trotsky e mesmo da III Internacional sobre o processo revolucionário alemão de novembro de 1918 a janeiro de 1919 quase nunca são investigadas e citadas, o que abre ainda mais espaço ao luxemburguismo e sua suposta correção no tratamento das revoluções e o projeto de “socialismo democrático”, nos termos da obra clássica de Rosa Luxemburg, de 1918: Sobre a Revolução Russa. Essa historiografia dominou e ainda domina a esquerda, depois da stalinização da União Soviética, tendo-se tornado a base ideológica de inúmeros partidos da esquerda alegadamente democrática, reformista, oportunista e liquidacionista, que evitam o bolchevismo, valorizando a suposta posição “alternativa” de organização e moderação de Rosa Luxemburg. 

Mas, certo é que nem Lenin, nem Sverdlov, nem Trotsky, jamais se pôs a afirmar que Karl Liebknecht pretendera derrubar imediatamente o governo de Ebert, Scheidemann e Noske, sustentado pelos Generais Groener, Lequis e von Lüttwitz e pelas unidades paramilitares dos Freikorps, em Janeiro de 1919 ou coisa do gênero. Não lhe censuraram ou o corrigiram por ter sido um “putschista” aventureiro e querer imediatamente derrubar o governo, em meio à sua visível minoria, no seio da classe trabalhadora alemã.

Ainda no quadro histórico do ascenso insurrecional espontâneo das massas trabalhadoras, soldados e marinheiros de Berlim, provocado pela conclamação de Greve Geral de Janeiro de 1919, Karl Liebknecht escreveu, em 23 de dezembro 1918, demonstrando ter clareza do que pretendia e do que acusavam os spartakistas: 

“Agora, atacam os spartakistas com todos os meios imagináveis. A imprensa da burguesia e dos social-patriotas, do Vorwärts (Avante) ao Kreuz-Zeitung (Jornal da Cruz), debordando com mentiras aventureiras, exagerando com as mais insolentes distorsões, deformações e injúrias. O que é que nos lançam na cara de todas as maneiras? Que proclamamos o terror; Que queremos desencadear a mais sanguinolenta das guerras civis; Que nos equipamos com armas e munições, preparando-nos para uma insurreição armada. Em uma palavra: que somos os mais perigosos e inescrupulosos cães sangrentos do mundo. Essas mentiras são fáceis de compreender.”[4]   

 

Diferentemente das Jornadas de Julho de 1917 na Rússia – e das posições de Podvoisky, Nevsky, Volodarsky e da Organização Militar Bolchevique em Petrogrado (antagonizadas por Trotsky, Zinoviev e Kamenev) – certo é que Karl Liebknecht não propôs, na semana de 4 Janeiro de 1919, retomar sequer a cosigna “Todo Poder aos Conselhos de Trabalhadores” – que aparecera em dezembro de 1918, por ocasião do Congresso dos Conselhos de Fábrica, cuja vitória coube ao SPD de Ebert e Scheideman.

Em Janeiro de 1919, o intuito de Karl Liebknecht não era absolutamente derrubar o governo, mas sim mobilizar permanentemente as massas, inclusive armando-as ainda mais – o que era a regra naquele período posterior à derrota da I Guerra Mundial, com ruas tomadas por soldados da Divisão da Marinha do Povo (Volksmarinedivision), delegados sindicais revolucionários independentes, eleitos por conselhos de fábrica (revolutionäre Obleute), presididos por Paul Scholze, militantes da Social-Democracia Independente (USPD) e do comunistas-spartakistas (KPD) -, ocupando prédios públicos, e, por essa via, reverter, no curto prazo, a demissão do Presidente do Comissariado de Polícia de Berlim, Emil Eichhorn.

Seu método era o seguinte: acreditava que as massas trabalhadoras, soldados e marinheiros, sobretudo através das lutas, das greves gerais, avançariam em sua consciência política, arrastando, finalmente, para o campo dos revolucionários a tão esperada maioria. Esta seria a précondição para a tomada consciente do poder. Sua grande debilidade era a questão organizativa, presidida pela visão de Rosa Luxemburg.

Mas, a Greve Geral de Janeiro de 1919 foi reprimida brutalmente pelo Governo Ebert e Scheidemann, através de combates armados. Um novo capítulo da luta de classes se abrira, pois, diferentemente, das Jornadas de Julho de 1917 – em que dirigentes das lutas proletárias – como Trotsky, Lunatcharky e Zinoviev - foram encarcerados e depois simplemente liberados -, o Janeiro de 1919 na Alemanha foi o início de uma barbárie no centro do capitalismo avançado europeu: os dirigentes não eram presos e soltos, eram executados sumariamente. Pelas suas cabeças ofereciam-se recompensas milionárias.

Lenin sabia que o bolchevismo revolucionário tinha de chegar à Alemanha para que fosse possível vencer e que Karl Liebknecht – depois deste, Mehring – era precisamente o dirigente que mais ansiava por implantá-lo. A resistência mais encarnecida e insuperável, no interior das fileiras dos revolucionários alemães contra o bolchevismo, provinha de Rosa Luxemburg, Leo Jogliches, Paul Levi e seus aliados, destacadíssimos dirigentes do marxismo revolucionário alemão.

Depois da morte de Karl Liebknecht, Luxemburg e Jogliches, procurou Radek, desonestamente, a fim de surgir como o grande representante da III Internacional na Alemanha, “provar” que putschistas eram não apenas Liebknecht e seus seguidores, mas também Rosa Luxemburg e Jogliches, por que haviam participado do projeto de levante, concordando com ele ou não.

Uma crítica justa sobre Karl Liebknecht deveria referir-se muito mais ao seu revisionismo teórico, no campo da economia política, não ao fato de poder ser acusado de putschista, tal quais quiseram Radek, Levi e o luxemburguismo.[5]

 

Por fim, cumpriria frisar que não foi o “putschismo” ou a “estratégia da ofensiva” – tal como diz a lenda de Levi, Däumig, luxemburguistas, Brandler, Radek etc. - que destruiu o KPD alemão: pelo contrário, enquanto o Partido lutava, apesar de todos os erros de caracterização, atraia mais lutadores combativos para suas fileiras. Em fins de 1920, toda a ala esquerda do USPD ingressou no KPD.

Emil Eichhorn foi eleito pelo KPD repeditamente Deputado no Parlamento Alemão, até 1924, apesar de, contra ele, circular, desde janeiro de 1919, um mandato de prisão. Nos entreatos das eleições parlamentares, voltava à clandestinidade. Novamente eleito, gozando de imunidade parlamentar, voltava à cena pública. Morreu em julho de 1925.

 O KPD foi destruido, paulatinamente, a passo e passo, pelo stalinismo, a partir de 1924, tendo sido a direção Radek-Brandler o veículo de transmissão intermediária dessa transformação gradativa. Em suma, foram as capitulações, a parálise, a falta de luta e impulso combativo, o oportunismo do bloco do Plebiscito Vermelho KPD-Nazistas, que apodreceu o projeto de Partido marxista-revolucionário alemão, levando a que, em 1933, com a chegada de Hitler ao poder, o KPD permancesse inteiramente paralisado, não ousando nem sequer convocar uma Greve Geral.

Por tudo isso, creio que a questão da experiência alemã deveria ser examinada mais profundamente, mesmo sabendo que, dessa experiência histórica, pouco pode ser extraído positiva e categoricamente, senão apenas contraditoria e exortativamente, sendo o mais importante contrastar as posições equivocadas de Rosa em relação à questão da organização do Partido marxista-revolucionário, visando corrigí-las.

 

O presente estudo tem por objetivo apresentar considerações acerca da orientação política Radek-Brandler, dinamizada, a partir do início dos anos 20, no interior da Internacional Comunista(Komintern) e do Partido Comunista da Alemanha(KPD), até a grande derrota da Revolução Alemã de 1923.

No quadrante desses anos históricos, os candentes debates sobre a surpreendente conversão do status econômico-político da Alemanha capitalista imperialista à condição de uma “grande colônia” da França, bem como os esforços dedicados a precisar a definição e aplicação da tática de Frente Única Proletária, das consignas de Governo dos Trabalhadores e de Ditadura do Proletariado, a serem implementadas na Alemanha Revolucionária, assumiam grande importância histórico-política enquanto legado referencial de análise para todos os partidos revolucionários proletários de outrora e do porvir.[6]

 

Assinalavam, além disso, o desafio de procurar delimitar-se, cientificamente, em sentido dialético-materialista, a justa extensão conceitual das categorias político-programáticas em destaque, arduamente determináveis em face de uma situação política rapidamente cambiante.

Como síntese precisamente lapidar e eminentemente perpicaz da temática histórica em exame, relançada no início dos anos 20, resultado de toda a essência e dimensão do significado decorrente da compreensão inter-relacional das consignas de Frente Única, Frente Popular, Governo dos Trabalhadores e Camponeses, Ditadura do Proletariado, Trotsky teve a oportunidade de destacar, com incomparável claridade, no Programa de Transição, de 1938 :

 

“O GOVERNO DOS TRABALHADORES E DOS CAMPONESES

Essa fórmula “Governo dos Trabalhadores e dos Camponeses” surgiu, pela primeira vez, no curso de 1917, na agitação dos bolcheviques e foi admitida, definitivamente, depois da Revolução de Outubro. Nesse último caso, ela nada significava senão uma designação popular para a Ditadura do Proletariado já erigida. O significado dessa designação residia principalmente no fato de que lançava, em primeiro plano, a idéia da aliança entre o proletariado e o campesinato, colocada na base do Poder Soviético.

Quando o Komintern dos epígonos procurou ressuscitar a fórmula de “Ditadura Democrática do Proletariado e do Campesinato”, enterrada pela história, conferiu à fórmula “Governo dos Trabalhadores e Camponeses” um conteúdo inteiramente diferente, puramente “democrático”, i.e. burguês, na medida em que a opunha à Ditadura do Proletariado. Os bolcheviques-leninistas rechaçaram a consigna de “Governo dos Trabalhadores e Camponeses” em sua interpretação democrático-burguesa.

Eles declararam e declaram que se o partido do proletariado nega-se a ultrapassar as fronteiras da democracia burguesa, sua aliança com o campesinato torna-se meramente uma sustentação do capital, tal como ocorreu com os mencheviques e os sociais-revolucionários em 1917, com o PC da China, em 1925-1927, e tal como ocorre agora nas “Frentes Populares” na Espanha, na França e em outros países.

De abril a setembro de 1917, os bolcheviques exigiram que os sociais-revolucionários e os mencheviques rompessem os laços com a burguesia liberal e tomassem o poder em suas próprias mãos.

Nessas condições, os bolcheviques prometeram aos mencheviques e aos sociais-revolucionários, enquanto representantes pequeno-burgueses dos trabalhadores e camponeses, sua ajuda revolucionária contra a burguesia, recusando, categoricamente, entretanto, ingressar no governo dos mencheviques e sociais-revolucionários ou assumir por ele responsabilidade política.

Se os mencheviques e os sociais-revolucionários tivessem efetivamente rompido com os cadetes e com o imperialismo internacional, o “Governo dos Trabalhadores e Camponeses” por eles criado poderia ter apenas acelerado e facilitado a edificação da Ditadura do Proletariado.

Porém, precisamente por isso a direção da democracia pequeno-burguesa opôs-se, com todas as forças, à instauração de um seu próprio governo. ...

A consigna “Governo dos Trabalhadores e Camponeses” é para nós admissível apenas no sentido que teve em 1917, na boca dos bolcheviques, i.e. enquanto uma consigna anti-burguesa e anti-capitalista, porém, em nenhum caso, no sentido “democrático” que lhe conferiram, posteriormente, os epígonos, convertendo-a de ponte para a revolução socialista em um principal obstáculo em seu caminho.

De todos esses partidos e organizações que se apóiam sobre os trabalhadores e camponeses e falam em seu nome, exigimos que rompam politicamente com a burguesia e ingressem no caminho da luta em prol do Governo dos Trabalhadores e Camponeses.

Nesse caminho, prometemo-lhes inteiro apoio contra a reação capitalista.

Ao mesmo tempo, desenvolvemos, incansavelmente, uma agitação em torno daquelas consignas de transição que, em nossa opinião, haveriam de constituir o programa do “Governo dos Trabalhadores e Camponeses”.”[7]    

 

Essa mesma importantíssima suma marxista-revolucionária, diretamente relacionada com a clarificação do sentido e significado, caráter e mecanismo, das táticas do proletariado visando à derrubada da burguesia e edificação da Ditadura do Proletariado, é formulada por Trotsky com as seguintes frases de seu Contra o Nacional-Comunismo. Lições do Referendo Vermelho, livro esse vindo a público em 1931, devido à publicação assegurada magistralmente pelo trotskysta alemão Anton Grylewicz :

 

“Nos dias de Outubro, os mencheviques e sociais-revolucionários russos lutaram de mãos dadas com os cadetes, com os Kornilovs e os monarquistas contra o proletariado.

Em outubro, os bolcheviques saíram do Pré-Parlamento, rumo às ruas, a fim de conclamar as massas para um levante armado.

Se naqueles dias qualquer um dos grupos do Pré-Parlamento – digamos um grupo dos monarquistas – dele saísse, ao mesmo tempo, com os bolcheviques, teria sido sem qualquer significado político, pois os monarquistas seriam derrubados juntamente com os democratas.

Porém, o partido chegou ao levante de Outubro através de uma série de degraus.

Durante a manifestação de Abril de 1917, uma parte dos bolcheviques tinha levantado a consigna : “Abaixo o Governo Provisório !”.

O Comitê Central admoestou imediatamente os ultra-esquerdistas : certamente temos de proclamar a necessidade da derrubada do Governo Provisório, porém, ainda não podemos chamar as massas às ruas com essa consigna, pois somos a minoria na classe trabalhadora. Se derrubássemos nessas condições o Governo Provisório, não o poderíamos substituir e, por consegüinte, ajudaríamos a contra-revolução. Há de se instruir, pacientemente, as massas acerca do caráter anti-popular desse Governo, antes que soe a hora de derrubá-lo.

Essa foi a posição do partido.

No período subseqüente, a consigna foi a seguinte : “Abaixo com os Ministros Capitalistas !” 

Essa era uma consigna dirigida à Social-Democracia, a fim de que rompesse com a burguesia.

Em julho, dirigimos a manifestação dos trabalhadores e soldados com a consigna : “Todo Poder aos Soviets”, o que, no momento de então, significava :todo poder aos mencheviques e sociais-revolucionários.

Porém, os mencheviques e os sociais-revolucionários derrotaram-nos juntamente com os Guardas Brancos. 

Depois de dois meses, levantou-se Kornilov contra o Governo Provisório.

Na luta contra Kornilov, os bolcheviques assumiram, sem demora, as posições mais avançadas.

Lenin encontrava-se, naquele tempo, na ilegalidade. Milhares de bolcheviques, nas prisões.

Trabalhadores, soldados e marinheiros exigiam a libertação de seus dirigentes e dos bolcheviques, em seu conjunto.

O Governo Provisório recusava-a. Haveria, então, o Comitê Central bolchevique de dirigir-se com um ultimato ao Governo Kerensky para libertar os bolcheviques imediatamente e retirar a acusação infâme, lançada contra eles, no sentido de estarem a serviço dos Hollenzollerns, e, em caso da recusa de Kerensky, negar-se a lutar contra Kornilov ? ...

Se não tivéssemos, em agosto, oposto nenhuma resistência a Kornilov, possibilitando-lhe, assim, a vitória, teria ele, logo de saída, exterminado o florescimento da classe trabalhadora e, por consegüinte, impedido-nos de, dois mêses mais tarde, conquistar a virtória sobre os colaboracionistas, castigando-a, não com palavras, mas sim com fatos, pelo seu crime histórico.”[8]

 

Mais particularmente no que concerne ao impulsionamento da tática de Frente Única, bem como de todas e quaisquer consignas de transição, Trotsky clarificou, ainda o seguinte, entrevendo os perigos relacionados com o seu impulsionamento :

 

“A tática da Frente Única e da luta por consignas de transição, que são perseguidas agora pela Internacional Comunista, é uma política absolutamente necessária para os partidos comunistas dos Estados Burgueses no período atual de preparação.

Porém, não se deve fechar os olhos diante do fato de que essa política alberga em si mesma perigos indubitáveis de afrouxamento e, até mesmo, de plena degeneração dos partidos comunistas, se, de um lado, prolongar-se muito o período de preparação e se, por outro lado, o trabalho diário dos partidos ocidentais não for fecundado pelo pensamento teórico ativo que abarca a dinâmica das forças históricas fundamentais em sua inteira dimensão.”[9]

 

Relativamente à questão específica da derrota do proletariado alemão de 1923, a análise por Trotsky formulada, em seu Novo Curso, pautava-se por confirmar sua análise já notoriamente conhecida na primeira metade do ano de 1923 :

 

“Depois do III Congresso (i.e. do III Congresso Mundial do Komintern), o Partido Comunista Alemão executou, de modo dolorosamente suficiente, a mudança necessária.

Iniciou-se, então, a luta pela conquista das massas sob a consigna de Frente Única, acompanhada de longas negociações e outros procedimentos pedagógicos.

Essa tática durou mais de dois anos e rendeu resultados excelentes.

Porém, juntamente com isso, os métodos de propaganda, sendo protraídos, transformaram-na ... em uma tradição semi-automática que desempenhou um papel muito sério nos eventos da segunda metade de 1923.”[10]      

 

Desde logo, é necessário, porém, assinalar que, na Alemanha da República de Weimar, cumpriu a Karl Radek, enquanto um dos mais expressivos estrategistas do Executivo, da Secretaria e da Presidência do Komintern, assim como do Partido Comunista da Alemanha(KPD) do início dos anos 20, membro do Comitê Central do PC da URSS e um dos representantes do Comissariado do Povo para as Relações Exteriores da URSS, conferir, inicialmente, à consigna de Governo dos Trabalhadores e - mais propriamente, às vésperas da eclosão da Revolução Alemã de Outubro de 1923 - à consigna de Governo dos Trabalhadores e Camponeses, “um conteúdo inteiramente diferente, puramente “democrático”, i.e. burguês, na medida em que a opunha à Ditadura do Proletariado”, mediante o entibiamento e arrefecimento de seu conteúdo e significado proletário-revolucionário mais próprio.[11]

 

Radek valendo-se de sua larga experiência revolucionária precedente, haurida no seio da Social-Democracia Alemã, da Esquerda de Zimmerwald e do governo da Rússia Soviética, foi capaz de realizar essa mais bem acabada e sagaz deformação do marxismo revolucionário, empreendendo-a de maneira sistematicamente hábil e persuasiva, compatível com sua predisposição político-analítica marcadamente jornalístico-cética, lânguido-irresoluta.

Como comprovar, documentalmente, essas surpreendentes afirmações, lançadas no presente texto, contra a orientação política de Radek, um dos primeiros integrantes da Oposição de Esquerda, encabeçada por Trotsky, já a partir mesmo dos últimos mêses de 1923, em sua luta contra a burocratização stalinista ?

Como alertar os lutadores trotskystas acerca da versão radekista-brandleriana, voltada em particular à reinterpretação da tática de Frente Única e dos Governos dos Trabalhadores, apreciando-se, concomitantemente, todo o seu sentido e significado histórico enquanto um dos fatores decisivos que contribuíram para levar à derrota a Revolução Alemã de 1923 ?

À guisa de orientação do leitor, evidencio, desde logo, a elucidadora observação de Trotsky, contida em sua magnífica obra os Crimes de Stalin, acerca do efetivo posicionamento de Karl Radek nas lutas travadas pela Oposição de Esquerda, no quadro do Komintern e do PC da URSS, a partir de 1923 : 

 

“De 1923 a 1926, Radek  oscilou entre a Oposição de Esquerda, na Rússia, e a Oposição Comunista de Direita, na Alemanha (Brandler, Thalheimer e outros).

No momento da aberta ruptura entre Stalin e Zinoviev (no início de 1926), Radek procurou, debalde, arrastar a Oposição de Esquerda para um bloco com Stalin.

Radek pertenceu, além disso, no interstício de quase três anos (um prazo para ele extraordinário !), à Oposição de Esquerda.

Porém, no interior da Oposição, ele se arremessava, invariavelmente, para a esquerda e para a direita.”[12]      

 

Cumpre destacar, ainda introdutoriamente, que, depois do esmagamento do Levante Contra-Revolucionário de Kronstadt, de Março de 1921, o grande impacto dos grupos de oposição operária assaltava o PC da Rússia Soviética.

N. Krestinsky, L. Serebryakov e E. Preobrajensky afastados do Secretariado Comandado por Três Homens, por terem sido considerados pelo X Congresso do Partido Comunista Russo, de março de 1921, como muito lenientes em face dos grupos de oposição operária, deram lugar, transitoriamente, na direção do novo Secretariado, a V. Molotov, E. Yaroslavsky e L. Mikhailov, que surgiam aparentemente como os melhores quadros para o exercício da disciplina partidária contra os grupos de oposição.

Esse novo Secretariado levou adiante, então, a execução de uma depuração partidária, ocorrida no arco de um ano, em que quase 30 % dos militantes do PC da Rússia Soviética foram excluídos de suas fileiras.[13]

  

Molotov, Yaroslavsky e Mikhailov passaram a desempenhar, igualmente, um importante papel para o empossamento, em 2 de abril de 1922, de Stalin nas funções de Secretário Geral, considerado, então, como um velho e eminente organizador pragmático bolchevique e o mais sólido representante da burocracia de funcionários do partido em ascensão, porém, aos olhos de Lenin, nada senão um “cozinheiro de pratos apimentados”.[14]

 

Nesse sentido, Trotsky anotou, minuciosamente :

 

“Quando no X Congresso, dois anos depois da morte de Sverdlov, Zinoviev e outros, não sem um pensamento acobertado da luta contra mim, apoiaram a candidatura de Stalin para Secretário Geral – colocaram-no, de jure, na posição em que Sverdlov havia ocupado, de facto.

Lenin falou, em círculos restritos, contra esse plano, expressando nos termos de que esse “cozinheiro apenas irá preparar pratos apimentados”.

Tão somente essa frase, tomada em conexão com o caráter de Sverdlov, demonstra-nos as diferenças entre os dois tipos de organizadores :

Um, incansável em atenuar conflitos, facilitando o trabalho para os órgãos colegiados.

Outro, especialista de pratos apimentados – nem mesmo temeroso de os temperar com autêntico veneno.

Se Lenin não levou ao limite sua oposição, em março de 1921, i.e. não chamou o Congresso abertamente contra a candidatura de Stalin, foi porque o posto de Secretário, ainda que “Geral”, possuía um significado estritamente subordinado, nas condições então prevalecentes, com o poder e a influência concentrados no Bureau Político.

Talvez, também Lenin, como muitos outros, não tivesse percebido adequadamente o perigo naquele momento.”[15]

       

O fortalecimento da posição de Stalin na luta contra o então, assim aclamado pelas massas proletárias russas, ”Trotsky, o Vitorioso da Guerra Civil”, “Trotsky, o Salvador do Trem de Comando” passava a ser concebido como tarefa de segurança máxima para a sustentação das ambições de prosperação da burocracia operária em ascensão.[16]                  

 

Quando, em 26 de maio de 1922, Lenin sofreu seu primeiro derrame, ensaiou-se, imediatamente, a tomada dos principais postos das organizações comunistas proletárias de outrora pela burocracia partidária em gestação.

Grigori Zinoviev e Karl Radek surgiam, já então, como os principais representantes da Internacional Comunista (Komintern) : Zinoviev investido da função de Presidente do Executivo do Komintern, Radek enquanto membro desse mesmo Executivo e representante do PC da URSS junto ao Komintern, encarregado especialmente das questões político-estratégicas concernentes à Alemanha.

Nesse mesmo contexto, Lev Kamenev assumiu, inopinadamente, a Presidência do Politbureau do PC da URSS, atuando de mãos dadas com Grigori Zinoviev e Nikolai Bukharin, enquanto principais dirigentes político-ideológicos do partido russo.

Zinoviev, principal dirigente do PC da URSS de Petrogrado, e Kamenev, sua alma gêmea de Moscou, acreditavam serem os principais beneficiários do processo de alijamento de Trotsky dos principais centros de decisão política.

Quanto a Joseph Stalin, se, esse último, em um contexto preambular, até o ano de 1922, já surgia exercendo as funções de Comissário do Povo para as Questões das Nacionalidades, Membro do Comitê Executivo Central dos Sovietes de Toda a Rússia, Membro do Comitê Executivo do Governo, Membro da Comissão da Política de Alimentação e Obtenção de Meios Alimentícios no Sul da Rússia, Dirigente da Circunscrição Militar do Cáucaso do Norte, Presidente do Conselho Revolucionário de Guerra do Fronte do Sul, Membro do Conselho Revolucionário de Guerra da República, Membro da Comissão para a Redação do Programa do Partido, Delegado ao I Congresso do Komintern, Dirigente do Departamente do Controle do Estado, departamento, a partir do Decreto de 7 de Fevereiro de 1920, denominado Rabkrin, i.e. Comissariado do Povo para a Inspeção dos Trabalhadores e Camponeses - o qual visava, particulamente, a desferir o combater contra a enfermidade burocrática do Estado Proletário nascente -, bem como as atribuições de Secretário Geral, viria ele, então, revelar-se, as seguir, como o grande privilegiado da Reforma Partidária de Agosto de 1922, de matiz nitidamente burocrática, introduzida no quadro da XII Conferência do PC da URSS.[17]

 

Stalin tornou-se, assim, o pivô da crescente concentração e centralização de toda a vida interna das organizações partidárias.

As células de militantes das cidades e do campo, o Orgburo, a Comissão Central de Controle, a Tcheca etc., passavam a ser comandadas por Stalin, com o auxílio de apenas três outros bolcheviques, M. Shkiryatov, G. Korostelev e M. Muranov.         

Durante o ano de 1922, a participação de Trotsky nas sessões do Politburo já se encontrava reduzida à condição de superficial formalidade, sendo as principais decisões político-práticas adotadas em sessões secretas que não contavam com a sua participação direta.

Recuperando-se lentamente de seu primeiro derrame, Lenin voltou a assumir suas atividades em junho de 1922, tendo a oportunidade de, já naquela oportunidade, constatar, clara e diretamente, o desplante do processo de burocratização do aparato do partido.

Em seu discurso, proferido no IV Congresso Mundial do Komintern, realizado entre 5 de novembro e 5 de dezembro de 1922, pouco antes de sofrer seu segundo e terceiro derrame, respectivamete em 16 dezembro de 1922 e 9 de março de 1923 - os quais o impossibilitaram de seguir ativo em suas funções partidárias e soviéticas e o conduziram, finalmente, à morte, em janeiro de 1924 -, Lenin teve a oportunidade de advertir os companheiros russos e estrangeiros acerca do perigo de adotarem, mecanica e dogmaticamente, os mesmos métodos de tratamento das questões organizativo-partidárias que haviam-se despregado na URSS, ao longo dos últimos anos.[18]

 

Nesse mesmo IV Congresso Mundial do Komintern, presidido por Zinoviev, e ao longo de todo o ano de 1923, até a derrota da Revolução Alemã de Outubro, Radek alcançou o fastígio de sua influência enquanto o mais expressivo dirigente bolchevique, especializado em questões de análise teórico-intelectual e de formulação estratégico-programática relativa à orientação política dos comunistas revolucionários, no quadro do impulsionamento das lutas de classes da Alemanha de então.

Ainda que suas caracterizações especulativas desenvolvidas acerca da tática de Frente Única e da consigna de Governo dos Trabalhadores, tendo sempre como centro de gravidade a questão alemã, não houvessem sido acolhidas essencialmente pelas Resoluções do IV Congresso Mundial do Komintern, Karl Radek, contando com o inasfável apoio de Heinrich Brandler, à época Presidente do Partido Comunista da Alemanha(KPD), foi capaz de imprimir ao programa do VIII Congresso desse mesmo partido, realizado em Leipzig, em janeiro de 1923, a síntese de sua mais acabada deturpação marxista relativa à interpretação das fórmulas de Frente Única e Governo de Trabalhadores na Alemanha :[19]

 

“A luta pela Frenta Única conduz à conquista das velhas organizações de massas proletárias, tais como sindicatos e cooperativas.

Esses instrumentos da classe trabalhadora, que as táticas dos reformistas transformaram em ferramentas da burguesia, tornam-se, novamente, mediante essa luta, instrumentos do proletariado.

A luta de classes tem de ser conduzida agora para a derrota da burguesia(p.417). ...

O Governo dos Trabalhadores não é nem a Ditadura do Proletariado nem um ascenso pacífico e parlamentar rumo a ela.

Ele é uma tentativa da classe trabalhadora de, no quadro da e antecipadamente com os meios da democracia burguesa, praticar política operária, apoiando-se em órgãos proletários e nos movimentos proletários de massas.

Por outro lado, a Ditadura do Proletariado é uma explosão consciente do contexto democrático.

Ela explode o aparato do Estado Democrático e substitui-o completamente com organizações da classe proletária(p. 420).”[20]

 

 

Acerca do balanço histórico desses anos, bem como de todos aqueles que configuraram o percurso político de Karl Radek, escreveu Trotsky, conclusivamente, da seguinte maneira, em 1937, no contexto de sua luta em prol do desmascaramento das farsas dos Processos de Moscou  :

 

“Radek – ele possui agora 54 anos - não é senão um jornalista.

Ele possui as brilhantes qualidades dessa categoria de homens, bem como todos os seus defeitos.

A instrução de Radek pode ser qualificada, antes de tudo, por sua grande erudição.

Seu conhecimento direto do movimento polonês, sua longa participação na Social-Democracia Alemã, seu atento acompanhamento da imprensa mundial, principalmente da inglesa e da norte-americana, alargaram seus horizontes, conferiram aos seus pensamentos uma grande mobilidade e armaram-no com incontáveis exemplos, comparações e, sobretudo, com anedotas.

Porém, faz-lhe falta aquela qualidade que Lassalle denominou de “força psíquica do intelecto”.

Nos agrupamentos políticos de todos os tipos, Radek foi muito mais um hóspede do que um militante enraizado.

Seu pensamento é por demais móvel e impulsivo para um trabalho sistemático.

De seus artigos pode-se ficar sabendo de muitas coisas, seus paradoxos iluminam às vezes uma questão desde um novo aspecto, porém Radek jamais foi um político autônomo.

Lendas no sentido de que Radek teria sido, por certo período, chefe no Comissariado das Relações Exteriores e até mesmo determinado a política externa do Governo Soviético, são inteiramente infundadas.

O Bureau Político apreciava o talento de Radek, porém não o levava jamais a sério.

Em 1929, Radek capitulou não por quaisquer pretensões sigilosas. Oh não !

Fê-lo desbragada e definitivamente, queimando através de si todas as pontes, a fim de tornar-se um extraordinário porta-voz publicístico da burocracia.

Desde então, não existiu nenhuma acusação que Radek não tenha lançado contra a Oposição e nenhum louvor que não tenha expendido em favor de Stalin.

Por que, então, Radek caiu no banco de acusações ?”[21]    

 

Precisamente através dessa apreciação manifestamente crítica e severa acerca do perfil intelectual e político de Carol Bernadovitch Sobelsohn, Karl Parabellum Radek, elaborada, porém, em consonância com o tradicional rigor analítico, característica indispensável e inquebrantável do socialismo científico, Trotsky formulou lapidarmente um de seus mais importantes julgamentos acerca desse “hóspede” mundialmente célebre e historicamente renomado, sobretudo em decorrência de sua episódica e marcada atuação nos mais diversos agrupamentos do movimento proletário revolucionário das primeiras décadas do século XX, inclusive naquele agrupamento mesmo que conformou a própria Oposição de Esquerda, encabeçada por Trotsky, a partir de 1923, e, posteriormente, a Oposição Unificada, de Trotsky, Kamenev e Zinoviev, entre os anos de 1926 e 1927, na luta contra a burocratização stalinista do conjunto das instituições do Estado Proletário da URSS.

No intervalo histórico abragente das primeiras décadas do início do século XX até a morte de Karl Radek, possivelmente em 1939, ocorrida em um campo de concentração stalinista, torna-se, entretanto, sempre decisivo assinalar que um certo lugar de destaque, de primeiríssima relevância, nos estudos voltados à análise do movimento comunista-revolucionário da Alemanha, da Rússia e da Polônia de então, há de ser seguramente reservado ao exame da orientação política defendida por Radek e por seu mais expressivo coadjuvante e seguidor no interior do Partido Comunista da Alemanha(KPD) do início dos anos 20, Heinrich Bradler.

Com efeito, o exame histórico-investigativo da orientação política Radek-Brandler postulada nesse interstício temporal situa-se, precisamente, no contexto das lutas revolucionárias de massas do proletariado alemão que culminaram na impiedosa derrota da  Revolução de Outubro de 23, essa última separada por seis anos do seu paradigma histórico também de Outubro, impulsionado hegemonicamente pelo proletariado russo, sob a direção de Lenin, Sverdlov e Trotsky, da qual pretendeu ser uma réplica fidedigna.    

Discorrer-se, contemporaneamente, acerca da enfermidade gramsciana ou da moléstia maoísta-althusseriana no seio do movimento trotskysta contemporâneo e das lutas de emancipação do proletariado de nossos dias, secundarizando-se ou desprezando-se, por outro lado, a gênese e a essência, o sentido e o significado histórico da orientação política Radek-Brandler do início dos anos 20, uma das mais importantes degenerações teórico-doutrinárias e político-práticas do marxismo revolucionário de todos os tempos, resultaria, porém, plenamente insubsistente para a devida compreensão das diversas causas e efeitos que conduziram, no passado, e ameaçam conduzir, no presente, a implacáveis derrotas dos trabalhadores e demais socialmente oprimidos em suas lutas de libertação contra o despotismo capitalista.

Como qualificar, então, o caráter dos posicionamentos teórico-intelectuais e político-práticos da orientação política Radek-Brandler, emergente de maneira cada vez mais ostensiva e dirigente no interior do Partido Comunista da Alemanha(KPD) nesse período ?

Por que, com efeito, merece ser detidatamente estudada e rigorosamente analisada pelos trotskystas revolucionários de nossa geração essa particular deformação política do início dos anos 20 ?

Desde logo, cumpre assinalar ao leitor que o radekismo-brandlerista – tal como todo o legado mais propriamente original das construções teóricas e orientações políticas equacionadas preponderantemente por Karl Radek - nada mais representa senão uma concepção parasitário-intriguista de quebramento e languidez das forças do marxismo revolucionário.

Sua natureza é, entretanto, eminentemente jornalístico-cética, e, como tal, abundantemente versátil, hesitante, sinousa, maleável, multiforme em palavras, argumentações e idéias, impulsiva em citações, aforismas, sátiras e bonmots, atenta na defesa verbosa e insegura das grandes pilastras do socialismo revolucionário.

Com efeito, na base de um marcado tom pessimista, Radek recusava, abertamente, mesmo nos primeiros mêses da deflagração I Guerra Mundial Imperialista, a possibilidade de irrupção de uma revolução proletário-socialista, desencadeada em conexão com a guerra, bem como, no futuro próximo de maneira geral, e admitia, já no início dos anos 20, a possibilidade de a Ditadura Revolucionária do Proletariado, instaurada pela Rússia Soviética, não ser capaz de resistir à ofensiva do capitalismo imperialista mundial.

De acordo com tal premissa teórica, sua lógica epistêmica haveria de fundamentalmente ser a do suposto prudente bom senso e do aparente racional-razoável na busca da determinação do persuasivo justo meio, sempre reputadamente em correspondência com uma determinada realidade particular concreta, considerada como inteiramente incomparável, de um certo país ou de um grupo de países considerados em si mesmos, com vistas a definir a intervenção política de um agrupamento ou de um partido revolucionário no cumprimento de sua tarefa de conquista das grandes massas populares para a deflagração de uma quimérica e materialmente inexistente revolução socialista internacional.

Nesse contexto, a orientação política Radek-Brandler, formulada segundo sua metodologia linguístico-instrumental e lógica político-analítica inconfundíveis, revestiu-se, constantemente, de uma tonalidade cínica, claudicante e fatalística sobre a possibilidade de desenvolvimento das lutas revolucionárias na Alemanha e, nesse mesmo sentido, acerca da capacidade de construção independente do Partido Comunista da Alemanha(KPD).

De maneira publicístico-irresoluta, Radek procurou, em suas artigos jornalísticos, documentos e discursos políticos do início dos primeiros anos do anos 20, fundar sua principal orientação política relativa ao curso dos eventos revolucionários da Alemanha, consistente em demonstrar a impossibilidade de desenvolverem-se as forças do Partido Comunista da Alemanha(KPD) no campo das lutas, dos embates e dos conflitos abertos de classes contra as instituições de exploração e dominação dos Estados Burgueses Alemão e Francês de Ocupação, como forma de conquista crescente da confiança da classe trabalhadora, hegemônica sobre todas demais massas socialmente oprimidas, dinamizadas sob sua direção social e política.

Assim, segundo Radek, competiria ao minoritário Partido Comunista da Alemanha(KPD), dedicando-se preponderantemente a atividades de propaganda e agitação, atrelar-se, mediado por críticas e denúncias, à dinâmica de luta da Social-Democracia Alemã, como forma de, mediante cooperação, infiltração, desintegração e reconsolidação, arrebatar-lhe a influência sobre as grandes massas proletárias alemães.

Sendo assim, a estratégia revolucionária a ser implementada deveria consistir, segundo Karl Radek, em ”convencer essas amplas massas de trabalhadores de que a burocracia sindical e do Partido Social-Democrático não apenas se recusam a lutar pela Ditadura dos Trabalhadores, como também não lutam pelos interesses diários mais básicos da classe trabalhadora.”

Com essa postura político-persuasiva, a diminuta ala comunista-revolucionária haveria de ser educada de maneira a poder intervir, propagandística e agitativamente, sobre a maioria dos quadros da Social-Democracia, visando a, mediatamente, substrair-lhes de sua direção traidora as massas trabalhadoras sociais-democráticas, a fim de aproximá-las às fileiras revolucionárias.

Nesse mister, a luta dos revolucionários proletários alemães contra a Social-Democracia não deveria, aos olhos de Radek e Brandler, se tornar jamais uma luta entre os distintos partidos e correntes políticas que se apoiavam e falavam em nome do proletariado alemão.

A orientação política Radek-Brandler, assumindo uma posição inquestionavelmente dirigente na Alemanha, após o IV Congresso Mundial do Komintern, realizado entre 5 de novembro e 5 de derembro de 1922, seguiu considerando, durante todo o primeiro semestre de 1923, o Partido Comunista da Alemanha(KPD) como uma organização débil e vanguardista, fadada ao impulsionamento de atividades teóricas de propaganda e de agitação, condenada perspectivamente a um crescimento lento, devendo empenhar-se em seu papel decisivo de ”segurar a classe trabalhadora e evitar choques desnecessários”, de modo a assegurar o êxito da aplicação de consignas de transição e da tática de Frente Única, coroada politicamente com o Governo dos Trabalhadores, constituído com seu aliado privilegiado, i.e. a Social-Democracia Alemã, “no quadro da e antecipadamente com os meios da democracia burguesa”.

Precisamente dessa maneira, fundados nessas premissas de elaboração intelectual, Radek e Brandler buscavam por meio da tática de Frente Única e da fórmula de Governo de Coalizão dos Trabalhadores, lograr “penetrar em espaços fechados, nos quais os representantes da burguesia atuam sobre os trabalhadores”, almejando alcançar, em troca, a conquista das massas proletárias através do fomento e intensificação de atividade jornalístico-propagandística e sindical, fundadas em críticas e denúncias parlamentares e governamentais de popularização e consagração dos méritos do socialismo revolucionário, promovendo um impiedoso desmascaramento literário das ilusões e dos habilidosos representantes do reformismo social-democrático, entre os trabalhadores explorados e demais socialmente oprimidos, como forma de  praticar política operária, apoiando-se em órgãos proletários e nos movimentos proletários de massas, trilhando um possível caminho rumo à Ditadura Revolucionária do Proletariado.

Nesse sentido, Radek declarava categoricamente, coadjuvado por Brandler : “a luta dos comunistas contra outros partidos não deve se tornar jamais uma luta de uma seção do proletariado contra outra.”

Produzindo excelentes e precisas caracterizações políticas acerca desse período histórico que haveria de culminar com a derrota do proletariado alemão na Revolução de Outubro de 23, Trotsky teve a oportunidade de observar :

 

“Por que a Revolução Alemã não conduziu à vitória ?

As causas disso residem, totalmente, nas táticas e não nas condições objetivas. Temos aqui um exemplo verdadeiramente clássico de uma situação revolucionária que se perdeu.

A partir do momento da ocupação do Ruhr e de tudo o mais, quando o fracasso da Resistência Passiva se tornou evidente, era necessário que o Partido Comunista adotasse um curso firme e resoluto rumo à conquista do poder.

Apenas uma mudança corajosa da tática poderia ter unificado o proletariado alemão na luta pelo poder.

Se, no III Congresso e, em parte, no IV Congresso, dissemos aos camaradas alemães : “– Vocês poderão ganhar as massas apenas na base de uma participação dirigente em sua luta por consignas de transição”, então, em meados de 1923, a questão passou a ser diferente : depois de tudo que o proletariado alemão teve de atravessar nos últimos anos, poderia ele ser conduzido à batalha decisiva apenas no caso em que ficasse convencido de que, dessa vez, a questão havia sido colocada, tal como dizem os alemães, “aufs Ganze” (i.e. de que não se tratava dessa ou daquela tarefa parcial, porém de uma tarefa fundamental), estando o Partido Comunista pronto para marchar para a batalha e ser capaz de assegurar a vitória.

Porém, o Partido Comunista Alemão executou esse giro sem a seguraça necessária e depois de um atraso extraordinário.

Tantos os da ala direita como os da esquerda, a despeito de sua luta aguda de uns contra os outros, demonstraram, em setembro-outubro de 1923, uma atitude bastante fatalista em face do processo do desenvolvimento da revolução.

Naquele momento, quando a inteira situação objetiva exigia da parte do partido um golpe decisivo, o partido não organizou a revolução, senão permaneceu esperando-a.”[22]

 

 

A grande ameaça do radekismo-brandlerista que pode contribuir decisivamente para colocar a perder a causa revolucionária internacional do proletariado reside, precisamente, em sua jurada defesa – em verdade, em seu subreptício parasitismo hospedeiro – da doutrina revolucionária não apenas de Marx e Engels, senão ainda de Lenin e Trotsky, bem como em sua alegada permanente reivindicação de documentos fundacionais e congressualmente aprovados pelo movimento socialista-revolucionário marxista de todos os tempos, em particular dos Documentos e Protocolos dos III e IV Congressos da Internacional Comunista.

Pretendendo alegadamente lutar, impiedosamente, por um lado, contra o sectarismo ultra-esquerdista (entrevisto, pretendidamente, pelas lentes dos óculos do radekismo-brandlerista, nos perfis insurrrecionais-putschistas de Karl Liebknecht e Rosa Luxemburg, Max Hoelz, Erich Wollenberg e Hans Kippenberger, todos esses supostamente responsáveis pelos levantes armados derrotados do proletariado alemão, ocorridos entre 1919 e 1923), contra o esquerdismo sectário (contemplado na fração política da minoria zinovievista, encabeçada por Ruth Fischer, Arkadi Maslow e Erst Thaelmann) e, por outro lado, contra o oportunismo centrista (cuja forma concreta, no início dos anos 20, incorporava-se mais nitidamente nas posições de Paul Levi e Ernst Meyer), a orientação política Radek-Brandler nada mais fez senão conduzir o Partido Comunista da Alemanha(KPD) à mais plena prostração frentista, disfarçada com críticas e denúncias, na capitulação diante das forças reformistas da Social-Democracia Alemã.

Para tanto, Radek e Brandler entendiam, não sem um profundo tom de ceticismo e tibieza, estarem lutando, fundado-se no bom senso, no racional-razoável, no justo-meio contra todas essas manifestações políticas do comunismo revolucionário alemão, com vistas a supostamente lograr, no quadro jurídico-constitucional da República Imperial de Weimar, avançando sempre rumo ao Governo dos Trabalhadores, arrebatar forças dirigidas pela Social-Democracia Alemã, redirecionando-as para a revolução socialista internacional do proletariado, de forma a, indiretamente, aportar amplas massas populares para a perspectiva de abolição da exploração econômica capitalista e supressão de sua dominação ideológica, mediante a edificação da Ditadura Revolucionária do Proletariado.

Em conformidade com sua postura eminentemente literário-hesitante, a orientação Radek-Brandler previa que tal conquista seria efetivamente realizável e indispensável para a revolução socialista alemã, dada a suposta fraqueza e morbidez congênita do Partido Comunista da Alemanha (KPD) da época para assegurar o cumprimento de sua independente tarefa de construção.

A orientação Radek-Brandler alimentando um profundo discrédito acerca das potencialidades da ação revolucionária de lutas do Partido Comunista da Alemanha (KPD), bem como de seu papel dirigente nas lutas de massas do início dos anos 20, procurou conduzir, em verdade, esse partido à sua mais total dependência, ao seu mais pleno atrelamento, ao seu mais irreversível ancoramento, em face do reformismo da Social-Democracia Alemã, sob a alegação de que, caso não o fizesse, permaneceria irremediavelmente à margem dos principais eventos revolucionários daquela década, resultando incapaz de promover qualquer processo autenticamente revolucionário de massas.

Tal conquista das massas trabalhadoras, submetidas à influência política da Social-Democracia reformista, haveria de se fazer, então, mediante denúncias e desmascaramentos de suas principais direções políticas em toda a República de Weimar da época, não porém através da condução  de um curso firme e resoluto, fundado nas lutas revolucionárias para a conquista do poder que pudesse indispor esse aliado político a constituir as bases de uma Frente Única Proletária e de um Governo de Coalizão Comunista-Social-Democrático, no interior das fronteiras da democracia burguesa, institucionalizada pela República Imperial de Weimar.

Acompanhados pela reticente Presidência do Komintern, chefiada à época por Zinoviev, em ritmo de crescente burocratização e langor stalinista, a incapacidade de Radek e Brandler de compreender as novas tranformações nas correlações de forças, resultante de sua manifesta falta de criatividade e personalidade política, conduziu a que negligenciassem o fato de haver-se modificado, quantitativa e qualitativamente, o caráter da luta de classes na Alemanha no início de 1923, bem como a estratégica, o regime e o papel contra-revolucionário da Social-Democracia Alemã.

A orientação política Radek-Brandler, demonstrando manifesta ausência de força político-intelectual e fundando-se, dogmática, religiosa e cegamente, nos documentos históricos dos III e IV Congressos Mundiais da Internacional Comunista, como forma de combater o que denominavam de tendências sectárias ultra-esquerdistas e esquerdistas, bem como centristas oportunistas do momento, pretendia-se defensora de posições coerentemente equilibradas e defensivas, reputadamente anti-esquerdistas e anti-oportunistas.

Tal orientação pretendia estar respondendo, assim, de maneira essencialmente política e estrategica, à situação de colapso econômico e institucional da Alemanha da época, aguçada durante todo o primeiro semestre de 1923.

Para tanto, valia-se dos argumentos de que não se encontraria esse país no acirrar-se de uma crise qualitativamente distinta, inexistindo, por isso, nenhuma nova conjuntura político-revolucionária aguda que estivesse, hipoteticamente, por exigir  a preparação de um levante armado.[23]

 

Acerca do tema, Trotsky teve a oportunidade de salientar, detidamente : 

 

„Se o partido comunista tivesse modificado bruscamente a dinâmica de seu trabalho e aproveitado, inteira e adequadamente, os cinco ou seis mêses que a história lhe acordava para a preparação direta, política, organizativa e técnica da tomada do poder, o desate dos acontecimentos poderia ter sido totalmente diferente daquele que testemunhamos em novembro.

Porém, aí encontrava-se o problema de que o Partido Alemão tinha entrado no novo e breve período de crise não costumeira, talvez sem precedente na história mundial, com os métodos usuais dos dois anos anteriores de luta propagandística em prol do estabelecimento de sua influência sobre as massas.

Aqui era necessária uma nova orientação do Partido, um novo tom de agitação, um novo modo de abordar as massas, uma nova interpretação e aplicação da Frente Única, novos métodos de organização e de preparação técnica, em uma palavra : uma brusca mudança tática.

O proletariado haveria de ter avistado um partido revolucionário em ação, marchando diretamente para a conquista do poder.

Entrementes, o partido alemão continuou, no fundo, sua política de propaganda de ontem, apenas que em uma escala mais ampla.

Foi tão somente em outubro que ele adotou um novo curso.

Porém, restava-lhe, então, muito pouco tempo para desenvolver seu impulso.

O Partido conferiu à preparação um ritmo febril, as massas não o puderam seguir, a insegurança do partido comunicou-se a ambos os lados e, no momento decisivo, o proletariado recuou, sem combater.

A razão mais importante de ter o Partido Comunista Alemão entregado, sem resistência, suas posições históricas inteiramente excepcionais é a de que não foi capaz de, no início do novo ascenso (maio-julho 1923), libertar-se do automatismo de sua política anterior, estabelecida para durar anos, e impulsionar, perspicazmente, na sua agitação, ação, organização e técnica, a questão da tomada do poder.“[24]

 

 

Nesse contexto, a orientação política Radek-Brandler foi manifestamente inapta a dar cumprimento a qualquer das tarefas técnico-militares de preparação de um levante armado na Alemanha de Weimar, atuando, pelo contrário, como inflexível e rigorosa sufocadora de quaisquer manifestações combativas e independentes dos trabalhadores e oprimidos alemães, qualificando-as de “provocação da burguesia alemã”:[25]

 

“Essa questão, tal como demonstrou a experiência da Alemanha, possui uma importância colossal.

Na medida em que a palavra de ordem do levante adquiria para os dirigentes do Partido Comunista Alemão, principalmente, senão exclusivamente, um significado de agitação, ignoravam, simplesmente, a questão acerca forças armadas do inimigo (Exército Imperial, destacamentos fascistas, polícia).

Parecia-lhes que o ascenso revolucionário, crescendo sem cessar, resolveria, por si mesmo, a questão militar.

Quando essa tarefa precisamente se aproximou seriamente, esses mesmos camaradas que haviam considerado as forças armadas do inimigo como inexistentes, caíram, imediatamente, na outra extremidade : puseram-se a totalmente acreditar em todos os números que lhes forneciam sobre as forças armadas da burguesia, adicionaram-nas, minuciosamente, às forças do Exército Imperial e da polícia, arredondaram, a seguir, a soma (até meio milhão e mais), alcançando, assim, diante de si uma massa compacta, armada até os dentes, completamente suficiente  para paralisar seus próprios esforços.

Sem dúvida, as forças da contra-revolução alemã eram mais significativas e, em todo caso, melhor organizadas e melhor preparadas do que as dos nossos kornilovistas e semi-kornilovianos.

Porém, também as forças ativas da revolução alemã são, igualmente, mais expressivas.

O proletariado representa a maioria esmagadora da população da Alemanha.

No nosso caso, a questão decidiu-se, no mínimo, em um primeiro estágio, com Petrogrado e Moscou.

Na Alemanha, o levante teria tido, de um só golpe, uma dezena de poderosas hordas proletárias.

Sobre essa base, as forças armadas do inimigo pareceriam totalmente não tão ameaçadoras como nos cálculos estatísticos arredondados.”[26]

 

E, com efeito !

Após o IV Congresso Mundial do Komintern, de 1922, e no quadro do VII Congresso de Leipzig do Partido Comunista da Alemanha(KPD), de janeiro de 1923, os posicionamentos e as práticas intriguistas de Radek, defendidas por importantes dirigentes políticos,  entre eles o renomado líder sindical de Saxônia-Chemnitz, Heinrich Brandler, o mentor ideológico do comunismo alemão daqueles anos, August Thalheimer, entre outros, logrou impor-se, politicamente, diante da direção do Executivo do Komintern, clamando até mesmo pela expulsão das frações oposicionistas minoritárias, zinovievistas e liebknechtianas.

Enquanto dirigente da fração zinovievista, Ruth Fischer assinalou, mesmo que desde sua perspectiva de luta mais própria, eminentemente crítica às posições de Trotsky :

 

“Até então, havia sido tradição no Comintern que os agrupamentos minoritários em qualquer partido comunista tivessem representação proporcional em seu Comitê Central, sendo esses membros escolhidos mediante cada fração oposicionista.

Radek e Brandler quebraram essa tradição e, sob protesto da esquerda, deram-lhe representação inadequada.

Além disso, eles mesmos selecionaram os esquerdistas que, em sua opinião, eram mais suscetíveis para o compromisso.

Esse procedimento, depois da falência em sacar uma declaração do partido sobre a invasão do Ruhr, levou o Congresso à beira da ruptura.

Para protestar contra essa violação de seus Direitos fundamentais, a esquerda decidiu não participar da eleição do Comitê Central.

Um Comitê Central assim eleito, não teria a confiança das maiores regionais do partido – as de Berlim, do Ruhr, de Hamburg.

Karl Radek viu que tinha ido longe demais. Em uma sessão noturna secreta, da qual não existe gravação nos protocolos congressuais, propôs um compromisso mediante o qual quatro delegados da oposição de esquerda seriam eleitos para o Comitê Central

Apoiado por Vasil P. Kolarov, Radek surgia enquanto árbitro neutro do Komintern, porém ele manobrava, exitosamente, para impedir a eleição dos dirigentes da esquerda, Thaelmann e Maslow.”[27]

 

A tática Radek-Brandler buscou sempre, para alcançar a aplicação de sua política, apresentar sempre a Alemanha daqueles anos como um país de natureza própria, cujo ritmo de desenvolvimento da luta de classes não seria tão intenso e explosivo como no país de Lenin, Sverdlov e Trotsky, de modo a pleitear uma mais profunda vinculação política com as forças reformistas da Social-Democracia, mediante redifinições da tática de Frente Única e da consigna de Governo dos Trabalhadores.

As diretrizes estabelecidas nos III e IV Congressos do Komintern acerca desses mecanismos de transição, que eram considerados, sistematica e invariavelmente, como forma de promoção, cada vez mais ostensiva, do armamento do proletariado para a derrubada do capitalismo imperialista, do controle proletário da produção, da satisfação das mais importantes reivindicações dos trabalhadores contra a burguesia, haveriam de ser, segundo a orientação Radek-Brandler, hermeneuticamente flexibilizadas diante da particulariedade concreta da realidade político-constitucional, essencialmentre democrático-burguesa, prevalente na Alemanha, e levadas à prática em conformidade com a maneira própria das lutas travadas nesse país capitalista industrializado, seguindo-se sempre os passos e a dinâmica peculiar que o reformismo político da Social-Democracia, arrebatador de grandes contingentes proletários, poderia imprimir ao curso do fenômenos revolucionários.

Esse apresentava-se como sendo o pretexto de Radek e Brandler para efetivamente levar à prática sua política pseudo-revolucionária de prosternação frentista, disfarçada com críticas e denúncias, em sua capitulação diante das forças da Social-Democracia Alemã, sob a capa de defesa da tática de Frente Única e da consigna de Governo dos Trabalhadores, frustando manifestamente as exigências fundamentais do marxismo revolucionário, voltado permanentemente à tarefa de formação e mobilização dos proletários enquanto classe conscientemente revolucionária e hegemonicamente dirigente de todos os demais socialmente oprimidos, na luta de massas em prol de consignas de transição que culminem no desencadeamento de um levante armado para a destruição do Estado Burguês e edificação da Ditadura Revolucionária do Proletariado, incorporadora da mais avançada e historicamente superior Democracia Proletária, concebida enquanto forma de transição rumo à edificação da primeira fase do comunismo, i.e. o socialismo.

O legado histórico da orientação política Radek-Brandler surge, desse modo, como sendo o de uma concepção teórico-doutrinária e de uma prática político-concreta que, alegando combater o sectarismo ultra-esquerdista, de um lado, e o oportunismo, de outro, atua ocultando o fato de representar, por si e em si mesmo, a expressão profundamente eclético-contraditória de um profundo oportunismo e sectarismo ultra-esquerdista de natureza própria :

Oportunismo frentista consistente em seu atrelamento e ancoramento seguidista ao reformismo social-democrático.

Sectarismo cético não em relação à sua pretensão baldada de conquista das massas proletárias para a revolução socialista, senão no concernente às rigorosas e desafiadoras tarefas de construção de um partido marxista revolucionário capaz de analisar, em conformidade com os fundamentos do materialismo histórico-dialético, o curso da luta de classes de determinado país.

Nesse sentido, tal como restará demonstrado, o radekismo-brandlerista é uma deformação, uma degenerescência, uma falsificação do marxismo revolucionário ainda mais sútil e fraudulenta do que a varíola gramsciana, com suas típicas erupções pustulosas.

O gramscismo espraia-se cadaverizando, nitidamente desde uma perspectiva idealista-subjetivista, a doutrina proletário-revolucionária de Marx, Engels e Lenin, em nome, porém, da hipócrita e reputada defesa dessa mesma doutrina proletário-revolucionária.

Ao eleger, entretanto, como o seu maior antagonista político, no seio do movimento socialista-revolucionário posterior à morte de Lenin, as concepções e o legado revolucionário de Trotsky, considerado segundo Antonio Gramsci, o principal representante da ”Guerra de Movimento”, da “Guerra de Manobra”, do ”Ataque Frontal”, “protagonizado em um período em que esse é apenas causa de fiascos”, ao prestar louvores aos posicionamentos de Stalin, considerado por Gramsci como “il più recente grande teorico”, o gramiscismo coloca às claras os sintomas de natureza febril aguda, infecto-contagiosa, que deixa cicatrizes manifestamente típicas e bem evidentes, tal como as bexigas-negras.

O radekismo-brandlerista, do início dos anos 20, enquanto deformação  política específica, é, porém, muito mais sútil e de difícil reconhecimento, posto que resulta muito menos conhecida e popularizada nos nossos dias.

Expande-se desvitalizando, ardilosamente desde uma perspectiva jornalístico-cética, essencialmente versátil, multiforme, cínical, maleável, sinuosa, os fundamentos do marxismo revolucionário, tal como um tumor maligno de origem dificilmente reconhecível que desalenta e destrói os tecidos e os vasos vitais de um organismo partidário proletário-revolucionário, posto que o desvigora em nome da suposta luta contra o sectarismo ultra-esquerdista e o oportunismo, bem como da cínica defesa da herança socialista-revolucionária não apenas de Marx, Engels e Lenin, senão ainda do legado de Trotsky e de sua luta contra a ascensão do burocratismo stalinista, legítimos patrimônios transmitidos às novas gerações de revolucionários proletários.

Recorde-se, exemplificativamente, nesse sentido, as palavras de Radek proferidas, com maleabilidade e desembaraço, ao pleitear, na qualidade de Secretário do Comitê Executivo do Komintern, responsável, junto ao III Congresso Mundial da Internacional Comunista pelo informe sobre tática revolucionária, o retorno à defesa da tática da Frente Única, imediatamente depois de ter recomendado, meses antes, a Ativação Revolucionária do Partido Comunista da Alemanha(KPD), no quadro da Teoria da Ofensiva ou do Ataque Revolucionário Tempestuoso, de autoria de Nikolai Bukharin e Grigori Zinoviev, coroadora da estrondosa derrota da Ação de Março de 1921 :

 

“ Companheiros,

Não vou lhes fatigar com uma série de citações que poderia ser trazida aos montes, tal como já foi indicado na imprensa comunista da Rússia, referindo que a correlação de forças na Europa Ocidental, que as forças da burguesia de lá torna improvável um assalto à burguesia através de uma sublevação das massas populares.

Não preciso recordar os delegados alemães de que nós, na Alemanha, desde 1919, adquirimos, enquanto ponto de partida de nossa tática, a convicção de que a dinâmica de desenvolvimento da revolução mundial será mais arrastada, sendo que deveríamos lutar, precisamente por isso, com toda energia, contra a impaciência revolucionária de esquerda. ...

Quando falamos de uma dinâmica lenta da revolução, queremos dizer que será um processo lento com grandes lutas, no qual os partidos do comunismo não terão nenhuma possibilidade de se instalar sossegadamente em etapas, tranqüilizar-se, tabalhar lenta e pacificamente, aguardando o que o tempo trará.

Será um sobe e desce de lutas. ... 

Por isso, tenho de dizer que se vozes são escutadas nas fileiras da Internacional Comunistas – tal como o discurso do companheiro Smeral - acerca do lento desenvolvimento e se são apresentadas imagens tal como aquela de que a Guerra de Movimento passará para a Guerra de Trincheira (obs. tal como Gramsci assinala, Guerra de Trincheira corresponde à Guerra de Posição), trata-se, em nossa opinião, de uma falsa concepção acerca da dinâmica do desenvolvimento.

O que vivenciamos não é a transição da guerra móvel  em Guerra de Trincheira, mas sim a formação dos grandes exércitos do proletariado mundial!”[28]       

 

A orientação política Radek-Brandler alcançou o seu brilho fugaz logo após o IV Congresso Mundial do Komintern, dissemindando-se no contexto da ascensão, cada vez mais ostensiva, da Troika de Zinoviev, Kamenev e Stalin, quando a arte das manobras políticas tornava-se a principal estratégica opcional em prejuízo do fomento das lutas revolucionárias de massas.     

Suas elaborações teóricas que permitiram constituir umas das referências teóricas da futura consagração das táticas stalinistas do Komintern burocratizado, de Frente Única, Frente Nacionalista, Frente Democrática e Frente Patriótica, traz em seu bôjo, entretanto, precursoramente, o embrião do fim da etapa revolucionária do bolchevismo dos anos 20 que, acreditava na possibilidade de a revolução socialista proletária poder se expandir pela Europa Ocidental, fazendo com que, sob a pressão das lutas revolucionárias, as massas de trabalhadores e demais oprimidos, agrilhoadas à influência da Social-Democracia, se conformassem em potente força de movimento, mediante a aplicação de táticas e consignas de transição, suficientes para tranformar as estruturas sociais e políticas dos países industrialmente avançados.  

A identificação da falsificação marxista Radek-Brandler do início dos anos 20 no interior do movimento revolucionário socialista-proletário da atualidade, é, por essa razão, tanto mais difícil de ser diagnosticada, pois aqueles que sucumbem a essa orientação política fundam-se, doutrinariamente, nos mesmos documentos principiológicos e programáticos defendidos pelo marxismo revolucionário, i.e. por Marx e Engels, Lenin, Sverdlov e Trotsky, ainda que o façam como “hóspedes” – e não como “militantes” -  na luta em prol das autênticas exigências levantadas pelo curso da revolução socialista internacionalista.

De toda sorte, o elemento mais sintomático mais seguro para a identificação da degenerescência radekista-brandlerista, o qual permite seguramente colocar a nú sem discurso subreptício de luta contra supostos doutrinarismos ultra-esquerdistas e oportunismos de todos os gêneros, é seu chamado político à capitulação frentista, disfarçado com críticas e denúncias, diante das forças reformistas da Social-Democracia, durante o período preparatório que conduz à tarefa de organização do levante armado do proletariado para fazer saltar pelos ares o Estado Burguês.

Ceticismo sectário em relação ao partido proletário revolucionário poder organizar-se, construir-se e lutar independentemente, não se atrelando, servil e fatalisticamente, ao reformismo social-democrático, mediante ornamentos críticos e denúncias conducente a uma prosternação inconseqüente.

Seguidismo oportunista, eleitoralista e governista, em relação ao reformismo social-democrático, de modo a fazer com que as fórmulas de Frente Única  e Governo dos Trabalhadores não sejam contempladas como um instrumento da instauração da Ditadura Revolucionária do Proletariado, senão como forma de, no quadro e antecipadamente com os meios da democracia burguesa, conquistar o poder e nele comtemporizar com as forças reformadoras do despotismo capitalista e do Estado Burguês.   

Táticas e estratégias essas dignas de uma orientação política versátil, cínica, plástica e multiforme, hesitante e sinuosa, que, alegando fundar-se juradamente no marxismo revolucionário de Lenin, Sverdlov e Trotsky, ousa, com aparentes magnifícios aperçus, omitir, despurodamente, seus próprios e específicos sectarismo e oportunismo, mediante o semear e propagar ilusões, miragens e seduções acerca do caráter fundamental do reformismo e do papel político contra-revolucionário da Social-Democracia em face das lutas de emancipação do proletariado.     

Depois da derrota da Revolução Alemã de 1923, Radek foi afastado do Executivo do Komintern e de sua atividade junto à direção do Partido Comunista da Alemanha(KPD), em meio a uma áspera polêmica travada contra Zinoviev.

A seguir, Radek tornou-se reitor da Universidade Sun Yat-Sen, em Moscou, dedicando-se, então, ao estudo da luta de classes da China.

A partir de 1923, Radek aderiu, como “hóspede”, à Oposição de Esquerda, encabeçada por Trotsky, ao mesmo tempo em que impulsionava a Oposição de Direita, de Brandler.

Em 1926, pouco antes de Trotsky e Zinoviev construírem a Oposição Unificada para a luta contra a crescente burocratização stalinista, Radek, depois de ver falido seu precedente projeto anti-zinovievista de aproximação da Oposição de Esquerda às posições de Stalin, tornou-se, durante dois anos, um dos líderes mais furiosos do bloco anti-stalinista.

Em dezembro de 1927, Radek foi expulso do PC da URSS, no quadro do XV Congresso desse partido, sendo enviado para o desterro.

Em fins de 1929, Radek decidiu apresentar sua capitulação à Stalin e retornar à Moscou.

Quando seu trem deixava a estação ferroviária da Sibéria, sob escolta da polícia política stalinista, de seu áspero e rápido diálogo com os oposicionistas remanescentes, publicou-se o seguinte no Boletim de Oposição, Nr. 6 de outubro de 1929 :

 

“Pergunta : “- E qual é sua posição em relação à L. D. (i.e. Trotsky) ?”

Radek : “ - Com L. D. rompi defenitivamente. De agora em diante, somos inimigos políticos... Com um colaborador do Lord Beaverbrook não temos nada em comum.”

Pergunta : “Você vai exigir a revogação do Art. 58 ?

Radek : “ De jeito nenhum. Quem nos acompanhar, estará dele liberado por si mesmo. Porém, nós não liberaremos do Art. 58 aqueles que querem levar para a cova o trabalho no Partido e organizar a insatisfação das   

                massas.”

Os agentes da OGPU não nos permitiram falar até o final.

Empurraram Karl (Radek) no vagão, culpando-o pela agitação contra o banimento de Trotsky. Do vagão, Radek gritou :

                “ - Eu estou agitando contra o banimento de Trotsky? Ha-ha-ha ....  Estou agitando para que os companheiros voltem para o Partido.”

Os agentes da OGPU escutaram calados e continuaram a enfiar Karl no vagão.

O trem de alta velocidade colocou--se em movimento ...”[29]   

 

A partir desse momento, restaurada sua filiação ao PC da URSS, Radek retomou, sofregamente, seu trabalho como especialista de questões internacionais e embaixador especial do stalinismo – tal como na missão de  janeiro de 1933, junto a Josef Pilsudski.

Após tais eventos, veio a notabilizar-se não apenas como um dos patronos da Constituição Stalinista de 1936 – ao lado de Evgenii Pashukanis -, senão ainda como testemunha chave de acusação nos processos políticos forjados por Joseph Stalin e seu procurador do Estado, Andrei Vyshinskii.[30]

 

Durante o período de sua capitulação ao stalinismo, Radek escreveu, assiduamente, nas colunas do Pravda e do Izvestia, até 1937.[31]

 

Nesse último ano, K. Radek e G. Piatakov foram acusados no Segundo Grande Processo de Moscou,  tendo sido o primeiro sentenciado a 10 anos de prisão.[32]

 

Durante vários mêses subsistiram rumores no sentido de que Radek seguiria vivo e politicamente ativo, deslocando-se para o exterior, de tempos em tempos, a fim de examinar questões políticas.

Nada obstante, a maioria dos historiadores afirma que, recolhido em um campo de concentração logo após sua condenação, Radek deve ter falecido em 1939, nos calabouços do stalinismo.[33]

 

No que diz respeito às produções intelectuais de Radek, em seu período stalinista, destaca-se seu panegírico a Stalin, produzido em 1934, por demais marcante de seu abordagem teórico-política :

 

“Na última palestra, ocupamo-nos com o momento histórico em que a notícia da partida prematura do nosso grande mestre e dirigente, Lenin, abalou o mundo, com o momento em que o invólucro mortal, elevado aos ombros de seus amigos e sobre a cabeça de milhões de massas impendia no interior do Salão das Colunas e, ali, durante vários dias, tornou-se o destino da peregrinação dos trabalhadores e camponeses de nosso grande país e do mundo inteiro.

Ainda soam no ar as palavras esculpidas de granito do juramento que prestou Stalin, o Secretário Geral do Partido, no Teatro Bolshoi.

Palavras que significam que o Partido conservará sua lealdade ao legado de Lenin de luta contra o capitalismo, que conduzirá essa luta até o seu final vitorioso, apoiado na solidariedade do proletariado internacional, na aliança dos trabalhadores e camponeses, consolidando a Ditadura do Proletariado, velando pela unidade das fileiras leninistas como suas pupílas ....”[34]

 

A esse último episódio político da vida de Radek, Trotsky não pode senão destacar, de maneira aguda e acurada :   

 

“Desde meados de 1929, o nome de Radek tornou-se, nas fileiras da oposição, o símbolo das formas mais indignas da capitulação e dos desleais apunhalamentos pelas costas dos amigos de ontem(p. 156).

Nas fileiras dos trotskystas, Radek tornou-se, desde então, a figura mais odiosa: ele não é apenas um capitulador, mas também é ainda um traidor(p.157).”[35]

 

 

 

 

CAPÍTULO I

PERCURSO POLÍTICO DE

KARL RADEK

ATÉ O INÍCIO DOS ANOS 20

 

 

Radek, também muito renomado por seu nome de guerra Parabellum, nasceu, em 31 de outubro de 1885, no seio de uma família judía-polonesa, em Lvov, na província de Lemberg, Galícia (Polônia Austríaca), hoje território da Ucrânia.

Seus pais trabalharam como funcionários dos correios.

Radek estudou, inicialmente, Direito, nos anos de 1902 e 1903, em Cracóvia e Tarnov (Polônia Austríaca) e aperfeiçou, posteriormente, seus conhecimentos em Viena, na Áustria, e em Berna, na Suíça.

Ainda como um jovem estudante de Tarnov, Radek ligou-se, a partir dos 18 anos, ao Partido Socialista Polonês(PSP), que intervia na qualidade de porta-voz dos interesses nacionalistas do movimento operário polonês.

Logo a seguir, porém, Radek foi captado pelo grupo marxista denominado Partido Social-Democrático do Reino da Polônia e da Lituânia (PSDRPL), encabeçado por Luxemburg, Dzerjinski, Jogiches e Marchlevski tendo nele permanecido ativo através de sua militância clandestina, entre os anos de 1904 e 1908.

Nessa época, o PSP impulsionado pelo Partido Social-Democrático da Polônia(PSDRPL), veio a desempenhar um expressivo papel na Revolução de Varsóvia de 1905, onde dirigiu o jornal do partido, intitulado Czerwony Sztandar, i.e. Bandeira Vermelha.  

Preso em 1906, Radek lograria fugir, ingressando na Alemanha, em 1908, quando adotou, pela primeira vez, o nome de guerra Parabellum.

Suas produções jornalísticas tiveram início junto às colunas dos jornais Leipziger Volkszeitung (Gazeta Popular de Leipzig) e Bremer Bürgerzeitung (Gazeta do Cidadão de Brêmen), ambos esses diários pertencentes ao Partido Social-Democrático da Alemanha(PSDA).

Data do ano de 1910, as primeiras críticas de Lenin aos posicionamentos teóricos de Radek quanto ao caráter da defesa do programa mínimo seja no quadro das relações sociais capitalistas em geral, seja na política internacional em particular :

 

“Acerca de seus principais artigos no Leipziger Volkszeitung(Gazeta Popular de Leipzig), devo dizer que a questão é muito interessante.

Na realidade, ocupei-me pouco com isso, porém parece-me que você não tem plenamente razão.

O critério da “inexeqüibilidade ... no quadro do capitalismo” não pode ser entendido no sentido de que a burguesia não permite, que isso é inexeqüivel e coisas semelhantes.

Nesse sentido, muitas das consignas de nosso programa mínimo “são inexeqüiveis”, porém são, apesar disso, necessárias.

Além disso, onde você menciona o Relatório da Internacional, você deixa de fora, na citação de Marx,  as palavras nas quais se trata dos princípios das relações entre os Estados.

Não se trata aí do programa mínimo na política internacional ?

E, finalmente, por que você não menciona com nenhuma palavra o trabalho de Engels “Pode a Europa Desarmar-se?” ?

Você tem total razão, na minha opinião (tudo se trata evidentemente de minha opinião pessoal), que a reivindicação de armamento do povo não pode ser deixada de lado.

Não seria, porém, mais correto, dirigir o ataque não no sentido de que, na Resolução, fala-se desarmamento, mas sim de que ela não contém Exército Popular?”[36]

 

No quadro de uma postura ainda inicialmente fraternal, Lenin solicitaria a Radek, ainda no mesmo ano, a publicação, nas colunas do Leipziger Volkszeitung(Gazeta Popular de Leipzig), de um de seus importantes artigos de polêmica contra Martov e Trotsky :

 

“Eu gostaria, porém, de não deixar irrespondidas as terríveis vulgaridades e retorsões de Martov e Trotsky.

Já tenho pronto algo como um terço ou a metade de meu artigo.

O tema é : “O Sentido Histórico das Lutas Internas Partidárias na Rússia”.

Peço-lhe muito uma sugestão : seria possível e aconselhável publicar esse artigo no Leipziger Volkszeitung(Gazeta Popular de Leipzig) ? ...

Se você me pudesse dizer algo a respeito disso, ser-lhe-ia muito grato.

Eu gostaria de saber, p. ex., se você poderia apresentar diversos folhetins no Leipziger Volkszeitung(Gazeta Popular de Leipzig) sobre esse tema.

Qual o tamanho máximo dos artigos ?

Além disso : eu não consigo escrever em alemão. Eu escrevo em russo.

Você poderia provicenciar a tradução em Leipzig ou é-lhe muito incômodo ou por demais trabalhoso, sendo que devo encontrar por aqui um tradutor (poderia encontrá-lo também como toda probabilidade) ou ainda eu escreveria em meu alemão de má qualidade (uma prova disso você tem nessa carta) e, em Leipzig, procura-se traduzir de meu mau alemão em um bom alemão.

(Uma vez um amigo contou-me que que é mais fácil traduzir para ao alemão a partir de um bom russo do que um mau alemão.)”[37]

 

Desse episódio, o historiador alemão de linhagem stalinista-reciclada, Dietrich Möller, assinala que, de Leipzig,  Radek enviou, ao longo de 1910, diversos artigos a Lenin, em Paris, que, aparentemente, não foram aí publicados e, d’outra parte, Lenin remeteu artigos a Radek, para o Leipziger Volkszeitung(Gazeta Popular de Leipzig) que, certamente, jamais conheceram a luz em suas páginas[38].

Domiciliado em Leipzig e Brêmen, Karl Radek iria, desde logo, notabilizar-se por sua cerrada polêmica jornalística e pela organização de um agrupamento partidário, composto por jovens militantes, dedicados à luta contra ao revisionismo oportunista de Karl Kautsky e a linha social-chauvinista da direção do Partido Social-Democrático da Alemanha(PSDA), dirigido, à época, cada vez mais ostensivamente, por Friedrich Ebert, Philip Scheidemann e Gustav Noske[39].

Data desse período sua ligação política com August Thalheimer, futuro membro do bloco político Radek-Brandler, que se tornaria dirigente nos anos revolucionários de 1922 e 1923, editor do jornal social-democrático Freie Volkszeitung(Gazeta Livre do Povo), de Göppingen.

Entretanto, em 1912, Radek seria formalmente excluído das filerias da Social-Democracia Polonesa, ao opor-se à direção política de Luxemburg e Dzerjinski, tendo sido acusado de patifaria, apropriação de dinheiro, livros e roupas da organização e colaboração com o governo alemão e austro-húngaro[40].

No mesmo ano, “o caso Radek” foi colocado em discussão no Congresso do Partido Social-Democrático da Alemanha(PSDA), realizado em Chemnitz.

A moção que clamava por sua expulsão gozou de grande simpatia por parte da burocracia revisionista dirigente da Social-Democracia Alemã, que o considerou como jamais tendo sido membro regular oficial do partido alemão, representando apenas um intruso.

Além disso, a direção de Ebert e Noske entendeu que, tendo Radek sido expulso anteriormente das fileiras da Social-Democracia Polonesa, não poderia ter jamais aderido à Social-Democracia Alemã, de vez que nenhum excluído por um partido irmão poderia pleiter tornar-se membro de qualquer organização da II Internacional. 

Com o decidido apoio de Rosa Luxemburg, Clara Zetkin e os demais seguidores dessas dirigentes políticas, Radek haveria, então, de ser também expulso desse último partido, em 1913, sob a base das mesmas acusações escandalosas de roubou e desvios de meios financeiros partidários.

Sendo Luxemburg considerada como exemplo de comportamento socialista, Radek passava a ser entrevisto, em sentido contrário, diante dos olhos de muitos militantes revolucionários da época, como uma pessoa marcadamente imoral.

Nesse sentido, a historiadora e antiga comunista alemã, de orientação zinovievista, Ruth Fischer, escreve da seguinte forma :

 

“Ele (i.e. Radek) foi pintado como tendo mau caráter. Ele tinha pedido emprestado um casaco ( ou, por outras versões, um par de calças) de um companheiro, em uma noite fria de inverno, e não o devolveu imediatamente.

Sobre a base desse e de episódios similares insignificantes, concluiu que ele era um ladrão.

A pequena burguesia do partido fez um barulho pomposo acerca desse comportamento “não socialista” e em protesto contra essa campanha de lama, Parabellum adotara, diversos anos antes, um novo pseudônimo, K. Radek, que para um polonês sugere a palavra kradziez, i.e. ladrão.

Luxemburg e Radek eram ambos membros dos partidos alemão e polonês e esse incidente no partido alemão foi um reflexo da ruptura do mesmo ano no partido polonês, na qual Luxemburg dirigia uma fração e Radek a outra.

Luxemburg tinha sido apoiada pela maioria dos dirigentes nacionais e Radek fora-o pela organização de Varsóvia, incluindo Valecki, Unschlicht e Hanecki.

Lenin dispôs-se em favor do Grupo de Varsóvia. ...

O caso não foi um pequeno episódio na vida de Karl Radek.

Para ele, tratou-se de uma ofensa dolorosa ser privado de sua filiação ao partido alemão, o tipo mais elevado de organização Social-Democrática.”[41] 

 

Os principais defensores de Radek nesse processo escandaloso foram, pelo contrário, Anton Pannekoek e seus aliados de Brêmen, impulsionadores do jornal Arbeiterpolitik(Política dos Trabalhadores), bem como Karl Liebknecht.

Esse último considerou Radek como vítima de uma direção revisionista que aplicava descaradamente represálias políticas contra todos os que a criticavam de desvios pacifistas e nacionalistas.

No plano internacional, não apenas Lenin, senão ainda Trotsky, pronunciaram-se em favor de Radek[42].  

Com os méritos hauridos em sua luta contra as posições de Kautsky, Radek logrou atrair, cada vez mais, as atenções de Lenin que permanecia, entretanto, manifestamente crítico em relação aos seus posicionamentos teórico-intelectuais e suas atitudes político-práticas.

Em janeiro de 1914, Lenin teve a oportunidade de escrever a Wijnkoop :

 

“No Leipziger Volkszeitung(Gazeta Popular de Leipzig), Radek escreve sobre questões russas.

Porém, Radek não representa, nem sequer, qualquer dos grupos na Rússia !

É cômico imprimir os artigos dos emigrantes que nada representam e não aceitar aqueles que dos representantes das organizações existentes na Rússia! ...

Lamentavelmente, nem mesmo Pannekoek, no Leipziger Volkszeitung(Gazeta Popular de Leipzig), quer compreender que se deve publicar os artigos de ambas as correntes sociais-democráticas na Rússia – e não os artigos de Radek que representam apenas sua ignorância pessoal e suas idéias visionárias, indispondo-se a transmitir fatos concretos.”[43]  

 

Com a eclosão da I Guerra Mundial do capitalismo imperialista, Radek, procurando esquivar-se ao seu recrutamento nas fileiras do Exército Imperial Austro-Úngaro, refugiou-se na Suíça[44].

Nesse país, Radek demonstrou, desde logo, seu ceticismo pessimista, vindo a decepcionar profundamente Trotsky, que nele depositava, então, expressivas expectativas de atuação revolucionária :

 

 

 

“Naqueles dias, entrei, pela primeira vez, estreitamente em contato com Radek, o qual, no início da guerra, veio da Alemanha para a Suíça.

No partido alemão, ele se situava na extrema esquerda, sendo que eu pretendia nele encontrar um partidário de minhas convicções.

Efetivamente, Radek condenava, com extraordinária incompatibilidade, o segmento dirigente da Social-Democracia Alemã.

Nisso, nós estávamos de acordo com ele. 

Porém, com surpresa, constatei, na conversação, que ele também não acreditava na possibilidade de uma revolução proletária em conexão com a guerra nem, em geral, em época próxima.

“- Não !”, respondeu ele, “para isso as forças produtivas da humanidade, consideradas em seu conjunto, ainda não se encontram suficientemente desenvolvidas.”

Eu estava simplesmente acostumado em ouvir que as forças produtivas da Rússia não eram suficientes para a conquista do poder pela classe trabalhadora. 

Porém, jamais havia imaginado que uma tal resposta poderia ser dada por um político revolucionário de um país capitalista avançado.

Radek deu, logo depois de minha partida de Zurique, um longo informe, naquele mesma Associação Sindical(Eintracht - Unidade), argumentando prolixamente não estar o mundo capitalista preparado para a revolução socialista.  

Sobre o artigo de Radek, tal como, em geral, sobre a perspectiva socialista suíça no início da guerra, relatou o escritor suíço Brupbacher em suas interessantes memórias.  ....

Quando os jornais socialistas alemães e franceses deram uma clara imagem da catástrofe política e moral do socialismo oficial, coloquei de lado meu diário para ocupar-me com uma brochura política acerca do tema da guerra e da internacional.

Sob o impacto de minha primeira conversação com Radek, redigi para essa brochura um prefácio em que enfatizei, ainda com mais energia, que a atual guerra nada era senão uma insurreição das forças produtivas do capitalismo, consideradas em escala mundial, contra a propriedade privada, de um lado, e contra as fronteiras nacionais, de outro ...

O livrinho “Guerra e Internacional”, tal como todos os outros livros, possuiu seu próprio destino, em primeiro lugar, na Suíça, depois, na Alemanha e na França, em seguida, na América e, por fim, nas Repúblicas Soviéticas.”[45]

 

Nada obstante, Radek postulou sua participação nas Conferências de Zimmerwald e Kienthal, seguindo colaborando com o jornal de Anton Pannekoek, Arbeiterpolitik(Política dos Trabalhadores), publicado em Brêmen, com o que passou a desempenhar um papel de grande importância no seio do agrupamento da Esquerda de Zimmerwald.

Não obstante, nesse último agrupamento, Radek atritou-se e chocou-se, desde logo, diametralmente com as posições de Lenin.

 

 

Inúmeras são as referências de Lenin acerca de Radek que datam desse episódio histórico, quase todas pesadamente desabonadoras não apenas da orientação política postulada por esse revolucionário versátil e prolixo, senão ainda severamente repreensivas de suas atuações manobristas, hesitantes, intriguistas e de baixo caráter[46].

No fim de agosto de 1915, Lenin dirigiu-se, asperamente, a Radek, irresignado :

 

“Em anexo seu esboço. Nenhuma palavra sobre os Sociais-Chauvinistas e (=) o oportunismo e de luta contra isso.

Para que tal embelezamento do mau e acobertamento perante as massas do principal inimigo nos partidos sociais-democráticos ?

Você vai insistir, de maneira ultimativa, em não dizer nenhuma palavra aberta sobre a luta implacável contra o oportunismo ? ...

(Seu esboço é por demais “acadêmico”, nenhum chamado à luta, nenhum manifesto de luta.)”[47]     

 

 

 

 

A seguir, Radek atacou, subrepticia e ardilosamente, a validade da consigna do Direito de Auto-Determinação das Nações Oprimidas, impulsionando atividades rupturistas e intriguistas em favor da palavra de ordem “Luta de Massas Revolucionárias do Proletariado contra o Capital Contra Todas as Anexações” e contra “Atos Nacionais de Violência”.

Contra esse posicionamento de Radek, Lenin assinalou, precisamente :

 

“O Manifesto de Zimmerwald, tal como a maioria dos Programas ou das Resoluções Táticas dos partidos sociais-democráticos, proclamam o Direito de Auto-Determinação das Nações.

O Companheiro Parabellum(i.e. Radek) declara, nos Nrs. 252 e 253 do “Berner Tagwacht(A Guarda do Dia de Berna)”, como ilusória a “Luta contra o Direito de Auto-Determinação Não-Existente” e o opõe à “Luta de Massas Revolucionárias do Proletariado contra o Capital”, na medida em que assegura que “somos contra as anexações”(essa garantia é repetida cinco vezes no artigo do comp. Parabellum) como também contra “Atos Nacionais de Violência(p.412).

Marx exige a separação da Irlanda da Inglaterra – “ainda que, depois da separação, possa surgir uma federação” – e fá-lo, em verdade, não do ponto de vista da utopia pequeno-burguesa do capitalismo pacífico, não por “Justiça para a Irlanda”, senão a partir da posição dos interesses da luta revolucionária do proletariado da nação opressora, i.e. inglesa, contra o capitalismo(p. 417).”[48]

 

Nesse mesmo quadro, Radek condenou o Levante Irlandês da Páscoa de 1916, qualificando-o de Putsch, i.e. Golpe de Estado.

Acerca do tema, Lenin precisou, ao dirigir-se a Kollontai :

 

“Designar o Levante da Irlanda de  “Putsch” ( você viu K. Radek no “Berner Tagwacht(A Guarda do Dia de Berna)” ?) - e você aceita isso pacientemente?

Isso eu não posso entender. Isso eu não posso absolutamente entender.

Eis aí, pois, a prova para a pendanteria repugnante e o estúpido doutrinarismo de K. Radek no Berner Tagwacht(A Guarda do Dia de Berna) e “de seus semelhantes”.”[49]

 

Em sua renomada obra Resultados da Discussão sobre a Auto-Determinação, Lenin sublinhou, mais claramente :

 

“As concepções dos adversários da auto-determinação leva à conclusão de que a vitalidade das pequenas nações, oprimidas pelo imperialismo, já se esgotou, que elas não poderiam desempenhar nenhum tipo de papel em face do imperialismo, que o apoio de suas aspirações puramente nacionais não levaria a nada etc.

A experiência da guerra imperialista de 1914-1916 contesta faticamente conclusões desse gênero(p. 361). ...

 

 

No Berner Tagwacht(A Guarda do Dia de Berna), órgão dos militantes de Zimmerwald, inclusive de alguns esquerdistas, surgiu, em 9 de maio de 1916, por ocasião do Levante Irlandês, um artigo assinado por K. R., intitulado “Uma Canção Batida”.

O Levante Irlandês é ali declarado, nada mais nada menos, como um “Putsch”, pois “A Questão Irlandesa” teria-se tornado uma questão agrária, sendo que os camponeses haveriam-se acalmado com as reformas, o movimento nacionalista seria agora uma “um movimento puramente pequeno-burguês citadino, atrás do qual não se encontra muito de social, apesar do grande barulho que ele promoveu.

Não de se admirar que esse monstruoso julgamento em seu doutrinarismo e sua pedanteria coincida com aquele de um russo cadete, nacional-liberal, A. Kulischer(cf. Retsch, de 15 de abril de 1916, Nr. 102), o qual designou o levante igualmente como o “Putsch de Dublin(pp. 362 e 363)”.[50] 

 

Durante todo o ano de 1916, acirraram-se, agudamente, as diferenças teóricas, políticas e organizativas entre Lenin e Radek, tal como o primeiro nos informa, em suas cartas a Alexander Schliapnikov  :

 

“Os editores compremeteram o “Comunista”, pois não quiseram discutir – para uma discussão não escreveram ou prepararam o mínimo -, mas sim explorar as aspirações de Radek de entrar de contrabando, por desvios, em nosso partido. 

Tanto Radek como o pessoal de “Nashe Slovo”, bem como muitos outros dos grupos estrangeiros, entrecruzam-se para, sob o manto da discussão, provocar rupturas junto a nós, desenvolver insatisfações, entravar o trabalho (o velho jogo dos estrangeiros).

Você sabe, certamente, que Radek botou-nos para fora da redação do “Vorboten(O Precursor).

De início, acertou-se a constituição de uma redação comum de ambos os grupos : 1. os  holandeses ( talvez + Trotsky) e 2. Nós (i.e. Radek, Grigori e eu).

Essa condição assegurou-nos a igualdade na redação.

Radek intrigou durante meses a fio e impôs junto à “proprietária” (Roland-Host) que esse plano fosse retirado. Somos agora apenas colaboradores. É fato !

É adequado conceder à Radek como recompensa por esse fato o Direito de “discussão” e aos editores, o Direito de se esconder atrás de Radek ?

Isso não será nenhuma discussão, senão aborrecimento e intriga.”[51]

 

“O “Comunista” era um bloco provisório que havíamos constituído com dois grupos ou elementos : 1. com Bukharin e Co. 2. com Radek e Co.

Enquanto se pode caminhar com eles, era necessário fazê-lo.

Agora, isso já não é mais possível.

Há de se separar, provisoriamente ou, mais corretamente, recuar-se um pouco.”[52]

Criticando detidamente o método cético-jornalístico, meramente especulativo de Radek, Lenin ainda teve oportunidade de escrever a Kiknadze :

 

“Você discute sobre minha nota acerca da possibilidade de conversão também da atual guerra imperialista em uma guerra nacional.

Seu argumento ? “Teremos de defender uma pátria imperialista ... “

Isso tem alguma lógica ? Se a pátria permanece “imperialista” como pode, então, uma guerra ser nacional ??  

O palavreado acerca das “possibilidades” é, em minha opinião, admitido por Radek e pelo § 5 das Teses do Grupo “Internacional”  de modo  teoricamente equivocado.

O marxismo situa-se sobre o terreno dos fatos e não das possibilidades.

O marxista pode admitir enquanto premissa de sua política apenas fatos comprovados exata e indiscutivelmente.”[53]

 

Ao final de todo esse percurso, Lenin assinalou, de modo meridianamente claro  e incisivo :

 

“De Radek, separamo-nos na arena russo-polonesa e não o convidamos para colaborar em nosso Sbornik(Compêndio).

Assim, tinha de ser.

Agora, ele não poderá fazer nada que possa prejudicar o trabalho. ...

Estrategicamente, dou a causa por vencida.

Possivelmente, Juri + Co. + Radek + Co. irão chiar.

Allez-y, mes amis !”[54]

 

E, ainda :

 

“A má política do canalha lumpen e do crápula que não tem tanta força para confrontar-se abertamente conosco, refugiando-se com intrigas, ataques pelas costas e vulgaridades : aí você um exemplo ilustrativo do Radek é e faz.

(Um homem não se julga por aquilo que pensa ou diz de si mesmo, senão pelo que faz : pense nessa verdade marxista !).“[55]

 

Já em 19 de janeiro de 1917, poucos dias antes da eclosão da Revolução Russa de Fevereiro, visivelmente esgotado de seus dissabores com Karl Radek,  Lenin não se conteve em destacar :

 

“O idiota do Radek escreveu, há pouco, na conclamação polonesa, Befreiung Polens(Libertação Polonesa) :

a construção do Estado noa é um objetivo de luta da Social-Democracia.

Isso é mais do que idiota !

Isso é semi-anarquismo, semi-idiotice.

Não. Nós não somos, de nenhuma maneira, indiferentes em face da questão da construção do Estado, do sistema do Estado, de suas relações interativas.”

Engels seria o pai do “radicalismo passivo” ? Errado !

Você não conseguirá jamais provar isso.

(Bogdanov e Co. tentaram-no e apenas se ridicularizaram.)”[56]

 

Apesar dessas suas inúmeras tempestades de ânimos contra Radek, Lenin não encontrou, entretanto, impedientes para escrever o seguinte, em 30 de janeiro de 1917, resituando, radical e precisamente, seu posicionamento em face de Radek :

 

“Incitei Radek a ter forças para escrever uma brochura (ele ainda encontra-se aqui e – isso você provavelmente não esperou – somos bons amigos, tal como sempre, quando se trata da luta contra o “Centro(i.e. contra o Kautskyanismo)” e se não existe nenhum espaço para os subterfúgios radekistas, para o jogo em relação aos da “Direita” etc.)

Andamos durante horas por Zurique e o “apertei”.

Então, ele se mexeu e escreveu-a. ...

Publica-la-emos em separado.”[57]

 

Tendo arrebentado a Revolução Russa de Fevereiro de 1917, Radek partiu da Suíça no trem blindado de Lenin e do grupo de bolcheviques que se dirigiu à Rússia,  atravessando o território alemão.

Na medida em que Radek era portador de cidadania austríaca, contavam os bolcheviques com seu impedimento de ingresso em território russo, visto que a Rússia seguia em guerra contra a Áustria. 

Sendo assim, Karl Radek e Angelica Balabanoff  foram encarregados da organização de um bureau internacional do Comitê Central do Partido Bolchevique, em Stockholm, para o impulsionamento da tarefa contatos internacionais e fomento da propaganda revolucionária na Alemanha.

Enquanto membros da Esquerda Zimmerwald, Radek e Balabanoff foram, ao mesmo tempo, incumbidos da missão de preparar o caminho para a criação de uma nova organização internacional independente

No quadro desse período de luta, Lenin assinalou acerca de Radek :

 

“O Pravda(A Verdade) traz sistematicamente notícias acerca da Alemanha que não se encontra em nenhum outro jornal.

«De onde e como o Pravda recebe suas notícias especiais ? », pergunta a Retsch(i.e. um jornal cadete, buguês-liberal)”, com sua fisionomia grave, em um artigo, dotado de um título muito elucidativo “Uma Informação Estranha”.

De onde, Senhores Caluniadores ?

Dos telegramas e cartas do nosso correspondente, comp. Radek, um social-democrata polonês que passou uma série de anos nas prisões czaristas, que atuou mais de dez anos nas fileiras da Social-Democracia Alemã e foi expulso da Alemanha em virtude de agitação revolucionária contra Wilhelm e contra a guerra. Radek mudou-se especialmente para Stockholm para nos informar, a partir de lá.”[58]

 

Não tomando parte diretamente no Levante Armado de Petrogrado, de 1917, Radek foi encontrado, pela primeira vez, nessa cidade, em outubro de 1918.

Nessa ocasião, Karl Radek aderiu, formalmente, ao Partido Bolchevique, sendo encarregado, imediatamente, por Tchitcherin, da direção da Divisão Central Européia do Comissariado das Relações Exteriores.

Sob sua competência encontrava-se a organização de propaganda política entre os prisioneiros de guerra

Nesse quadro, Radek patrocinou a Brigada Liebknecht, formada entre alemães detidos nos campos de concentração siberianos e organizou grandes manifestações em Moscou, onde delegados dos campos declaravam sua adesão à Revolução de Outubro de 1917, formando comitês revolucionários por nacionalidades.  

A esse tempo, Radek passou a redigir nas colunas do Izvestia(Notícias), assinando com o nome de Viator.

A seguir, Radek tomou parte das tratativas de Brest-Litovsk, a partir de 26 de novembro de 1917, enquanto membro especialista para questões polonesas da delegação bolchevique, encabeçada por Trotsky.

Nesse episódio, Radek notabilizou-se por sua postura agressiva, sarcástica e hostil em face do Estado-Maior Alemão

As negociações de Brest-Litovsk representaram, inquestionavelmente, um ponto relevantíssima gravidade para todas as elaborações intelectuais e políticas futuras de Karl Radek.

De retorno à Rússia, Karl Radek fundiu-se em um bloco político com N. Bukharin, M. S. Uritski, A. Joffe, G. Lomov e outros, visando a atacar, sistematicamente, a política de Lenin e Sverdlov acerca da conclusão do Tratado de Paz de Brest-Litovsk[59].

Redigindo as páginas de “Kommunist”,  Radek dedicou-se à propaganda da consigna de Guerra Revolucionária contra o Imperialismo Alemão. 

Nesse contexto, Lenin atacou-o, metodicamente, denunciando-o como um deplorável esquerdista que renegava suas próprias responsabilidades :

 

“Nossos “esquerdistas” lamentadores que, ontem, surgiram com seu próprio jornal “Kommunist” (dever-se-ia acrescentar : comunista da época pré-marxista), querem se subtrair ao ensinamento e às lições da história, esquivando-se da responsabilidade.

Inúteis idiotices ! Não conseguiram esquivar-se.

Essas pessoas amontoam-se apenas, preenchem as colunas do jornal com artigos inumeráveis e esfalfam-se, com o suor de seus rostos.

Não poupam “nem sequer” negritos de impressão, para qualificar a “teoria” de “tomar fôlego” como uma “teoria” ruim e insustentável.

Mas, ah ! Seus esforços não são capazes de invalidar fatos. Fatos são coisas duras, tal como assinala, corretamente, um provérbio inglês.

Fato é que, desde 3 de março, quando os alemães, a 1 h. da manha, suspenderam suas operações militares, até 5 de março, às 7 hs. da noite, quando escrevo essas linhas, temos tomado fôlego e utilizamos já esses dois dias para uma defesa enérgica (não expressada em frases, senão com fatos) da pátria socialista(p. 64). ...

 

 

Nossos “esquerdistas” lamentadores que se furtam aos fatos, às lições dos fatos e da responsabilidade, procuram ocultar ao leitor o passado mais recente, totalmente fresco, historicamente significativo, camuflando-o com coisas supérfluas e  transcorridas há muito tempo.

Um exemplo : Radek recorda, em seu artigo, ter escrito em dezembro (em dezembro!), que seria necessário salvar o exército a se manter, tendo redigido acerca desse tema em seu “Memorando ao Conselho dos Comissários do Povo”.

Não tive a possibilidade de ler esse escrito e pergunto-me : Por que Karl Radek não o publica inteiramente ? Por que não declara, pura e simplesmente, o que entendeu, outrora, por uma  “Paz de Compromisso” ? Por que não se recorda do passado mais próximo quando, no “Pravda(A Verdade)”, falou acerca de sua ilusão ( a pior de todas ) relativa a ser possível concluir uma paz com os imperialistas alemães, sob a condição de entrega da Polônia ?

Por que ? Porque os “esquerdistas” lamentadores são forçados a camuflar os fatos que desmascaram sua responsabilidade, i.e. deles, dos “esquerdistas”, pela propagação de ilusões, as quais ajudaram praticamente aos imperialistas alemães e impediram o crescimento e o desenvolvimento da Revolução na Alemanha(p. 65). ...

Quem, porém, disso não se recorda, quem não ouvi acerca disso, remetemos a um documento que agora se tornou um pouquinho mais valioso, interessante e instrutivo do que as penadas de Karl Radek de dezembro.

Esse documento, ocultado aos leitores lamentavelmente pelos “esquerdistas”, é o resultado (em primeiro lugar) das votações de 21 de janeiro de 1918 na Sessão do CC de nosso partido, juntamente com a atual Oposição “de Esquerda” e (em segundo lugar) a votação do CC de 17 de feveiro de 1918.

Quando, em 21 de janeiro de 1918, foi tratada a questão relativa a dever-se romper, imediatamente, as tratativas com os alemães, votaram (dentre os colaboradores do pseudo-esquerdista “Kommunist”) apenas Stukov a favor. Todos os demais votaram contra. ...

Quando, em 17 de feveiro de 1918, foi tratada a questão de saber quem era a favor da Guerra Revolucionária, Bukharin e Lomov recusaram-se “a participar da votação em face de uma tal colocação da questão”. A favor da proposta, não votou ninguém.

Isso é um fato(p. 66).

Em minhas teses de 7 de janeiro de 1918, predisse, com total claridade, que, em virtude da condição de nosso exército (a qual não poderia ser melhorada com o palavreado dirigido “contra” as massas camponesas esgotadas), a Rússia teria de concluir uma paz separa de má qualidade, caso não aceitasse a Paz de Brest.

Os “esquerdistas” caíram na armadilha da burguesia russa que carecia de meter-nos em uma guerra, a qual, para nós, resultaria a mais desfavorável possível(p.67).”[60]       

 

 

 

 

No mesmo sentido, Lenin sintetizou, historicamente, o balanço dos momentos de embate contra os “esquerdistas lamentadores” da seguinte forma, em sua célebre brochura O Radicalismo de Esquerda. Enfermidade Infantil do Comunismo, surgido em 1920 :

 

“Se olharmos em retrospectiva para o período histórico, completamente concluído, cujo contexto com os próximos períodos já se encontra às claras, torna-se evidente que os bolcheviques não seria capazes de manter unido, nos anos de 1908 a 1914, o sólido núcleo do partido revolucionário do proletariado (sem falar, então, em fortalecê-lo, desenvolvê-lo, consolidá-lo), caso tivessem imposto, no quadro da luta mais impiedosa, a concepção de que era imprescindível combinar, necessariamente, as formas legais com as formas ilegais de luta e participar, incondicionalmente, no parlamento arqui-reacionário, bem como nas fileiras de outras instituições amarradas com leis reacionárias (caixas de seguro etc.)

Em 1918, não se chegou a uma ruptura.

Os comunistas “de esquerda” formaram, outrora – e , em verdade, não por longo tempo -, um grupo particular ou “fração” no interior de nosso partido.

No mesmo ano de 1918, os mais renomados representantes do “comunismo de esquerda”, p.ex. os comps. Radek e Bukharin, admitiram, abertamente, o seu erro.

Eles haviam acreditado que a Paz de Brest seria um compromisso com os imperialistas, principiologicamente inadmissível e prejudicial para o partido do proletariado revolucionário.

Tratava-se, de fato, de um compromisso com os imperialistas, porém precisamente de um compromisso incondicionalmente necessário, no marco das condições dadas...

Quando, porém, os mencheviques e os sociais-revolucionários, na Rússia, os Scheidemanns (e, em grande medida, também os kautskyanos), na Alemanha, Otto Bauer e Friedrich Adler (para nem falar dos Srs. Renner e cia.), na Áustria, os Renaudel, Longuet e cia., na França, os fabianos, os “independentes” e os “trudowikis”(i.e. os trabalhistas), na Inglaterra, concluíram compromissos, nos anos de 1914 a 1918 e 1918 a 1920, com os bandidos de sua própria burguesia, às vezes também com os “aliados” da burguesia, contra o proletariado revolucionário de seu país, agiram todos esses Srs. como cúmplices do banditismo.

A conclusão é clara : rechaçar “por princípio” compromissos, negar meramente toda admissibilidade de compromissos, seja da forma que forem, é uma infantilidade que deve ser levada severamente a sério.[61]

 

Tal disputa política travada por Lenin contra os “esquerdistas lamentadores”, não o impediu, porém, de pleitear a nomeação de Bukharin e de Radek enquanto Comissários Políticos para o Conselho Central dos Sindicatos de Toda Rússia, alegando precisamente o seguinte contra os que se opunham a tal medida  :

 

“Talvez vocês conheçam melhores teóricos do que Radek e Bukharin.

Então, dêem-nos alguns.

Talvez vocês conheçam melhores pessoas que estejam familiarizados com o movimento sindical. Então, dêem-nos algumas.

Como ? o Comitê Central não deve ter qualquer Direito de enviar pessoas nos sindicatos que estão familiarizadas, teoriamente, da maneira mais profunda, com o movimento sindical, conhecem a experiência alemã e são capazes de fazer valer sua influência se é adotada uma linha equivocada ?

Um Comitê Central que não cumpra essa tarefa, não seria capaz de dirigir !”[62]

 

De toda sorte, a luta político-jornalística de Radek em torno da Paz de Brest-Litovsk viria a marcar, entretanto, o seu profundo giro de concepção acerca do dinâmica das ações revolucionárias das massas proletárias rumo à consagração da revolução socialista internacional.

Tendo alcançado o seu ápice de entusiasmo revolucionário no início de 1918, materializado em sua doutrina ideológica da Guerra Revolucionária contra o Imperialismo Alemão, Radek foi assaltado, nos mêses e anos subseqüentes, por um marcante ceticismo jornalístico-pessimista relacionado com o futuro de lutas do comunismo revolucionário em todo mundo, ao ver-se diante da necessidade de aceitar o posicionamento de Lenin e Sverdlov sobre a Paz de Brest-Litovsk.

Tal postura cético-pessimística de Radek surgia, esporadicamente, entrecortada, entretanto, não apenas por algumas de suas apreciações entusiasticamente combativas, fundadas em posições de Lenin, Sverdlov e Trotsky, do que são exemplos suas caracterizações evanescentes acerca das Revoluções Bávara e Húngara, de 1919, como forma de diferenciar-se das posições de Paul Levi, embora Radek e Levi compartilhassem a direção do Partido Comunista Alemão(KPD) ou ainda sua luta aberta, imprevista e supreendente, ao lado da corrente de esquerda oposicionista alemã contra as posições políticas oportunistas de Paul Levi, em janeiro de 1921.

Essa sua postura projetava-se, além disso, episodicamente, em erráticos momentos ultra-esquerdistas, do que são exemplos seu lastimável entusiasmo pela Guerra Revolucionária contra a Paz de Brest Litovsk, nos primeiros meses de 1918, e seu fugaz arrebatamento em prol da Ativação Revolucionária do Partido Comunista da Alemanha(KPD), no quadro da Ação de Março de 1921, conduzindo à sua sustentação passageira da Teoria da Ofensiva, de inspiração Bukharinista e belakuniana.

Tais inquietações repentinas de combatividade de Karl Radek, registradas a partir da eclosão das revoluções russas, deviam-se, porém, muito mais às suas ambições estratégicas no quadro de suas lutas político-partidárias internas no PC da URSS e no PC da Alemanha (KPD) do que de sua convicção íntima nos frutos eventualmente produzidos pelo esquerdismo revolucionário.

Todos esses traços de oscilação da orientação política de Radek são, entretanto, plenamente conformadores e caracterizadores de seus posicionamentos hesitantes, multiformes, oscilantes, reticentes, versáteis.       

Entretanto, em sua perspectiva política mais global, de matiz jornalístico cético-pessimístico, é importante ter claro que Radek passou a teorizar, ideologicamente, já após a conclusão da Paz de Brest-Litovsk, a possibilidade de a Ditadura Revolucionária do Proletariado, instaurada pela Rússia Soviética, não ser capaz de resistir à ofensiva do capitalismo imperialista mundial.

O aguçar-se do terror vermelho, o fechamento da Assembléia Constituinte, os eventos surpreendentes da Guerra Civil Soviética, prolongada por vários anos, contribuíram ainda mais para fortalecer as posições hesitantes e reticentes de Radek.

Se reticente quanto à celebração da Paz de Brest-Litovsk, Radek, enquanto um dos principais arautos da conclusão do Tratado de Rapallo, de 16 de abril de 1922, entre a Rússia Soviética e a República Imperial de Weimar, conferiria interpretação vulcanicamente estatal-colaboracionista, de caráter russo-germânico e franco-britanofóbico, a esse instrumento público-internacional, em verdade, tão somente consagrador da celebração de um acordo político temporário entre o governo revolucionário de Lenin com a burguesia hostil da Alemanha, rigorosamente subordinado à estratégia geral de expansão da revolução proletária em toda a Europa, cuja essência consagrava, em primeiro plano, a solidariedade da classe trabalhadora de todos os países.

Com efeito, Lenin defendera seja a conclusão do Tratado de Brest-Litovsk, como a do Tratado de Rapallo, assim como a de todos os demais acordos do governo soviético que encabeçava, tendo como contratantes Estados Burgueses, enquanto compromissos efêmeros, necessários para ganhar-se tempo, objetivando à orquestração da revolução proletária mundial, porém, de nenhum modo, como fazia Radek, enquanto freios efetivos de limitação da aplicação revolucionária da tática de Frente Única e da consigna de Governo dos Trabalhadores dentro do arco jurídico-constitucional, interno e internacional, estabelecido diplomaticamente pelas políticas oficiais dos Estados, considerados em si mesmos[63].

Seu afastamento, no início de 1918, das fileiras do Comunismo de Esquerda, encabeçado por Radek mesmo, em associação com Bukharin e Uritski, levou-o a, posteriormente, a partir dos primeiros meses de 1920 em diante, a combater, decididamente, até mesmo alguns de seus velhos aliados alemães, solidamente ultra-esquerdistas, como Anton Pannekoek e Hermann Gorter, protagonistas da ruptura pela esquerda do Partido Comunista da Alemanha(KPD), rumo à fundação do Partido Comunista dos Trabalhadores Alemães(KAPD), em abril de 1920, bem como a antonizar o agrupamento holandês Tribunista, de Henriette Roland-Host.  

Marcado essencial e fundamentalmente por essa postura psicológico-política de linhagem cético-pessimística, revolucionário-administrativista e marcadamente estratégico-diplomática, Radek foi enviado à Alemanha, enquanto membro de uma missão partidária bolchevique, após a expulsão, em novembro de 1918, da Delegação Diplomática Russa, dirigida por Joffe, Bukharin e Rakovsky.     

Quando tal missão foi detida em Vilna, por ordem do novo Governo Social-Democrático Alemão, apenas Karl Radek logrou, com base em sua cidadania austríaca, acessar o território alemão.

Na Alemanha, Karl Radek, representando o PC da URSS, na qualidade de membro de seu Comitê Central, tomou parte no Congresso Fundacional do Partido Comunista Alemão(KPD-Spartakus), em dezembro de 1918.   

 

 

Aqui, Radek defrontou-se novamente com sua velha oponente de lutas partidárias na Polônia e na Alemanha, Rosa Luxemburg, sendo que, porém, o que agora, mais uma vez, dividia-os era sua distinta apreciação que possuíam relativamente à maneira de participação de Karl Liebknecht, Georg Lebedour e Richard Müller no seio do movimento dos comitês de fábrica, considerada por Luxemburg como de índole marcadamente putschista.

 

 

 

CAPÍTULO II

KARL RADEK NOS PRIMEIROS ANOS POSTERIORES À FUNDAÇÃO DO PCA (KPD)

E A GREVE GERAL SANGRENTA DE 1919 :

A GÊNESE HISTÓRICA DA VERSÃO DE RADEK ACERCA DA TÁTICA DE FRENTE ÚNICA

 

 

Antes da explosão da I Guerra Mundial Imperialista, o movimento dos trabalhadores alemães era o mais poderoso do mundo e servia de paradigma para muito partidos socialistas.

No último congresso do Partido Social-Democrático da Alemanha(SPD), de Jena, em 1913, nas vésperas da deflagração da conflagração bélica de 1914, esse partido contava com cerca de 1 milhão de membros, 90 jornais diários e conformava, com seus 4 milhões e 250 mil votos, o maior partido alemão de todos os tempos.

110 deputados federais, 220 deputados estaduais e 2.886 vereadores representavam o partido da Social-Democracia Alemã no parlamento do país.

Os sindicatos associados livremente à Social-Democracia Alemã incorporavam cerca de 2,5 milhões de trabalhadores e possuíam, sob seu controle, um patrimônio de cerca de 88 milhões de marcos alemães[64].

Com seu crescimento, o Partido Social-Democrático da Alemanha(SPD) havia, entretanto, profundamente deformado-se, sem que isso se tornasse manifestamente evidente à primeira vista.

Para o público externo em geral, a Social-Democracia Alemã, herdeira legítima das tradições revolucionárias de Marx e Engels, seguia representando um partido autenticamente radical-revolucionário[65].

 

Nada obstante, tal organismo político transformara-se, em seu interior, em um partido claramente reformista que, apoiando-se sobre o proletariado alemão e falando em seu nome, secundarizava o objetivo de conquista do socialismo em relação à perspectiva de movimentos em favor da obtenção de reinvidicações sócio-econômicas imediatas.

Os principais dirigentes da Social-Democracia Alemã promoviam, além disso, a cada nova oportunidade que surgia, a mais integral deformação oportunista das mais fundamentais premissas estratégicas do marxismo-revolucionário, com principal destaque para a questão do levante armado da classe trabalhadora, visando à implosão do Estado Burguês, a imprescindibilidade de instauração da Ditadura Revolucionária do Proletariado, incorporadora da mais ampla Democracia Proletária, bem como a necessária compreensão do fenômeno da violência revolucionária para a derrubada da burguesia, enquanto fenômenos de transição inevitáveis para o atingimento da sociedade socialista.

Já mesmo no Projeto do Programa de Coalizão de Gotha, de 1875, cuja elaboração foi, em grande parte, inspirada intelectualmente pelos lassalleanos, sustentada enfaticamente por Eduard Bernstein[66], admitida politicamente, apesar de leves e ligeiras críticas, por August Bebel e Wilhelm Liebknecht – e rechaçada agudamente por Marx e Engels[67] -, a Social-Democracia Alemã, rumando para a fusão dos eisenachianos e lassaleanos, não reivindicou absolutamente, em seu “Congresso do Compromisso de Gotha”, ocorrido entre os dias 22 e 27 de maio de 1875, a consigna programática de Ditadura Revolucionária do Proletariado, bem como a indispensabilidade de destruição armada do aparelho de Estado Burguês pelo proletariado – apesar da experiência da Comuna de Paris - , mas sim estatuiu a edificação de um Estado Popular Livre, a ser introduzido em substituição do então existente Estado Prussiano, assentado, porém, inevitavelmente, sobre a dominação de classe burguesa-capitalista[68].

Em sua renomadíssima carta a August Bebel, redigida entre 18 e 28 de março de 1875, Friedrich Engels teve oportunidade de escrever nitida e irrefutavelmente acerca do tema :

 

“O Estado Popular Livre transformou-se em Estado Livre.

Considerando-se em sentido gramatical, um Estado Livre é aquele em que o Estado é livre em face de seus cidadãos, i.e. um Estado com governo despótico.

Dever-se-ia abandonar todo o palavreado acerca do Estado, particularmente desde a Comuna que, em sentido próprio, já não era mais nenhum Estado.

O Estado Popular foi-nos atirado na cara, até não se poder mais, pelos anarquistas, ainda que os escritos de Marx contra Proudhon e, posteriormente, o “Manifesto Comunista” digam diretamente que com a introdução da ordem social socialista o Estado dissolve-se por si mesmo e desaparece.

Uma vez que o Estado é, porém, apenas uma instituição transitória da qual se lança mão na luta, na revolução, a fim de reprimir violentamente seus adversários, torna-se puramente absurdo falar-se de um Estado Popular Livre : enquanto o proletariado ainda necessita do Estado, dele necessita não no interesse da liberdade, mas sim para a repressão de seus adversários e, tão logo pode-se falar em liberdade, deixa o Estado de existir enquanto tal

Por essa razão, proporíamos colocar, em todos os lugares, ao invés de Estado “Gemeinwesen(comunidade)”, uma boa e velha palavra alemã que pode muito bem representar a “Comuna” francesa[69].”

 

Em uma carta dirigida a Ferdinand Domela Nieuwenhuis, Karl Marx, ainda em 1881, dois anos antes de sua morte, teve a oportunidade de confirmar sua concepção de luta do revolucionária do proletariado, no quadro da perspectiva de formação de um Governo Socialista :

 

“Não podemos resolver nenhuma equação que não inclua em seus dados os elementos de sua solução.

Além disso, os embaraços de um Governo surgido repentinamente através de uma vitória popular não são, de nenhuma forma, algo especificamente “socialista”. Pelo contrário.

Os políticos burgueses vitoriosos sentem-se, imediatamente, embaraçados com sua “vitória”, quando o socialista pode intervir, no mínimo, desembaraçadamente.

Em uma coisa, você pode acreditar :

 

 

 

um Governo Socialista não assume o timão de um país sem situações tão desenvolvidas em que possa tomar sobretudo as medidas necessárias para atordoar (no original alemão : ins Bockhorn jagen, i.e. lançar no corno do bode) tanto a massa da burguesia que  o primeiro desideratum(i.e. objetivo) seja conquistado : tempo para uma ação cerrada.

Você me remeterá talvez para a Comuna de Paris.

Porém, independentemente do fato de que isso se tratou meramente de uma sublevação de uma cidade, em condições excepcionais, a maioria da Comuna não era, de nenhuma forma, socialista e nem podia sê-lo.

Com uma mínima quantidade de common sense(i.e. de senso comum), ela teria, entretanto, podido alcançar um útil compromisso para toda a massa popular – atingível apenas outrora.

Tão somente a apropriação do Banque de France teria colocado, com terror, um fim à arrogância de Versalhes etc. etc. ...

A visão científica da desagregação inevitável da ordem social dominante, sempre em processamento diante de nossos olhos, as massas cada vez mais flageladas com sofrimentos pelos velhos fantasmas de governo, o concomitante desenvolvimento positivo, gigantescamente progressivo, dos meios de produção – isso tudo já basta como garantia para que, no momento da irrupção de uma revolução realmente proletária, serão dadas também as condições de seu direto, próximo – ainda que seguramente não idílico - modus operandi(i.e. modo de agir).”[70]

 

A concepção manifestamente oportunista da Social-Democracia Alemã acerca da essência do Estado e do papel da violência revolucionária -  considerada por Karl Marx enquanto parteira de toda velha sociedade que se encontra grávida de uma nova -, foi ocultada plenamente, a seguir, passando em brancas nuvens, pelo Programa de Erfurt, de 1891, considerado o Evangélio do Reformismo da II Internacional.

Nenhuma palavra acerca da Ditadura Revolucionária do Proletariado e da necessidade de preparação da luta armada proletária – quanto menos acerca da questão da Democracia Burguesa, enquanto forma de Estado em que a última luta decisiva do proletariado há de ter lugar  - foi consagrada pelo Programa de Erfurt.

Voltando sua atenção para as resoluções do Programa de Erfurt, Karl Kautsky, à época o principal mentor ideológico da Social-Democracia Alemã e da II Internacional, assinalou, expressa e cabalmente, em 1892 :

 

“Uma tal derrubada (i.e. a derrubada do poder político pelo proletariado) pode assumir as formas mais variadas, conforme as relações sob as quais se executar.

De nenhuma maneira, ela tem de necessariamente estar vinculada a atividades de violência e a derramento de sangue.

Já existiram casos na história mundial em que as classes dominantes foram particulamente compreensivas – ou particularmente fracas e medrosas -, de modo que abdicaram voluntariamente em face de uma situação de coação.”[71]   

 

 

E com efeito !

Dando embasamento às palavras de Karl Kautsky, é de destacar-se que Wilhelm Liebknecht, no quadro do Congresso de Erfurt, realizado em 1891, há um ano antes da publicação da obra em referência de Karl Kautsky, pronunciou-se, categoricamente, da seguinte forma acerca da temática em destaque:

 

“O elemento revolucionário não se situa nos meios, mais sim no objetivo.

A violência é, desde há séculos, um fator reacionário.”[72]

  

Wilhelm Liebknecht negava, além disso, a necessidade histórica da Ditadura Revolucionária do Proletariado para o atingimento do socialismo – admitindo-a apenas como medida excepcional em caso de guerras[73].

Com tal concepção claramente oportunista de Wilhelm Leibknecht, encontrava-se também plenamente de acordo August Bebel, o mais célebre e renomado dirigente operário da Social-Democracia Alemã de então.

Em seu pronuncionamentos no Congresso de Erfurt, de 1891, August Bebel manifestou sua crença de que, mediante propaganda e agitação, oral e escrita, bem como por meio de atividade junto ao parlamento do Estado, o proletariado lograria chegar ao poder.

Nessa mesma oportunidade, Bebel declarou-se, formalmente, da maneira mais peremptória, contra o emprego de métodos revolucionários violentos para a tomada do poder político por parte do proletariado[74].

Em suma : Wilhelm Liebknecht, August Bebel, e Karl Kautsky expressavam, já na última década do século XIX, concepções irrevogavelmente oportunistas e notoriamente incompatíveis com os princípios revolucionários fundamentais de Marx e Engels.

As posições dos fundadores do socialismo científico quanto ao papel da violência revolucionária na história, bem como quanto à tarefa da luta proletária para destruição do Estado Burguês, passaram a colidir diamentralmente com as posições dos mais prestigiados dirigentes da Social-Democracia Alemã e da II Internacional, do século passado.

Acerca do pano de fundo dos métodos utilizados pela corrente oportunista de Liebknecht, Bebel e Kautsky para impulsionarem suas disputas políticas de outrora, dá-nos conta, precisamente, Friedrich Engels, em 3 de abril de 1895, poucos meses antes de sua morte, em uma de suas cartas enviadas a Paul Lafargue, ao protestar contra as amputações literárias realizadas por Wilhelm Liebknecht em sua Introdução à Guerra Civil na França :

 

“Liebknecht permitiu-se a aplicar-me um golpe de mau gosto.

Ele retirou de minha introdução aos ensaios de Marx sobre a França, de 1848-1850, tudo aquilo que lhe servia para a apoiar, a todo custo, a tática pacífica e refutadora da violência.

Essa tática ele adora pregar desde algum tempo e particularmente nesse momento em que, em Berlim, estão sendo preparadas Leis de Exceção.

Recomento uma tal tática apenas e tão somente para a Alemanha de hoje, sendo que ainda com reservas consideráveis.

Para a França, a Bélgica, a Itália e a Áustria, essa tática não é adequada, como um todo, e, para a Alemanha, pode ela se demonstrar inaplicável já amanhã.

Peço-lhe, portanto, esperar por todo o artigo, antes de você o julgar – provavelmente ele aparecerá no Neue Zeit(Novo Tempo) -, sendo que espero, de um dia para o outro, exemplares das brochuras.

É lamentável que Liebknecht veja apenas o preto e o branco.

As nuances não existem para ele,

Além disso, as coisas estão quentes na Alemanha, o que promete um fim de século grandioso. ...”[75]

 

Acerca dessa carta de Engels a Lafargue, importa ainda assinalar que, examinando-se o correio dirigido por Richard Fischer a Engels, em 6 de março de 1895, é de verificar-se a decisão da Presidência da Social-Democracia Alemã da época no sentido de que seria imperioso fosse moderado o tom por demais revolucionário empregado por Engels em sua Introdução à Luta de Classes na França, de 1848 a 1850, de Karl Marx, aludindo-se ao perigo de reedição de uma Lei contra os Socialistas.

Como resposta a Fischer, Engels fortaleceu, em 8 de março, seu ponto de vista inequivocamente proletário-revolucionário, voltando-se, claramente, contra a posição centrista-oportunista da direção social-democrática, consistente em agir, politica e estrategicamente, sempre nos limites da legalidade burguesa.

Visando à publicação da Introdução no Neue Zeit(Novo Tempo), órgão teórico da Social-Democracia Alemã, Engels resolveu-se por alterar e suprimir certas formulações terminológicas mais sobressalientes de seu texto original, referentes à inevitabilidade da iminente luta armada a ser travada pelo proletariado alemão, sem modificar, entretanto, o sentido e significado inapelavelmente revolucionário de sua produção literária. 

Entretanto, alguns dirigentes sociais-democráticos, entre eles Wilhelm Liebknecht e Eduard Bernstein, aproveitaram-se do fato de Engels ter operado alterações redacionais para, imprimirem nas colunas do Vorwärts(Avante), órgão quotidiano da Social-Democracia Alemã, o famoso artigo intitulado “Como se faz Revolução Hoje”, portador de várias amputações linguísticas do texto original da Introdução, procurando apresentar seu autor, i.e. Friedrich Engels, como um “pacífico venerador da legalidade quand même”.   

Depois da morte de Engels, em 5 de agosto de 1895, Eduard Bernstein, encarregado da administração do conjunto das obras literárias de Engels, negou-se a publicar o texto original não-alterado da Introdução, em sua versão integral.

Desse modo, os principais dirigentes revisionistas da Social-Democracia Alemã colocaram em circulação a lenda pueril de que Engels haveria, no final de sua vida, sopesado devidamente seus antigos pontos de vista revolucionários, renegando-os em favor do reformismo[76].     

 

Em sua luta contra a falsificação política, marxista-revisionista, do Programa de Erfurt relativa à questão da conquista do poder político e da necessidade histórica da Ditadura Revolucionária do Proletariado para o atingimento do socialismo, falsificação essa defendida não apenas pelos centristas-oportunistas sociais-pacifistas, i.e. por Wilhelm Liebknecht, August Bebel e Karl Kustsky, senão ainda pelos sociais-reformistas da Social-Democracia Alemã, esses últimos representados, antes de tudo, por Eduard Bernstein e Conrad Schmidt escreveu Rosa Luxemburg, já em 1903, de modo claro e preciso :

 

„Partindo do fundamento do socialismo científico de que „a libertação da classe trabalhadora pode ser apenas obra da classe trabalhadora“, a Social-Democracia reconhece que subversão, i.e. a revolução para concretização da reconformação socialista, pode ser realizada apenas pela classe trabalhadora enquanto tal, e, em verdade, enquanto propriamente a ampla massa, sobretudo a massa do proletariado industrial.

A primeira ação da transformação socialista tem de ser, portanto, a conquista do poder político através da classe trabalhadora e a edificação da Ditadura do Proletariado, necessária incondicionalmente à materialização das medidas de transição.“[77]

 

Assim, importa assinalar, em linhas gerais, que, já a partir dos primeiros anos do século do século XX, três correntes doutrinariamente sedimentadas combatiam no seio da Social-Democracia Alemã da época:

 

1.    os reformistas economicistas-parlamentaristas, defensores da colaboração de classes entre proletários e burgueses, comandados por Eduard Bernstein, clamando pela ampla revisão dos fundamentos da teoria de Marx e Engels, em benefício praticamente das posições doutrinárias de Ferdinand Lassalle[78] ;

2.    os centristas-oportunistas, repudiadores da violência proletário-revolucionária e protagonistas da democratização do Estado Burguês, coroada por uma pretensa independência política do partido proletário e um pretendido Governo dos Trabalhadores como forma de ascensão ao socialismo, comandandos por Karl Kautsky e pelos mais renomados dirigentes políticos alemães do proletariado, August Bebel e Wilhelm Liebknecht, empenhados em conciliar a política quotidiana reformista com a doutrina de Marx e Engels, desde um ponto de vista constitucional-pacifista ;

3.    os proletários revolucionários, fundados, porém, na defesa dos direitos e liberdades fundamentais de todos os indivíduos e organizações sociais, entre os quais figuravam Rosa Luxemburg, Karl Liebknecht, Franz Mehring, Clara Zetkin, Leo Jogliches, Julian Marchlevski, ocupados em combater, pricipiologicamente, o reformismo economicista e o centrismo oportunista na Social-Democracia Alemã, retomando e defendendo diversas bases fundamentais da teoria intelectual e da prática política proletário-revolucionária internacionalista de Marx e Engels, de modo a inclinararem-se em direção das posições marxistas revolucionárias de Lenin.

       

Nesse contexto, haveria de germinar, no seio das correntes revisionistas, i.e. reformistas e centristas-oportunistas, da Social-Democracia Alemã, delas se diferenciando expressivamente, já no curso da primeira década do século XX – sobretudo após a indicação de Friedrich Ebert, em 1905, para o posto de Secretário da Presidência do Partido -, e impor-se, crescentemente, como corrente inquestionavelmente dominante, em particular a partir da morte de August Bebel, em 13 de agosto de 1913, um ala mais propriamente social-chauvinista, encabeçada por Friedrich Ebert, Philip Scheidemann e Gustav Noske.

Essa corrente social-chauvinista, aprofundando a revisão da doutrina do marxismo, passou a considerar como sua principal tarefa política a defesa do Princípio de Defesa da Pátria(Prinzip der Vaterlandsverteidigung), contra as potenciais nações imperialistas inimigas da Alemanha, em total detrimento da defesa dos interesses materiais de classes do proletariado revolucionário.

Quando em 4 de dezembro de 1914, Karl Liebknecht quebrou a férrea disciplina partidária da Social-Democracia Alemã - empenhada desde o início da I Guerra Mundial, em 4 de agosto de 1914, em postular a Aprovação dos Créditos de Guerra(Bewillingung der Kriegskredite) – abstendo-se de votar esse projeto social-chauvinista, abriu-se o caminho para a fundação de um novo organismo marxista-revolucionário em solo alemão. Em 2 de dezembro de 1914, votou, pela primeira vez, contra os créditos de guerra.

Tal novo agrupamento de proletários revolucionários haveria de surgir, inicialmente, sob a bandeira do Gruppe Internationale(Grupo Internacional), que, desde logo, em razão de seu órgão político, denominado Spartakusbriefe(As Cartas de Spartakus), passou a ser denominado de Spartakusbund(Liga Spartakus).

Esse agrupamento, encabeçado por Luxemburg e Liebknecht, tendo-se aproximado da Esquerda de Zimmerwald, a partir de setembro de 1915, porém não a ela expressamente aderindo, optou por ingressar, então, no primeiro semestre de 1917, no Partido Social-Democrático Independente da Alemanha(USPD),  fundado a essa época como fruto tardio da ruptura de março de 1916, encabeçada pelos agora sociais-pacifistas Kautsky, Haase e Bernstein, contra os novos dirigentes sociais-chauvinistas da Social-Democracia, reunidos em torno de Ebert, Scheidemann e Noske.

Nada obstante, já em 30 de dezembro de 1918, reuniu-se, na Sala de Festas da Câmara dos Deputados de Berlim, o Congresso de Fundação do Partido Comunista da Alemanha(KPD – Liga Spartakus).

Em uma sessão fechada, ocorrida nas vésperas, a Liga Spartakus posicionara-se apenas com três votos contra a saída do Partido Social-Democrático Independente(USPD), resolvendo-se em prol da fundação de um partido próprio.

A esse projeto associou-se também o grupo dos Radicais de Brêmen, denominado Comunistas Internacionais da Alemanha, encabeçado por Paul Fröhlich e Johan Knief, redatores do jornal Arbeiterpolitik(Política dos Trabalhadores).

Esse último agrupamento encontrava-se, em verdade, muito mais próximo do Partido Bolchevique de Lenin do que a Liga Spartakus, à época ainda dirigida pela orientação política de Rosa Luxemburg, apesar da grande simpatia que Karl Liebknecht, Clara Zetkin e Franz Mehring, desde a Revolução de Outubro de 1917, nutriram pelo bolchevismo.

Um terceiro grupo de pequena dimensão, encabeçado por Julian Borchard, denominado Socialistas Internacionais da Alemanha, igualmente próximos ao bolchevismo, já não possuiam praticamente qualquer significado existencial à época do Congresso de Fundação.

Acerca do tema, Hermann Weber assinalou o seguinte, destacando a influência de Karl Radek sobre o movimento marxista-revolucionário alemão dessa época :

 

“No interior da esquerda radical alemã formou-se, durante a guerra três grupos.

O mais expressivo (e propriamente precursor do PCA(KPD)) foi o Grupo Internacional(p. 11). ...

O segundo grupo radical, os radicais de esquerda de Brêmen, posicionavam-se muito mais próximos do que a Liga Spartakus.

Além de seu centro em Brêmen, possuíam pontos de sustentação, no norte, na Saxônia e no Reno.

Sob a direção de Johann Knief e Paul Fröhlich, editavam o Arbeiterpolitik(Política dos Trabalhadores), um semanário legal, e concordavam com a Liga Spartakus nas questões fundamentais.

Colaboradores de Arbeiterpolitik(Política dos Trabalhadores) eram também os dirigentes bolcheviques Lenin, Radek, Zinoviev e Bronski(p. 12).

O representante do grupo, Paul Fröhlich, aderiu, em Kienthal, à Esqueda de Zimmerwald (leninista) – diferentemente dos representantes da Liga Spartakus.

Plenamente no sentido leninista, os radicais de esquerda de Brêmen também não entraram no USPD, mas sim lutaram pela fundação de uma partido próprio da esquerda radical.

Esse grupo chamava-se, desde 1918, “Comunistas Internacionais da Alemanha”.

Um terceiro grupo da radical de esquerda situava-se, sob a direção de Julian Borchardt, um grande amigo de Radek, igualmente bem próximo dos bolcheviques.

Esses “Socialistas Internacionais da Alemanha”, como seu órgão “Lichtstrahlen(O Brilho da Luz)” não possuíam, entretanto, nenhuma influência sobre as massas digna de menção.

O próprio Borchadt já havia aderido, na Primeira Conferência de Zimmerwald, a todas as teses leninistas e recusou-se, também, a ingressar no USPD.

A influência de Karl Radek, que já havia atuado na Alemanha antes da guerra,  foi decisiva para o posicionamento pró-leninista de ambos os grupos mencionados por último.

Apesar de todas as reservas de Rosa Luxemburg, a Liga Spartakus fez, a todo tempo, propaganda para os bolcheviques, após a Revolução Russa, pois essa liga situava-se, fundamentalmente, sobre o terreno da Revolução de Outubro(p.13).”[79]

  

No Congresso Fundacional do Partido Comunista da Alemanha(KPD – Liga Spartakus) tomaram parte 100 participantes, dentro os quais 83 delegados eleitos por de 43 localidades.

Na ordem do dia, apresentavam informes Karl Liebknecht, acerca da crise do USPD, Paul Levi, sobre a Assembléia Nacional da República, Rosa Luxemburg, discorrendo sobre o programa e situação política, Hugo Eberlein, sobre a organização do partido, Paul Lange, acerca das lutas econômicas e Hermann Dubcker, tratando das conferências internacionais.

Wilhelm Pieck e Jacob Walcher foram indicados para a Presidência do Congresso.

No quadro de uma missão clandestina em Berlim, Radek veio a tomar parte, em dezembro de 1918, do Congresso de Fundação do Partido Comunista da Alemanha(KPD – Liga Spartakus), sendo que contribui, ativamente, para o aceleramento da decisão fundacional[80].

Com grande entusiasmo, o Congresso Fundacional saudou Karl Radek, que interviu na qualidade de representante do Governo Revolucionário Bolchevique, provocando tempestuosos aplausos.

Radek assinalou, nessa oportunidade, que o novo PCA(KPD) surgiria como um partido débil, porém não mais débil do que o Partido Bolchevique, em abril de 1917.

 

“Para o vosso Congresso, olhamos com grande esperança(p. 18).

Não como se a Revolução Russa se permitisse a ser copiada ...

O caminho da classe trabalhadora será distinto em cada um dos diferentes países(p.31).”[81]    

 

Em seu discurso proferido nesse Congresso Fundacional é plenamente possível identificar-se argumentos sibilinos de Radek no sentido de que um processo revolucionário do proletariado alemão já não se apresentava como iminente, apesar de a revolução mundial caminhar a passos rápidos. Com efeito :

 

“Nada mais provoca um tal entusiasmo junto aos trabalhadores russos do que quando lhe dizemos que o tempo poderá vir em que os trabalhadores alemães serão chamados para ajudá-los e em que vocês terão de lutar com eles no Vale do Ruhr, tal como eles, de nosso lado, nos Urais.

Estamos convencidos de que a revolução mundial virá em passo acelerado, que é mentira ser o bolchevismo a enfermidade dos povos vencidos.

Isso significaria que a classe trabalhadora das nações vitoriosas teria de permanecer escrava para sempre.

Estamos convencidos que a guerra civil internacional libertar-nos-á da luta entre os povos.

Porém, ninguém pode calcular a dinâmica de desenvolvimento.”[82] 

 

Desvendando praticamente o significado enigmático de seu discurso retro-mencionado, Radek opôs-se, logo no mês seguinte, à iniciativa de Karl Liebknecht e Rosa Luxemburg de apoiar a Greve Geral de Janeiro de 1919, com ocupação de prédios (Vorwärts – órgão do SPD -, Diário de Berlim, os conglomerados mediáticos Scherl, Ullstein e Mosse, a Tipografia  Büxenstein e o Escritório de Telégrafo Wolff) e armamento das massas, objetivando à recondução de Emil Eichhorn ao cargo de Presidente do Comissariado de Polícia de Berlim, qualificando-a de putschismo blanquista, por supostamente pretender derrubar imediatamente o Governo de Ebert, Scheidemann e Noske, sustentado pelos Generais Groener, Lequis e von Lüttwitz, destruindo, de um golpe, o Estado Burguês Alemão e edificando uma República Socialista Livre dos Conselhos dos Trabalhadores, mesmo contando com a minoria da classe trabalhadora.

Com efeito, nos primeiros dias desse novo ano, foram os sociais-democratas independentes Bretscheid, Rosenfeld e Hoffman, excluídos, sumariamente, do Governo Imperial Prussiano, comandado pela Social-Democracia Alemã.

Juntamente com esse ato de exclusão, Emil Eichhorn, Presidente do Comissariado de Polícia de Berlim, igualmente adepto dos independentes, foi imediatamente deposto.

Logo a seguir, o Partido Social-Democrático Independente(USPD) e os principais dirigentes do PCA(KPD) conclamaram os trabalhadores berlinenses a mobilizaram-se e deflagarem greve.

Dos protestos operários surgiram embates armados que, embora desaconselhados pelos principais dirigentes do PCA(KPD), não vieram a ser por eles resolutamente condenados e desconvocados. 

Acerca desse evento histórico, Radek assinalou, então, com base em sua acusação de putschismo dirigida não apenas contra Karl Liebknecht, senão apenas contra Rosa Luxemburg :

 

“Em sua Brochura de Programa “O Que Quer a Liga Spartakus ?”, vocês declaram quererem apenas assumir o governo se tiverem atrás de si a maioria da classe trabalhadora.

Esse ponto de vista inteiramente correto encontra sua fundamentação no simples fato de que o Governo dos Trabalhadores sem organização de massas do proletariado é inconcebível. ...

Nessa situação, não se pode pensar absolutamente na tomada do poder pelo proletariado. Se ele caisse nas mãos de vocês, mediante um golpe de Estado, tal governo seria estrangulado e esmagado em alguns dias a partir da província. ...  

A única força de freio que pode impedir essa infelicidade são vocês, o Partido Comunista. Vocês possuem suficientemente visão para saber que a luta não tem perspectiva. Que vocês sabem disso, já me disseram os vossos membros, os companheiros Levi e Dunckers ...

Nada impede o mais fraco de recuar diante de poder superior.

Detivemos, em julho de 1917, as massas com todas as forças, apesar de sermos então mais fortes do que vocês e, onde isso não foi possível, retiramo-las, mediante intervenção abusiva, de uma batalha vindoura sem perspectiva.”[83]

 

A seguir, Karl Radek procurou formular suas acusações de putschismo contra Karl Liebknecht da seguinte forma, mesmo já diante da impossibilidade desse último  esclarecer suas decisões político-revolucionárias[84] :

 

“O Distúrbio de Janeiro foi, sem dúvida, um putsch, uma tentativa de atropelar a burguesia.

A desculpa – não das massas que não precisam se desculpar, pois elas no início da revolução tinham de estar confusas, mas sim a desculpa de dirigentes, como Lebedour e Liebknecht – reside em que o poder da burguesia era ainda extraordinariamente débil, que ela provocava diretamente para um assalto.”[85] 

 

Comentando as posições políticas de Karl Radek, transmitidas apressuradamente a seus mais diversos simpatizantes por meio de cartas, Alfons Paquet, um dos mais renomados poetas alemães, permeado nitidamente pelo espírito democráta-burguês, assinalou acerca da missiva de Radek, que lhe havia sido endereçada em 20 de março de 1919 :

 

“Radek acentuou mais uma vez que, tal como todos os outros, ele esteve contra os Putsches de Janeiro(nos quais ele não desempenhou nenhum papel), pois, segundo ele, “a conquista do poder político é apenas possível, de nosso ponto de vista, se temos a maioria da classe trabalhadora atrás de nós. Isso não tínhamos em janeiro e ainda hoje não o temos.” ...

Recordo-me bem das conversações em Moscou e das declarações da Radek acerca do caráter da Guerra Civil na Alemanha.

Com coração constrito, também eu era da opinião que, na Alemanha, podia chegaria tão longe que regimentos de trabalhadores industriais e regimentos das ligas rurais se entregassem a combates de uns contra os outros. ...

Ao mesmo tempo, em oposição às expectativas sangüinárias produzidas em Moscou, no outono de 1918 e, particularmente, no quadro da irrupção da Revolução Alemã,  também eu era da opinião que a dinâmica da revolução na Alemanha não poderia nem ser acelerada nem atrasada desde fora, sem colocá-la ao máximo em perigo. ...

É possível que também Radek tenha estado contra o ataque, porém vejo nos lutadores implacáveis o precursor natural de uma tática russa não apenas nervosa como também brutal.

Rejeito-a, tal como repudio toda violência e vingança em geral, sendo que não gostaria de ver substituído um militarismo por um outro.”[86]

 

Impactado pela brutal repressão da Greve Geral de Janeiro de 1919, em que os Freikorps ceifaram, sumariamente, as vidas de Karl Liebknecht e Rosa Luxemburg, bem como impressionado pelo Fevereiro da Covardia, em que Leo Jogiches foi assassinado pelas costas sob o pretexto que pretendia escapar de sua prisão, Karl Radek, pretendendo preencher, logo a seguir, o vazio de direção que se produzira no seio do recém-nascido Partido Comunista da Alemanha(KPD), passou a intervir, literariamente, nas discussões sindicais alemães, já mesmo do verão de 1919, quando ainda encontrava-se na prisão de Moabit, em Berlim, gozando de tratamento privilegiado decorrente de seu status de diplomata soviético ucraniano.  

Tendo sido preso em fevereiro de 1919, Radek gozou do benefício de um tratamento privilegiado, por ser considerado pelas autoridades militares alemães como um representante do Estado Soviético Russo.

A partir da prisão de Moabit, Radek logrou tomar parte ativa na reconformação do Partido Comunista da Alemanha(KPD) recentemente decapitado, postulando-se como o melhor especialista bolchevique em matérias concernentes à luta de classes na Alemanha, em um momento inicial em que inexistia um contato direto, regular e orgânico entre os organismos dirigentes revolucionários da URSS e da Alemanha.

Contando com o beneplácito dos Generais Alemães Staff e Ludendorff, de grandes empresários e políticos, como Felix Deutsch e Walther Rathenau, que decidiram poupar-lhe a vida a fim de utilizá-lo como contato entre os interesses do capitalismo alemão e o jovem governo revolucionário de Lenin, Radek entrevistava-se não apenas com esses representantes do imperialismo da Alemanha, senão ainda instruía, em sua vasta e agradável cela de prisão, os principais dirigentes do comunismo alemão, tais como Paul Levi, August Thalheimer e Ruth Fischer.[87]

 

 

Desfrutando de sua qualidade de membro do Comitê Central do PC da URSS e, ao mesmo tempo, de representante do Estado Soviético Russo em uma missão militar e diplomática junto ao Governo Alemão, e, posteriormente, como membro da Presidência do Komintern, ainda que sem exerçer permanentemente as funções de membro do Politburo da PC da URSS, Radek logrou desempenhar um papel de primeiríssima relevância para a definição da nova orientação política a ser observada pelo Partido Comunista da Alemanha(KPD) no ínicio dos anos 20.

Acerca do tema, Trotsky forneceu, precisamente, as seguintes valiosas observações :

 

“Por um certo tempo, Radek foi membro do Comitê Central e, nessa condição, possuiu o Direito de estar presente nas sessões do Politburo.

Por iniciativa de Lenin, as questões sigilosas eram examinadas invariavelmente na ausência de Radek.

Lenin considerava Radek como jornalista, porém, ao mesmo tempo, não suportava sua impulsividade, seu comportamento risível em face de questões sérias, seu cinismo.

É necessário referir aqui a apreciação de Radek, fornecida por Lenin, no VII Congresso do Partido(em 1918), à época das divergências sobre a Paz de Brest-Litovsk.

Por ocasião das palavras de Radek : “Lenin abandona a sala, a fim de ganhar tempo”.

Lenin observou : “- Dirijo-me ao camarada Radek e, aqui, quero registrar que ele consegue dizer, por acaso, uma frase séria.” ... 

E depois, novamente : “Dessa vez, resultou que se recebeu do camarada Radek uma frase inteiramente séria.”

Essas observações repetidas por duas vezes expressam a própria essência da relação para com Radek não apenas por parte do próprio Lenin, senão ainda de seus colaboradores mais próximos.”[88]

 

Quando Radek foi liberado de sua detenção, no fim de 1919, tornou-se Secretário Executivo da Internacional Comunista, de cuja função veio a ser, posteriormente, afastado por defender, no caso do tratamento do Partido Comunista dos Trabalhadores Alemães(KAPD), a orientação política de Paul Levi e do Partido Comunista da Alemanha(KPD), contra o PC da URSS, comandado por Lenin.

É certo que as limitações intelectuais, a típica abordagem jornalística das questões políticas, bem como o método de apreciação impressionista de Karl Radek, eram já bastante conhecidas por Lenin, Sverdlov e Trotsky.  

Ainda que as caracterizações formuladas pelo Politburo da PC da URSS acerca da luta de classe na Alemanha não viessem a se fundar preponderantemente nos relatórios e informes a ele fornecido por Radek, sendo que muitas vezes as propostas desse último não eram aceitas ou substancialmente modificadas, era notório o fato de que Radek lograva, paulatinamente, construir-se como um dos mais importantes dirigentes dos comunistas alemães do início dos anos 20.

Todos os principais dirigentes bolcheviques de então velavam por suas conexões com grupos de comunistas estrangeiros.

Lenin e Zinoviev eram, particularmente, interessados pela Alemanha.

Trotsky era um dos principais especialistas do Politburo da PC da URSS e do Komintern para questões relacionadas com a luta de classes da França e da Espanha.

Rykov, Bukharin e Zinoviev dedicavam-se, além disso, às questões italianas.

A predisposição de Radek em envolver-se nas questões relativas à construção do Partido Comunista da Alemanha(KPD) e dedicar-se à análise da dinâmica da luta de classes revolucionárias da Alemanha, situada no quadro de sua pretensão de ingressar em um importante Politburo a fim de desempenhar um papel de primeira importância na definição dos planos partidários mais decisivos, fazia com que Radek fosse considerado, no início dos anos 20, o membro do Comitê Central do PC da URSS mais profundamente conhecedor do movimento revolucionário da Alemanha e mais bem informado de todos os detalhes da vida política comunista e contra-revolucionária desse país.

Com efeito, fundado na experiência de sua militância na Social-Democracia Alemã, entre os anos de 1908 e 1913, esse último ano em que foi expulso de suas fileiras no quadro de um processo escandaloso, orquestrado por Rosa Luxemburg e Leo Jogiches desde a Social-Democracia Polonesa, Radek voltou a intensificar suas viagens à Alemanha, entre os anos de 1918 e 1921.

Como saldo dessa atividade, resultou que conhecia centenas de militantes alemães pessoalmente, inúmeras cidades e províncias, bem como dispunha do saber relacionado com a elaboração de diversos documentos partidários muito condizentes com a realidade político-institucional desse país.

Aliado desde 1908 com os agrupamentos sociais-democráticos de August Thalheimer, de Göppingen, e de Anton Pannekoek, de Brêmen, Radek possuía, além disso, um núcleo militantes alemães sempre dispostos a fazer publicar suas concepções políticas acerca da dinâmica da revolução socialista internacional, seja nas colunas do Freie Volkszeitung(Gazeta Livre do Povo), de Thalheimer, seja nas páginas do Arbeiterpolitik(Política dos Trabalhadores), de Pannekoek, seja ainda na editora comunista Carl Hoym, de Hamburg.          

Muitos dos trabalhos de Radek, produzidos diretamente em língua alemã, no início dos anos 20, haviam se convertido em manuais para a militância, sendo estudados intensamente e tomados como orientação verdadeiramente bolchevique, em sua direta aplicação na realidade objetiva da luta de classes da Alemanha, como o que adquiriam mais relevância do que os textos produzidos pelos dirigentes alemães de então, como Paul Levi, August Thalheimer, Clara Zetkin, Jacob Walcher, Wilhelm Pieck e Heinrich Brandler.

Depois da morte da velha direção revolucionária alemã de Karl Liebknecht,  Rosa Luxemburg e Leo Jogiches, apesar de suas expressivas diferenças políticas com esses últimos e, no caso de Luxemburg e Jogiches, apesar de suas marcadas disputas pessoais de intrigas e perseguições, Radek conseguiu atrair para sua influência a grande maioria dos dirigentes alemães sobreviventes.  

Todos os principais dirigentes do Partido Comunista da Alemanha(KPD)  passaram, em fins de 1919 e início dos anos 20, a sustentar a direção política de Karl Radek, considerado como o mais legítimo representante do bolchevismo leninista em solo alemão.

Nada obstante, a orientação política de Radek, formulada segundo sua metodologia e concepção próprias, primava, constantemente, por uma tonalidade pessimística, hesitante e cética acerca da possibilidade de desenvolvimento das lutas revolucionárias na Alemanha e, nesse sentido, da capacidade de construção politicamente independente do Partido Comunista da Alemanha(KPD).

Em um primeiro momento, Radek ligou-se, intensamente, a Paul Levi, que assumiu a função de Presidente do PCA(KPD) desde os mêses subseqüentes a morte de Liebknecht e Luxemburg, ocorrida em janeiro de 1919, até fevereiro de 1921, pretendendo persuadí-lo acerca da necessidade de conquistar as massas para a revolução proletária socialista alemã, renunciar às tendências esquerdistas de Liebknecht e seus admiradores, trabalhar mais intensamente nos sindicatos e prestigiar grandiosamente as tribunas eleitorais e parlamentares.        

Já no início de outubro de 1919, em uma sua famosa carta ao II Congresso de Heidelberg e Mannheim, do Partido Comunista da Alemanha(KPD), Radek pronunciava-se da seguinte forma :

 

“Porém, se é uma ilusão oportunista procurar tranqüilamente por vitórias, então é uma ilusão revolucionária pensar em um ascenso linear, em um avanço ininterrupto da revolução.

A revolução mundial é um processo muito lento, durante o qual existirá mais do que uma derrota.

Com efeito, não tenho dúvida de que em todos os países (obs. por consegüinte também na  Rússia Soviética !), o proletariado será forçado a, por diversas vezes, construir sua ditadura e vê-la desabar, até que vença definitivamente.”[89]   

 

Além disso, em sua renomadíssima broschura, redigida especialmente para o congresso em destaque, denominada O Desenvolvimento da Revolução Alemã e as Tarefas do Partido Comunista, Radek assinalou, expressamente, após destacar que o “Distúrbio de Janeiro” havia sido, sem dúvida, um Putsch, i.e. um Golpe de Estado, ou ainda “uma tentativa de atropelar a burguesia” :

 

“Entendemos que o Partido Comunista pode fazer como ponto de partida de sua política a perspectiva de uma próxima onda ascendente da revolução, de um alargamento da revolução mundial. ... 

Não existe a menor dúvida para nós que a burguesia não será capaz de estabilizar sua dominação, por isso rejeitamos a adaptação oportunista ao período de empantanamento.

Porém, é muito provável que a luta revolucionária de massas pela Ditadura Proletária requeira muito tempo.

É preciso investigar os motivos disso, bem como as questões de tática na luta econômica e política que daí decorrem.

A investigação da mecânica dessa luta dará, por si mesmo, a resposta às nossas controvérsias táticas.”[90] 

 

Em sentido lógico-político, Radek estava, já em 1919, profundamente convencido de que, durante um longo período, o Partido Comunista da Alemanha(KPD) não mais poderia fazer senão organizar a vanguarda de lutadores proletários e impulsionar atividades de propaganda, impedindo confrontações das massas sublevadas contra o poder do Estado Burguês Alemão.

Quando essa sua orientação manifestamente cético-pessimística reavivou a defesa de posições abertamente oportunistas por Paul Levi, discípulo inseparavelmente fiel à doutrina teórico-política e partidário-organizativa de Rosa Luxemburg, Radek lançou mão de apreciações entusiasticamente combativas, fundadas nas posições bolcheviques de Lenin, Sverdlov e Trotsky, para polemizar contra Paul Levi acerca do caráter, sentido e significado  das Revoluções Bávara e Húngara, de 1919.

Isso não impediu, entretanto, que Radek e Levi continuassem compartindo a direção do Partido Comunista da Alemanha(KPD) e já em seu balanço histórico acerca dos anos de 1918 e 1919, Radek formulou a seguinte caracterização, formulada em seu discurso proferido junto ao III Congresso Mundial do Komintern, entre 22 de junho e 12 de julho de 1921, sugido  sob o título “O Caminho da Internacional Comunista” :

 

“Em 1918-1919, o partido consistia de diversos milhares de trabalhadores, sendo que o Liga Spartakus tinha o papel de segurar a classe trabalhadora e evitar choques desnecessários.”[91]

 

De maneira cético-jornalística, Radek procurou, em suas publicações e discursos do início dos primeiros anos do anos 20, fundar sua orientação política central para o desenvolvimento das lutas revolucionárias de classes na Alemanha, consistente em demonstrar a impossibilidade de desenvolverem-se as forças do Partido Comunista da Alemanha(KPD) no campo das lutas, dos embates e dos conflitos abertos de classes contra as instituições de exploração e dominação do Estado Burguês, conquistando crescentemente a confiança da classe trabalhadora, hegemônica sobre todas demais massas socialmente oprimidas sob sua direção social e política.

Com efeito, no fundamento de seu marcado tom pessimista, Radek admitia abertamente a possibilidade de a Ditadura Revolucionária do Proletariado, instaurada pela Rússia Soviética, não ser capaz de resistir à ofensiva do capitalismo imperialista mundial.

Em função dessa premissa originária, competiria ao Partido Comunista da Alemanha(KPD), dedicando-se preponderantemente a atividades propagandísticas, atrelar-se, mediado por críticas e denúncias, à dinâmica de luta da Social-Democracia Alemã, como forma de, através de cooperação, infiltração, desintegração e reconsolidação,  arrebatar-lhe a influência sobre as grandes massas proletárias alemães.

Dessa forma, a minoria comunista revolucionária haveria de ser educada de maneira a poder intervir sobre a maioria dos quadros da Social-Democracia, sob pena de permanecer inteiramente isolado no quadro dos eventos políticos subseqüentes.

As atividades dos comunistas haveriam, assim, segundo Radek, de concentrarem-se em uma luta propagandista de defesa do socialismo revolucionário e da Rússia Soviética.

 

 

 

 

 

Nesse contexto, os diversos eventos da luta de classes mundial surgiam interpretados como expressões cabais e confirmatórias dessa abordagem hesitante e pessimista, sendo que a proposta de Radek de luta comum do Partido Comunista da Alemanha(KPD) com o Partido Social-Democrático Alemão(SPD) e as organizações sindicais situadas sob sua órbita de influência, haveria de ser enfocada e compreendida nos termos daquele seu enfoque fundamental, permeado de críticas e denúncias elucidadoras.

No quadro do II Congresso Mundial do Komintern, ocorrido entre 19 de julho e 7 de agosto de 1920, Radek seria, entretanto, afastado de sua função de Secretário Executivo do Komintern, em decorrência de seu posicionamento solidário a Paul Levi, em sua luta contra a admissão do Partido Comunista dos Trabalhadores Alemães(KAPD), de Hermann Goerter, Anton Pannekoek e Marx Hoelz, de linha comunista-esquerdista, como partido simpatizante do Komintern.

Nesse congresso, Karl Radek demonstrava, claramente, sua pretensão de consolidar-se, prioritariamente, junto aos principais dirigentes do Partido Comunista da Alemanha(KPD), votando contra a posição estabelecida forrmalmente pelo PC da URSS, comandado por Lenin.

Entretanto, tal como bem assinalou Clara Zetkin, quando no quadro da Campanha Polonesa de Setembro de 1920, Karl Radek e Paul Levi opuseram-se, decididamente, ao otimismo bolchevique acerca das perspectivas das lutas revolucionárias da Polônia, Lenin foi o primeiro a reconhecer o acerto de caracterização de Radek, qualificado, então, por Lenin, antecipadamente, como “derrotista”[92].   

Nesse sentido, Radek observou, por diversas vezes, valendo-se desse seu acerto de caracterização, para fortalecer suas futuras posições políticas :

 

“Podem surgir também situações nas quais o Comitê Central do Partido tenha de dizer que, no momento, nenhuma crítica é permitida.

Quando sofremos a derrota na Campanha Polonesa, ocorreram, junto à nós, divergências de opiniões muito duras e, apesar disso, nenhum de nós escreveu um artigo acerca do tema.

Aqueles companheiros em posição dirigente que, durante a Campanha, assumiram uma posição crítica – eu estava entre eles – diziam depois da derrota : o mais importante não é, de maneira nenhuma, atestar para a história que eu me encontrava correto em face de outros companheiros.

E, pudemos abrir mão de uma crítica pública, porque todos entendemos os motivos e as causas dos erros, sabendo-os poderá-los.”[93]   

 

Essa ocorrência fortaleceu, inquestionavelmente, os posicionamentos de Radek no interior do Partido Comunista da Alemanha(KPD) e do Komintern, abrindo-lhe caminho para seguir defendo suas concepções fundamentais, de matiz jornalístico-cético.

 

 

 

 

 

Segundo Radek, mesmo o poderoso despregar da energia do proletariado alemão expressado, a seguir, em sua inconstestável vitória sobre o Golpe Militar Contra-Revolucionário de Kapp-von Lüttwitz e as forças dos Freikorps, em março de 1920, forçando um dos mais representativos políticos reformistas do sindicalismo alemão, Carl Legien, a exigir a constituição de um “Governo dos Partidos e dos Sindicatos Operários”, integrado por sociais-democratas independentes e comunistas revolucionários, não modificariam o fato de o Partido Comunista da Alemanha(KPD) sofrer de insuficiência existencial para construir-se independentemente, mesmo tendo-se em conta a circunstância de que tais métodos combativos de rua eram totalmente estranhos à política da Social-Democracia Alemã da época.

A partir dessa premissa político-analítica, Radek opôs-se, acerbamente, a Declaração Oficial de 23 de Março de 1920 do PCA(KPD), firmada pela maioria de seu Comitê Central, que, rejeitando ingressar na formação do Governo de Coalizão dos Trabalhadores, proposto por Carl Legien, assegurava-lhe a prática de uma oposição leal a esse governo, que não culminaria na deflaração de um levante armado para derrubá-lo.

De início, hostil à fusão do Partido Comunista da Alemanha(KPD) com a maioria dos sociais-democratas independentes de esquerda, comandados por Ernst Däumig, Radek passou a apoiá-la, inesperadamente, ao verificar que tanto a maioria da direção do PCA(KPD) quanto a do Komintern sufragavam-na inteiramente[94].    

Com efeito, a ala esquerda social-democrática independente, opondo-se abertamente às posições de Karl Kautsky, Rudolf Hilferding, Wilhelm Dittmann e Artur Crispien, passou, nessa época, a sufragar os 21 Pontos estabelecidos pelo Komintern para ingresso em suas fileiras, entre os quais constatavam a aceitação do princípio do centralismo democrático, a promoção do apoio incondicional a toda e qualquer República dos Conselhos, o acatamento das resoluções dos Congressos e do Executivo do Komintern.

No Congresso Extraordinário dos Sociais-Democratas Independentes, ocorrido de dezembro de 1920, operou-se a já esperada ruptura entre a ala majoritária de esquerda de Däumig(237 delegados) e ala de direita de Hilferding(156 delegados), sob o impacto da intervenção oral de Grigori Zinoviev que dizia : “Vocês têm de decidir claramente em prol do menchevismo ou do bolchevismo !”[95]          

Sendo assim, logo após a fusão da ala esquerda do Partido Social-Democrático Independente da Alemanha(USPD) com o Partido Comunista da Alemanha(KPD), operada entre os dias 4 e 7 do mesmo mês de dezembro de 1920, no quadro do Congresso de Halle, dando nascimento ao Partido Comunista Unificado da Alemanha(VKPD), sob a Presidência de Paul Levi e Ernst Däumig, Radek apreciou a situação política da Alemanha, em seu renomadíssimo livro “Deve o Partido Comunista Unificado da Alemanha ser um Partido de Massas da Ação Revolucionária ou Partido Centrista do Ficar Esperando ?”,  lançando mão dos seguintes termos :

 

“A grande maioria dos trabalhadores alemães encontra-se ainda à direita do Partido Comunista.

É evidente que ela está profundamente insatisfeita com sua situação.

Os trabalhadores dos sociais-democráticos expressam sua disposição nas colunas do “Vorwärts!(Avante!, i.e. o órgão da Social-Democracia Alemã) de modo não diferente que os trabalhadores comunistas fazem-no em sua imprensa.

Porém, essas massas estão convencidas de que a conquista do poder político pela classe trabalhadora é, no momento, impossível, que os proletários são muito fracos para manter o poder conquistado e temem as privações da luta.

Consideram o objetivo comunista, a tomada do poder político, uma utopia e estão dispostas a ingressar na luta apenas em prol dos objetivos mais próximos.

Elas estão repletas de ilusões democráticas.

Eles ainda esperam poder melhorar sua situação sem derrubar a dominação capitalista.

Ao mesmo tempo, entrevêem os comunistas enquanto os rupturistas conscientes do movimento proletário.

Se os comunistas não tivessem rompido o proletariado, se os trabalhadores estivessem de acordo, teriam conquistado a maioria no Governo e tudo estaria bem.

Assim, a insatisfação das massas trabalhadoras situadas à direita volta-se não tanto contra o Governo Capitalista, contra os Independentes, que se esquivam a toda e qualquer luta séria, quanto contra o Partido Comunista, o único representante conseqüente dos interesses de classe do proletariado(p. 21).

Nessa situação, é claro que não podemos contar com movimentos espontâneos desorganizados na Alemanha, a menos que essas massas sejam colocadas em movimento por alguns eventos externos, que as sacudam inteiramente.

Dez milhões de trabalhadores são membros das organizações sindicais livres.

Eles atentam para seus dirigentes, ouvem suas consignas.

A estratégia comunista tem de ser a de convencer essas amplas massas de trabalhadores de que a burocracia sindical e do Partido Social-Democrático não apenas se recusam a lutar pela Ditadura dos Trabalhadores, como também não lutam pelos interesses diários mais básicos da classe trabalhadora(p. 22).

Como poder ser levada essa consciência aos trabalhadores ?

Através do caminho da propaganda.

A propaganda e a agitação devem vincular-se aos processos que se desenrolam diariamente diante dos olhos da massa de trabalhadores(p. 23)”[96]

 

Procurando atenuar o impacto de sua orientação política eminentemente propagandístico-agitativista, cético-jornalística, Radek assinala, imediatamente a seguir, nessa mesma sede, de maneira deslocada, secundarizada, enfraquecida, obscurecida, procurando reequilibrar sua argumentação precendente  :

 

“A principal tarefa dos comunistas consiste, portanto, em conduzir nos sindicatos não apenas propaganda comunista, senão também em demonstrar-se como os mais enérgicos e prudentes lutadores em favor dos interesses diários dos trabalhadores.”[97]

 

De acordo com sua orientação política hesitante-pessimista, lânguido-insegura, tíbia-vacilante, legitimando, implicitamente, até mesmo a possibilidade de a luta dos comunistas revolucionários voltar-se também contra setores burocrático-reformistas e contra-revolucionários que se fundam no proletariado e falam em seu nome, Radek pronunciou-se da seguinte forma acerca de sua Carta Aberta, de 8 de Janeiro de 1921, redigida conjuntamente com Paul Levi, acerca do conteúdo e forma da tática de Frente Única a ser desenvolvida na Alemanha :      

 

“Esses movimentos de pensamento formam o fundamento da posição dos comunistas alemães, desde o momento em que, no verão de 1919, opuseram-se à idéia de sair dos sindicatos.

Essa idéia encontrou sua expressão na tática da Carta Aberta, de janeiro de 1921. 

O Comitê Central do Partido Comunista dirige-se, abertamente, a ambos os partidos sociais-democráticos, ao Partido Comunista dos Trabalhadores da Alemanha (KAPD), à Central Sindical, aos Sindicalistas e aos sindicatos de trabalhadores, com a proposta da luta comum por uma série de necessidades mais candentes e inadiáveis da massa trabalhadora. ...(p. 24)

Nós elaboramos essas táticas no interior de fábricas, sindicatos e cidades singulares, ao longo dos últimos dois anos(p. 25). ...

A tática da Carta Aberta tem por objetivo conduzir a vanguarda do proletariado alemão, os comunistas, a uma ligação mais viva com as massas trabalhadoras atrasadas.

Porém, com isso foi colocada também a questão da relação da vanguarda comunista com as massas trabalhadoras que se movem em direção do comunismo.

Uma vez que a ação, iniciadora da Carta Aberta de 8 de janeiro, precisou de um longo período até que pudesse produzir efeitos, esse problema, situado diante dos olhos,  permaneceu em segundo plano, i.e não foi colocado conscientemente. 

Que ele existia, que uma parte dos companheiros dirigentes ou dele tinha desconhecimento ou o resolvia de maneira equivocada, demonstra-o já o artigo, surgido na “Rote Fahne(Bandeira Vermelha)”, em 8 de janeiro, visando à fundamentação da ação impulsionada.

Esse artigo motivou a ação iniciada de um modo a provocar imediatamente dúvidas em uma série de companheiros mais atentos.

O autor do artigo do artigo (i.e. Paul Levi, em estreita colaboração intelectual com Karl Radek) escreveu :   

« A luta dos comunistas contra outros partidos não deve se tornar jamais uma luta de uma seção do proletariado contra outra. »(p. 33).”[98]

 

 

 

 

Procurando, então, enfraquecer, a dimensão dessa sua orientação política acerca da Frente Única, formulada originalmente em conjunto com Paul Levi, Radek procura esclarecer, a seguir, nessa sua mesma renomadíssima obra em destaque, intitulada “Deve o Partido Comunista Unificado da Alemanha ser um Partido