PRODUÇÕES LITERÁRIAS DEDICADAS À FORMAÇÃO
DE REVOLUCIONÁRIOS MARXISTAS QUE ATUAM NO DOMÍNIO DO
DIREITO, DO ESTADO E DA JUSTIÇA DE CLASSE
REFLEXÕES SOBRE A LUTA
CONTRA O FRENTEPOPULISMO CONTEMPORÂNEO
A
Orientação Política Radek-Brandler
Acerca
da Frente Única e do Governo dos Trabalhadores
Nas
Lutas Revolucionárias do Início dos Anos 20
Até a
Derrota do Proletariado Alemão de 1923
A
Suposta Luta Contra o Sectarismo Ultra-Esquerdista e o Centrismo Oportunista
Visando
à Organização da Prostração Frentista, Disfarçada com Críticas e Denúncias,
Na
Capitulação Diante das Forças Reformistas da Social-Democracia Alemã
À trabalhadora da costura e mãe lutadora incansável,
Helena R.G., falecida em 31 de maio de 2001 no Rio de Janeiro,
em saudação e memória.
EMIL
ASTURIG VON MÜNCHEN
PORTAU
SCHMIDT VON KÖLN
Para Palestras,
Cursos e Publicações sobre o Tema em Destaque
Contatar emilvonmuenchen@web.de
Junho de 2001
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Geral
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EDITORA DA UNIVERSIDADE
COMUNISTA SVERDLOV
PARA A ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO
MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA DO PROLETARIADO
MOSCOU - SÃO PAULO - MUNIQUE –
PARIS
FEVEREIRO DE 2002
ÍNDICE
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO I
Percurso
Político de Karl Radek Até o Início dos Anos 20
CAPÍTULO II
Karl Radek Nos
Primeiros Anos Posteriores à Fundação do PCA (KPD) e a Greve Geral Sangrenta de
1919:
A Gênese
Histórica da Tática de Frente Única
CAPÍTULO III
Frente Única e
Governos dos Trabalhadores na Versão Radek-Brandler:
Seu Sentido e
Significado Históricos para a Grande Derrota do Proletariado Internacional de
1923
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
ARTIGOS E
DOCUMENTOS
INTRODUÇÃO
“Companheiros,
se muitos acreditam que isso se trata de um giro à direita,
porque, de um lado, combate-se os oportunistas,
e, de outro, fala-se dos erros que fazem os bons elementos de esquerda,
então não se trata de um engano.
Os bons elementos de esquerda não estão à nossa esquerda.
À esquerda, estão aqueles que, na Internacional Comunista,
preparam-se para poder travar suas lutas.
Quem os impede com teorias oportunistas de se prepararem para a luta,
estão à direita. Quem os impede de as vencer exitosamente,
tendo muito pouco em conta a realidade da luta,
quem não tem julgamento visual
acerca da necessidade de preparação para elas,
não é um oportunista,
mas sim um inoportunista.
Ele não vê o que é oportuno e necessário ..”[1]
O balanço histórico
sobre o processo revoucionário na Alemanha do século XIX e XX é extremamente
complexo e não há ainda lições muito claras a estudar e a ensinar
categoricamente, já que, nesse terreno, domina a histografia de frações
burguesas e pequeno-burguesas, revisionistas, stalinistas e até mesmo não
conseqüentemente leninistas.
Pois, se reina
acordo quanto ao fato de que a Social-Democracia Alemã superara o
desafio da ilegalidade, expressado pela Lei Contra os Socialistas de Bismarck,
o Partido já se encontrava, segundo Marx e Engels, seriamente
degenerado, em sentido teórico e programático, mesmo na década de 70 do século
XIX, por capitular crescentemente ao
lassalleanismo.
Poucos
reconheciam isso, porque a Social-Democracia Alemã crescia
quantitativamente, e, daí, fechavam os ouvidos aos posicionamentos de Marx
e Engels que destacavam sua decadência qualitativa, em termos
proletário-revolucionários, agravada a partir das negociações do Programa
de Gotha, de 1875. Costuma-se contemplar, superficialmente, August
Bebel e Wilhelm Liebknecht como os grandes organizadores numéricos da Social-Democracia
Alemã, deixando-se de destacar que o Partido havia, simplesmente,
inchado, tornado-se incapaz de lutar, revolucionariamente, nos anos 90 do
século XIX, devido ao crescente oportunismo teórico e programático, fomentado
pelos próprios August Bebel e Wilhelm Liebknecht. Além disso, é de praxe
criticar o reformismo de Eduard Bernstein e pouco se destaca
o oportunismo de August Bebel em sua colaboração militante com Friedrich
Ebert, a partir de 1905.
Entre 1871 e
1918, a Prússia, assumindo a forma estatal de Império Alemão, havia-se
tornado a grande nação imperialista da Europa Continental que derrotara,
militarmente, a Áustria e a França, esmagara a insurreição da
Comuna de Paris, ampliara suas colônias desde a China (Shantong)
até a África.
A I
Guerra Mundial imprimiu uma “derrota técnica” ao imperialism
alemão que capitulara, sem que nenhum soldado da Entente Franco-Britânico-Estadounidense
houvesse invadido o seu solo, sem que a retirada de suas tropas dos
territórios ainda ocupados na Europa se desse de modo desordenado,
sem que o Comando Supremo de suas Forças Militares – composto por Paul
von Hindenburg e Erich Ludendorff – houvesse sido
aniquilado ou, ao menos, encarcerado.
Após a Revolução
de 9 de Novembro de 1918, impulsionada pela
insurreição dos trabalhadores, soldados e marinheiros alemães amotinados,
formou-se um Governo de Coalizão, composto pela Social-Democracia Patriótica,
encabeçada por Ebert, Scheidemann e Landsberg, e pela Social-Democracia Independente e
Pacifista, dirigida por Hugo Haase, Wilhelm Dittman e Emil Barth.
Perante o público, apoiaram-se, de início, em
10 de novembro, sobre a Assembléia Geral dos Conselhos de
Trabalhadores e Soldados, representante de todos os conselhos do Império
Alemão.
Porém, no mesmo
dia, surgia o Pacto Militarista selado entre o SPD, comandado com Friedrich
Ebert, e o Alto Comando do Exército Imperial, dirigido, agora, pelo General
Wilhelm Groener, visando, sobretudo, a preservar a estrutura hierárquica
das forças armadas imperiais, manter o velho aparato militarista do Estado,
reconstruir o imperialismo alemão, proteger o novo Estado contra a “Revolução
Bolchevique” e seus representantes imaginários na Alemanha, i.e. os spartakistas,
dirigidos por Karl Liebknecht e Rosa Luxemburg.
Diretamente
interessados no Pacto Ebert-Groener estavam, além disso, os grandes
capitalistas alemães Siemens, Stinnes, Borsig e outros.
Esse contexto
favorecera imensamente a difusão da “Lenda da Punhalada pelas Costas
(Dolchstoßlegende)”, criada pelos Generais von Hindenburg e Ludendorff e
defendida pelo Comando Supremo do Exército Imperial, segundo a qual os únicos
culpados pela derrota da Alemanha na I Guerra Mundial teriam
sido os socialistas de todos os gêneros que insuflavam as massas para a
revolução, os social-democratas, sim, mas, particularmente, os marxistas
de todos os gêneros e, sobretudo, os bolcheviques e, por essa
via, os judeus, responsáveis pela conspiração internacional judia, em
uma palavra: todos os criminosos da Revolução de Novembro
(Novemberverbrecher), que assinaram a Paz de Versalhes, em 11
de novembro de 1918, “sem que os últimos meios de resistência
estivessem esgotados” …
Aos “criminosos
de novembro” não cumpriria conceder tréguas: caberia responder com os
métodos mais impiedosos e implacáveis do imperialismo alemão, tão bem demonstrado
no massacre da Comuna de Paris, comandado pelo Chanceler de Ferro, Otto von
Bismarck.
Valeria esmagar
os marxistas
revolucionários,
valendo-se, de início, da Social-Democracia Patriótica de Ebert e
Scheidemann, para, depois do esmagamento daqueles, destroçar também
estes, de modo a acertar contas com todos os que supostamente “apunhalaram
e espetaram pelas costas o sagrado Exército imperial, o Siegfried alemão, a
cada momento em que combatia no fronte.”
Tanto pior eram
as palavras de Friedrich Ebert que saudava os soldados imperiais que
retornavam do fronte, em 1918, proclamando que não haviam sido derrotados nos
campos de batalha (“im Felde unbesiegt”), ou mesmo de Konrad
Adenauer, do Partido do Centro cristão-democrata
burguês, que afirmava que o Exército Imperial regressava
ser ter sido vencido sem, ter sido derrotado, (“nicht besiegt und nicht
geschlagen in die Heimat zurück”).
A “punhalada”
(Dolchstoß) haveria sido desferida no interior do país, convulsionado pelos
insurgentes
marxistas…, pela mão do judeu bolchevique …
No período da I
Guerra Mundial e imediatamente depois dela, em face da crise do Imperialismo
Alemão e seu ímpeto selvagem de reorganização, alimentado pela “Lenda
da Punhalada nas Costas (Dolchstoßlegende)”, os mais complexos
problemas surgidos no interior das filerias dos revolucionários alemães
advinham das visões da águia Rosa Luxemburg sobre a questão
organizativa e seu revisionismo teórico do marxismo,
permanecendo em descompasso com a nova idade do imperialismo, fase superior do capitalismo.
De modo nenhum,
emergiam do que se alega pudesse ser o “putschismo” de Karl Liebknecht, aliás o que
nunca foi efetivamente provado, pois as acusações de tentativa de derrubada
imediata do governo de Ebert, Scheidemann e Noske, aliado
dos Generais
Groener, Lequis e von Lüttwitz, em Janeiro de 1919, mediante
insurreição armada, acusações essas dirigidas sobretudo contra Karl
Liebknecht, partem, majoritariamente, entre as fileiras da esquerda, de
Paul
Levi e luxemburguistas e também de Radek, Brandler e Richard Müller, e,
d’entre as fileiras burguesas, do habermasiano Heinrich August Winkler.
Um elemento de
complicação nessa equação da luta de classes na Alemanha era, sem
dúvida, o fato que a III Internacional não se encontrava
nem sequer fundada, no período que se estende de novembro de 1918 e janeiro de
1919.
Depois da morte de Rosa Luxemburg, Lenin
assinalou, em 1920, em tom de síntese:
“Rosa equivocou-se na questão da independência
da Polônia.
Ela equivocou-se, em 1903, na apreciação do
menchevismo.
Equivocou-se quando, em julho de 1914, ao lado
de Plekhanov, Vandervelde, Kautsky, entre outros, aspirou à unificação dos
bolcheviques com os mencheviques.
Ela equivocou-se em suas anotações do cárcere
de 1918 (nesse sentido, corrigiu grande parte de seus erros, depois de
abandonar o cárcere, no fim de 1918 e no início de 1919).
Porém, apesar de todos os seus erros, Rosa foi
e permanece sendo uma águia.”[2]
Mas, a Greve Geral de Janeiro de 1919, com ocupação de prédios (Vorwärts –
órgão do SPD -, Diário de Berlim, os conglomerados mediáticos Scherl, Ullstein
e Mosse, a Tipografia Büxenstein e o Escritório de Telégrafo Wolff) e com
armamento das massas, objetivando à recondução de Emil Eichhorn ao cargo de
Presidente
do Comissariado de Polícia de Berlim, entrou na historiografia burguesa
e mesmo de boa parte da esquerda revisionista como a “Insurreição de Spartakus” ou o
“Levante de Spartakus”.
Nesse contexto, sobretudo Karl Liebknecht teria pretendido empreender
um putschismo
blanquista, supostamente destinado a derrubar imediatamente o Governo
de Ebert,
Scheidemann e Noske, sustentado pelos Generais Groener, Lequis e von
Lüttwitz, destruindo, de um golpe, o Estado Burguês Alemão e
edificando uma República Socialista Livre dos Conselhos dos Trabalhadores,
mesmo contando com a minoria da classe trabalhadora.
Nesse contexto, teriam os companheiros de Karl Liebknecht do KPD
Sparktakista, Rosa Luxemburg, Paul Levi, Leo Jogliches
permanecido dotados de bom senso contra o putschismo de Karl Liebknecht,
quando se posicionaram e votaram contra uma resolução de derrubar o Governo
do SPD, aliado ao Generalato Imperarlista Alemão.
Diz a lenda popular que Karl Liebknecht teria assinado,
juntamente com Georg Lebedour (USPD) e Paul Scholze (Revolutionäre
Obleute), em uma “Junta Revolucionária (Revolutionsausschuss)”, já em 4 de
janeiro (!), no mesmo dia em que Emil Eichhorn, um membro do USPD,
foi deposto da Presidência do Comissariado de Polícia de Berlim, uma “declaração”(!),
defendendo a derrubada imediata do Governo Ebert e Scheidemann.
Outras voces afirmam que Karl Liebknecht,
entusiasmado pelas manifestações de rua de 5 de janeiro de 1919, teria,
juntamente com Lebedour e Scholze, votado, “na seqüência”,
embriagado pela pressão dos acontecimentos, uma efêmera “resolução”(!), em um
organismo comum de três organizações, contando com 33 membros e um “secretariado”(!)
de três dirigentes, clamando pela derrubada do Governo Ebert e Scheidemann
– “a
qual não teve maiores desdobramentos(!)”.
Outros acentuam que, em 6 de janeiro, a “Junta
Revolucionária (Revolutionsausschuss)”, buscando cooptar as tropas
imperiais alemães, declarou, ao sessionar no próprio Parlamento Imperial (Reichstag),
o Governo
Ebert e Scheidemann como já derrubado
(“abgesetzt”), o que teria sido comunicado à população mediante
panfleto, cujo responsável seria, “como de costume (wie üblich)”, Karl
Liebknecht e Wilhelm Pieck, membro da direção do KPD Spartakista.
Outros, por fim, alegam que Karl Liebknecht teria
votado uma “resolução” (!) de derrubada depois da Greve Geral de 7 de Janeiro,
clamando por invadir, com armas em punho, a Chancelaria do Império de Ebert,
situado na Wilhelmstraße 77, antigo Palácio do Príncipe Anton Radziwill,
bairro de Kreuzberg.
Ora, é importante destacar que mesmo a Greve
Geral de Janeiro de 1919 não foi, absolutamente, planejada,
desencadeada ou dirigida pelo KPD Spartakista, senão um produto
da manifestação
de massas, com ocupação de prédios que ocorrera em
5 de janeiro de 1919, sob convocação da Presidência da Social-Democracia
Independente (USPD) da cidade de Berlim, em colaboração
com maioria dos delegados sindicais
independentes revolucionários (revolutionäre Obleute), ligados
estes ao USPD, na base do movimento operário berlinense, objetivando a impedir a demissão de Emil
Eichhorn do cargo de Presidente do Comissariado de Polícia de
Berlim, ordenada em 4 de janeiro de 1919 pelo Governo de Ebert, Scheidemann e Noske.
Estas foram as forças que, em verdade, dirigiram as
manifestações de massas e a Greve Geral de Janeiro de 1919,
sobre a qual Karl Liebknecht, Rosa Luxemburg e o KPD Spartakista incidiam, em condição de absoluta
minoria.
O próprio USPD de Georg Lebedour, Hugo Haase,
Wilhelm Dittman, Emil Barth – tal quais os spartakistas, saído bem
derrotado do Congresso do Império dos Conselhos de Trabalhadores e Soldados
(Reichskongress der Arbeiter- und Soldatenräte) de 16 a 21 de dezembro de 1918 que,
por 400
a 50, posicionou-se, em favor, da imediata convocação de eleições para uma Assembléia
Nacional Constituinte, a realizar-se em 19 de janeiro de 1919, bem como
por 344
votos a 98, a rejeição categórica da convocação imediata de um novo Congresso
dos Conselhos - encontrando-se também em
esmagadora minoria no movimento operário alemão, procurava reconquistar
suas posições perdidas no quadro de seu projeto de Governo Frente
Popular, formado com o SPD de Ebert e Scheidemann, em 9
de novembro de 1918, e imerso em crise, depois de o USPD ter
abandonado o Conselho dos Comissários do Povo (Rat der
Volksbeauftragten), em 28 de dezembro de 1918, em virtude da repressão
militar dos protestos da Divisão de Marinha do Povo
(Volksmarinendivision), promovida pelo Pacto Ebert-Groener,
durante o transcurso das Festas de Natal de 1918.
O próprio USPD não possuía sérias ambições de
derrubar o Governo: era, por princípio, pacifista e defendia uma estratégia
frentepopulista, estando disposto a colaborar com o social-patriotismo
de Ebert e Scheidemann – que sabia pactuar com o Generalato Imperialista Alemão
-, desde que não houvesse esmagamento de massas. Era seu projeto político cavalgar
as lutas das massas, desde que necessárias para imprimir mais impulso à
sua perspectiva de fazer instaurar em solo alemão uma “República dos Conselhos”
e a “Democratização
das Forças Armadas Imperialistas.”
Karl
Liebknecht – enquanto o mais
prestigiado quadro político do KPD Spartakista – veio a declarar,
publicamente, na noite de 5 de janeiro, seu apoio às todas as lutas e
mobilizações sociais das massas berlinenses - ademais sustentadas também por Rosa
Luxemburg e demais membros do KPD Spartakista - e, assim, passou a tomar parte no então formado Comando de Greve (Streikleitung),
composto por 53 destacados militantes, funcionando em Marstall,
o qual entraria para a historiografia dominante como a “Junta Revolucionária (Revolutionsauschuss)”.
Em essência, o Comando
de Greve de Janeiro de 1919 – Georg Lebedour, Paul Scholze e Karl
Liebknecht - expressava a
composição dirigente da antiga Junta Executiva do Conselho de Trabalhadores
e Soldados da Grande Berlim (Vollzugsrat des Arbeiter- und Soldatenrates
Groß-Berlin), surgida em outubro de 1918, e não era, em verdade, alheia
às visões de planejamento consciente de ações revolucionárias e insurreições em
Berlim, pois que já rompera com a velha concepção predominante no SPD
de que o capitalismo e o seu Estado se desagregam e desabam por si mesmos, não
devendo ser destroçados pela derrubada planejada do proletariado
revolucionário.
Porém, de 5 para 6
de janeiro, no quadro das mobilizações de massas, o que, de fato, ocorreu foi a
ocupação de vários prédios relacionados com a imprensa berlinense (Vorwärts – órgão do SPD -,
Diário de Berlim, os conglomerados mediáticos Scherl, Ullstein e Mosse, a
Tipografia Büxenstein e o Escritório de Telégrafo Wolff). Em vez do Vorwärts, jornal do SPD
que publicará a demissão de Emil Eichhorn, passou a circular o Revolutionäre Vorwärts, sob
a redação de Eugen Leviné, Wolfgang Fernbach e Werner
Möller, contando com o apoio dos operários da Knorr-Bremse, AEG e Schwarzkopff.
A seguir, a Greve
Geral, convocada para 7 de janeiro de 1919, foi, freneticamente,
sustentada por mais 500 mil berlinenses que ocuparam as ruas e as praças da
capital, clamando, até 9 de janeiro, pelo desarmamento das tropas estacionadas
na cidade, ao mesmo tempo em que os ocupantes dos prédios armavam-se, para
eventual defesa contra a repressão. Dos depósitos do Estado de Spandau
e Wittenau, distribuiram-se armas a cerca de 3.000 pessoas, diante do Comissariado
de Polícia de Emil Eichhorn.
De toda sorte, não
se registrou a passagem de tropas imperiais berlinenses para as fileiras dos
grevistas, bem como resultou que a Divisão de Marinha do Povo (Volksmarinedivision)
declarara sua neutralidade, a despeito das mobilizações de massas.
De 9 a 11 de
janeiro, em um momento de descenso do movimento grevista e estagnação na
dinâmica da ocupação de prédios, tomados como escudos proterores, passaram,
porém, a manifestarem-se claros desacordos internos no Comando de Greve (Streikleitung),
cujo conteúdo não se encontra, historicamente, bem comprovado, nos documentos
historiográficos alemães.
De um lado, parece
claro que estariam os adeptos de Georg Lebedour (USPD), defendendo a
retomada de negociações com o Governo de Ebert e o Generalato
Imperialista Alemão – as quais já haviam sido supostamente iniciadas
mesmo em 6 de janeiro - , d’outro, os adeptos de Karl
Liebknecht que, supostamente, segundo se conta, teriam defendido –
contra a posição de Rosa Luxemburg e Leo Jogliches – uma absurda tentativa de
assaltar, com armas na mão, o prédio de Ebert, Scheidemann e do Conselho dos
Comissários do Povo (Rat der Volksbeauftragten), o que implicaria, na
prática, dispor de tropas revolucionárias proletárias móveis, inexistentes
naqueles dias, que percorressem quilômetros de Spandau, da Jerusalemstraße,
da Zimmerstraße
e da Kochstraße até a sede de Governo de Ebert, Scheidemann e Noske,
na Chancelaria
do Governo, em Kreuzberg, passando de uma situação
já defensiva e estagnada das ocupações para uma impossível ofensiva extrema de ataque
arriscado, sendo capaz de desferir golpes militares.
No entanto, em 8 de
janeiro, é consenso afirmar que Liebknecht e o KPD Spartakista já
haviam decidido abandonar o Comando de Greve (Streikleitung),
devido a terem descoberto que Lebedour e o USPD negociavam, em
suas costas, uma trégua com o Governo de Ebert e Scheidemann.
Era evidente que Karl
Liebknecht sabia que se encontrava em absoluta minoria no Comando
de Greve (Streikleitung). Como poderia, naquelas circustâncias, então, o
revolucionário tão experiente que era pretender postular a deflagração de um “putsch”
contra Ebert e Scheidemann?
Além disso, haviam
fracassado, até mesmo em 8 de janeiro, as tentativas de arrastar para a Greve
Geral os marinheiros da Divisão de Marinha do Povo
(Volksmarinedivision) e, desde esse dia, as tropas e os paramilitares
de Ebert
proclamavam o lema de que: “a hora do acerto de contas se
aproximava!”(Die Stunde der Abrechnung naht!).
Como planejar a
derrubada imediata de um governo, quando a tarefa essencial do momento era a de
defesa?
Tratava-se, como se
dizia, de assegurar a tarefa de lutar contra a “traição de Judas no Governo” (“Kampf
gegen die Judasse in der Regierung”), contra as tropas que estavam
sendo financiadas pelo industrial Heinrich Sklarz e deslocadas por Nokse
e Reinhardt para o centro de Berlim, com as ostensivas conclamações dos
jornais burgueses à população para que integrasse as fileiras paramilitares dos
Freikorps,
ali mesmo no Café Vaterland, na Praça de Potsdam, como se depreende
dos tantos panfletos operários publicados à época em Berlim.
Todos sabiam que a “Liga
Anti-Bolchevique” de Eduard Stadler e Waldemar Pabst –
que, entre 9 e 15 de janeiro, participara da execução sumária de Liebknecht
e Luxemburg, bem como do massacre de cerca de 170 pessoas (anote-se que
a Greve
de Março de 1919 custou a vida de mais de 1.000 pessoas) -, encontrava-se
enriquecendo-se com as doações dos grandes capitalistas Siemens, Stinnes, Borsig, repassadas
aos Freikorps,
armados com lança-chamas, metralhadoras e artilharia pesada.
Em 9, quando as
tropas imperiais, as Guardas Brancas e os Freikorps
avançaram, o Comando de Greve (Streikleitung) não clamou pela derrubada do
governo, senão para que se utilizasse as armas “contra vossos inimigos
mortais”(Gebraucht die Waffen gegen Eure Todfeinde!).
Em verdade, toda e
qualquer análise rigorosamente fundada, sob o ângulo dialético-materialista –
i.e. não oportunisticamente social-filistino -, acerca do perfil revolucionário
de Karl
Liebknecht há de iniciar-se, sempre e invariavelmente, com o preclaro e
lapidar parecer expendido por Lenin sobre um dos mais destemidos
lutadores revolucionários de vanguarda que o proletariado internacional
conheceu.
Em sua carta dirigida aos trabalhadores da Europa
e dos EUA, Lenin escreveu da seguinte maneira:
“Karl Liebknecht
: esse nome é conhecido pelos trabalhadores de todos os países.
Por todos os lados ..., esse nome é símbolo da devoção de
um dirigente em prol dos interesses do proletariado, da fidelidade à revolução
socialista.
Esse nome é o símbolo da luta realmente verdadeira,
realmente sacrificante, incomplacente, contra o capitalismo.
Esse nome é o símbolo da luta inconciliável contra o
imperialismo, não em palavras, senão em ações, símbolo de uma luta que é
disposta ao sacrifício precisamente quando a “própria” nação é envolvida pelo
delírio de vitórias imperialistas.”[3]
O luxemburguismo,
a seguir desenvolvido por Paul Levi representou uma forma
alienada de representações das idéias de Rosa e sua cristalização
anti-leninista, o que ficou, em 1921, meridianamente evidenciado com as tomadas
de posições declaradas de Levi, culminando em sua expulsão da III
Internacional, em um momento em que Lenin, Trotsky e Zinoviev
a dirigiam. Depois disso, em 1922, Levi regressou… à II
Internacional.
As apreciações
de Rosa,
Levi, Radek e, mais modernamente, Pierre Broué (e, por essa via, Grant
e Woods) dominam, hoje, o tema e devem ser vistas com reservas. São
contraditórias e representam visões equivocadas sobre o desenvolvimento do
processo revolucionário da Alemanha.
As escassas
análises de Lenin e Trotsky e mesmo da III Internacional sobre o processo
revolucionário alemão de novembro de 1918 a janeiro de 1919 quase nunca são
investigadas e citadas, o que abre ainda mais espaço ao luxemburguismo e sua
suposta correção no tratamento das revoluções e o projeto de “socialismo
democrático”, nos termos da obra clássica de Rosa Luxemburg, de 1918: Sobre
a Revolução Russa. Essa historiografia dominou e ainda domina a
esquerda, depois da stalinização da União Soviética, tendo-se tornado a
base ideológica de inúmeros partidos da esquerda alegadamente democrática,
reformista, oportunista e liquidacionista, que evitam o bolchevismo,
valorizando a suposta posição “alternativa” de organização e moderação de Rosa
Luxemburg.
Mas, certo é que
nem Lenin,
nem Sverdlov,
nem Trotsky,
jamais se pôs a afirmar que Karl Liebknecht pretendera derrubar
imediatamente o governo de Ebert, Scheidemann e Noske,
sustentado pelos Generais Groener, Lequis e von Lüttwitz e pelas unidades
paramilitares dos Freikorps, em Janeiro de 1919 ou coisa do gênero.
Não lhe censuraram ou o corrigiram por ter sido um “putschista” aventureiro
e querer imediatamente derrubar o governo, em meio à sua visível minoria, no
seio da classe trabalhadora alemã.
Ainda no quadro
histórico do ascenso insurrecional espontâneo das massas trabalhadoras,
soldados e marinheiros de Berlim, provocado pela conclamação de Greve
Geral de Janeiro de 1919, Karl Liebknecht escreveu, em 23 de
dezembro 1918, demonstrando ter clareza do que pretendia e do que acusavam os
spartakistas:
“Agora, atacam
os spartakistas com todos os meios imagináveis. A imprensa da burguesia e dos
social-patriotas, do Vorwärts (Avante) ao Kreuz-Zeitung (Jornal da Cruz),
debordando com mentiras aventureiras, exagerando com as mais insolentes
distorsões, deformações e injúrias. O que é que nos lançam na cara de todas as
maneiras? Que proclamamos o terror; Que queremos desencadear a mais sanguinolenta
das guerras civis; Que nos equipamos com armas e munições, preparando-nos para
uma insurreição armada. Em uma palavra: que somos os mais perigosos e
inescrupulosos cães sangrentos do mundo. Essas mentiras são fáceis de
compreender.”[4]
Diferentemente
das Jornadas
de Julho de 1917 na Rússia – e das posições de Podvoisky,
Nevsky, Volodarsky e da Organização Militar Bolchevique em Petrogrado
(antagonizadas por Trotsky, Zinoviev e Kamenev) – certo é que Karl Liebknecht não
propôs, na semana de 4 Janeiro de 1919, retomar sequer a
cosigna “Todo Poder aos Conselhos de Trabalhadores” – que aparecera em
dezembro de 1918, por ocasião do Congresso dos Conselhos de Fábrica,
cuja vitória coube ao SPD de Ebert e Scheideman.
Em Janeiro
de 1919, o intuito de Karl Liebknecht não era
absolutamente derrubar o governo, mas sim mobilizar permanentemente as massas,
inclusive armando-as ainda mais – o que era a regra naquele período posterior à
derrota da I Guerra Mundial, com ruas tomadas por soldados da Divisão
da Marinha do Povo (Volksmarinedivision), delegados sindicais
revolucionários independentes, eleitos por conselhos de fábrica (revolutionäre
Obleute), presididos por Paul Scholze, militantes da
Social-Democracia Independente (USPD) e do comunistas-spartakistas (KPD)
-, ocupando prédios públicos, e, por essa via, reverter, no curto
prazo, a demissão do Presidente do Comissariado de Polícia de
Berlim, Emil Eichhorn.
Seu método era o
seguinte: acreditava que as massas trabalhadoras, soldados e marinheiros,
sobretudo através das lutas, das greves gerais, avançariam em sua consciência
política, arrastando, finalmente, para o campo dos revolucionários a tão
esperada maioria. Esta seria a précondição para a tomada consciente do poder.
Sua grande debilidade era a questão organizativa, presidida pela visão de Rosa
Luxemburg.
Mas, a Greve
Geral de Janeiro de 1919 foi reprimida brutalmente pelo Governo
Ebert e Scheidemann, através de combates armados. Um novo capítulo da
luta de classes se abrira, pois, diferentemente, das Jornadas de Julho de 1917 –
em que dirigentes das lutas proletárias – como Trotsky, Lunatcharky e Zinoviev
- foram encarcerados e depois simplemente liberados -, o Janeiro de 1919 na Alemanha
foi o início de uma barbárie no centro do capitalismo avançado europeu: os
dirigentes não eram presos e soltos, eram executados sumariamente. Pelas suas
cabeças ofereciam-se recompensas milionárias.
Lenin sabia que o bolchevismo revolucionário tinha de
chegar à Alemanha para que fosse possível vencer e que Karl
Liebknecht – depois deste, Mehring – era precisamente o
dirigente que mais ansiava por implantá-lo. A resistência mais encarnecida e
insuperável, no interior das fileiras dos revolucionários alemães contra o
bolchevismo, provinha de Rosa Luxemburg, Leo Jogliches, Paul Levi e
seus aliados, destacadíssimos dirigentes do marxismo revolucionário alemão.
Depois da morte
de Karl
Liebknecht, Luxemburg e Jogliches, procurou Radek, desonestamente, a
fim de surgir como o grande representante da III Internacional na Alemanha, “provar”
que putschistas eram não apenas Liebknecht e seus seguidores, mas
também Rosa Luxemburg e Jogliches, por que haviam participado do
projeto de levante, concordando com ele ou não.
Uma crítica
justa sobre Karl Liebknecht deveria referir-se muito mais ao seu
revisionismo teórico, no campo da economia política, não ao fato de poder ser
acusado de putschista, tal quais quiseram Radek, Levi e o luxemburguismo.[5]
Por fim,
cumpriria frisar que não foi o “putschismo” ou a “estratégia
da ofensiva” – tal como diz a lenda de Levi, Däumig, luxemburguistas,
Brandler, Radek etc. - que destruiu o KPD alemão: pelo
contrário, enquanto o Partido lutava, apesar de todos os erros de
caracterização, atraia mais lutadores combativos para suas fileiras. Em fins de
1920, toda a ala esquerda do USPD ingressou no KPD.
Emil
Eichhorn foi eleito pelo
KPD
repeditamente Deputado no Parlamento Alemão, até 1924, apesar de, contra ele,
circular, desde janeiro de 1919, um mandato de prisão. Nos
entreatos das eleições parlamentares, voltava à clandestinidade. Novamente
eleito, gozando de imunidade parlamentar, voltava à cena pública. Morreu em julho de 1925.
O KPD foi destruido, paulatinamente, a
passo e passo, pelo stalinismo, a partir de 1924, tendo sido a direção Radek-Brandler
o veículo de transmissão intermediária dessa transformação gradativa. Em suma,
foram as capitulações, a parálise, a falta de luta e impulso combativo, o
oportunismo do bloco do Plebiscito Vermelho KPD-Nazistas,
que apodreceu o projeto de Partido marxista-revolucionário alemão, levando a
que, em 1933, com a chegada de Hitler ao poder, o KPD
permancesse inteiramente paralisado, não ousando nem sequer convocar uma Greve
Geral.
Por tudo isso,
creio que a questão da experiência alemã deveria ser examinada mais
profundamente, mesmo sabendo que, dessa experiência histórica, pouco pode ser
extraído positiva e categoricamente, senão apenas contraditoria e
exortativamente, sendo o mais importante contrastar as posições equivocadas de Rosa
em relação à questão da organização do Partido marxista-revolucionário, visando
corrigí-las.
O presente estudo tem por objetivo apresentar considerações acerca da
orientação política Radek-Brandler, dinamizada, a partir do início dos anos 20, no
interior da Internacional Comunista(Komintern) e do Partido Comunista da
Alemanha(KPD), até a grande derrota da Revolução Alemã de 1923.
No quadrante desses anos históricos, os candentes debates sobre a
surpreendente conversão do status econômico-político da Alemanha capitalista
imperialista à condição de uma “grande colônia” da França, bem
como os esforços dedicados a precisar a definição e aplicação da tática de Frente
Única Proletária, das consignas de Governo dos Trabalhadores e de Ditadura
do Proletariado, a serem implementadas na Alemanha Revolucionária, assumiam
grande importância histórico-política enquanto legado referencial de análise
para todos os partidos revolucionários proletários de outrora e do porvir.[6]
Assinalavam, além disso, o desafio de procurar delimitar-se,
cientificamente, em sentido dialético-materialista, a justa extensão conceitual
das categorias político-programáticas em destaque, arduamente determináveis em
face de uma situação política rapidamente cambiante.
Como síntese precisamente lapidar e eminentemente perpicaz da temática
histórica em exame, relançada no início dos anos 20, resultado de toda a
essência e dimensão do significado decorrente da compreensão inter-relacional
das consignas de Frente Única, Frente Popular, Governo dos Trabalhadores e Camponeses,
Ditadura do Proletariado, Trotsky teve a oportunidade de destacar, com
incomparável claridade, no Programa de Transição, de 1938 :
“O GOVERNO DOS TRABALHADORES E DOS CAMPONESES
Essa fórmula “Governo dos Trabalhadores e dos Camponeses” surgiu, pela
primeira vez, no curso de 1917, na agitação dos bolcheviques e foi admitida,
definitivamente, depois da Revolução de Outubro. Nesse último caso, ela nada
significava senão uma designação popular para a Ditadura do Proletariado já
erigida. O significado dessa designação residia principalmente no fato de que
lançava, em primeiro plano, a idéia da aliança entre o proletariado e o
campesinato, colocada na base do Poder Soviético.
Quando o Komintern dos epígonos procurou ressuscitar a fórmula de “Ditadura
Democrática do Proletariado e do Campesinato”, enterrada pela história,
conferiu à fórmula “Governo dos Trabalhadores e Camponeses” um conteúdo
inteiramente diferente, puramente “democrático”, i.e. burguês, na medida em que
a opunha à Ditadura do Proletariado. Os bolcheviques-leninistas rechaçaram a
consigna de “Governo dos Trabalhadores e Camponeses” em sua interpretação
democrático-burguesa.
Eles declararam e declaram que se o partido do proletariado nega-se a
ultrapassar as fronteiras da democracia burguesa, sua aliança com o campesinato
torna-se meramente uma sustentação do capital, tal como ocorreu com os
mencheviques e os sociais-revolucionários em 1917, com o PC da China, em
1925-1927, e tal como ocorre agora nas “Frentes Populares” na Espanha, na
França e em outros países.
De abril a setembro de 1917, os bolcheviques exigiram que os
sociais-revolucionários e os mencheviques rompessem os laços com a burguesia
liberal e tomassem o poder em suas próprias mãos.
Nessas condições, os bolcheviques prometeram aos mencheviques e aos
sociais-revolucionários, enquanto representantes pequeno-burgueses dos
trabalhadores e camponeses, sua ajuda revolucionária contra a burguesia,
recusando, categoricamente, entretanto, ingressar no governo dos mencheviques e
sociais-revolucionários ou assumir por ele responsabilidade política.
Se os mencheviques e os sociais-revolucionários tivessem efetivamente
rompido com os cadetes e com o imperialismo internacional, o “Governo dos Trabalhadores e Camponeses” por eles criado
poderia ter apenas acelerado e facilitado a edificação da Ditadura do Proletariado.
Porém, precisamente por isso a direção da democracia pequeno-burguesa
opôs-se, com todas as forças, à instauração de um seu próprio governo. ...
A consigna “Governo dos Trabalhadores e Camponeses” é para nós admissível
apenas no sentido que teve em 1917, na boca dos bolcheviques, i.e. enquanto uma
consigna anti-burguesa e anti-capitalista, porém, em nenhum caso, no sentido
“democrático” que lhe conferiram, posteriormente, os epígonos, convertendo-a de
ponte para a revolução socialista em um principal obstáculo em seu caminho.
De todos esses partidos e organizações que se apóiam sobre os trabalhadores
e camponeses e falam em seu nome, exigimos que rompam politicamente com a
burguesia e ingressem no caminho da luta em prol do Governo dos Trabalhadores e
Camponeses.
Nesse caminho, prometemo-lhes inteiro apoio contra a reação capitalista.
Ao mesmo tempo, desenvolvemos, incansavelmente, uma agitação em torno
daquelas consignas de transição que, em nossa opinião, haveriam de constituir o
programa do “Governo dos Trabalhadores e Camponeses”.”[7]
Essa mesma importantíssima suma marxista-revolucionária, diretamente
relacionada com a clarificação do sentido e significado, caráter e mecanismo,
das táticas do proletariado visando à derrubada da burguesia e edificação da Ditadura
do Proletariado, é formulada por Trotsky com as seguintes frases de
seu Contra
o Nacional-Comunismo. Lições do Referendo Vermelho, livro esse vindo a
público em 1931, devido à publicação assegurada magistralmente pelo trotskysta
alemão Anton Grylewicz :
“Nos dias de Outubro, os mencheviques e sociais-revolucionários russos
lutaram de mãos dadas com os cadetes, com os Kornilovs e os monarquistas contra
o proletariado.
Em outubro, os bolcheviques saíram do Pré-Parlamento, rumo às ruas, a fim
de conclamar as massas para um levante armado.
Se naqueles dias qualquer um dos grupos do Pré-Parlamento – digamos um
grupo dos monarquistas – dele saísse, ao mesmo tempo, com os bolcheviques,
teria sido sem qualquer significado político, pois os monarquistas seriam
derrubados juntamente com os democratas.
Porém, o partido chegou ao levante de Outubro através de uma série de
degraus.
Durante a manifestação de Abril de 1917, uma parte dos bolcheviques tinha
levantado a consigna : “Abaixo o Governo Provisório !”.
O Comitê Central admoestou imediatamente os ultra-esquerdistas : certamente
temos de proclamar a necessidade da derrubada do Governo Provisório, porém,
ainda não podemos chamar as massas às ruas com essa consigna, pois somos a
minoria na classe trabalhadora. Se derrubássemos nessas condições o Governo
Provisório, não o poderíamos substituir e, por consegüinte, ajudaríamos a
contra-revolução. Há de se instruir, pacientemente, as massas acerca do caráter
anti-popular desse Governo, antes que soe a hora de derrubá-lo.
Essa foi a posição do partido.
No período subseqüente, a consigna foi a seguinte : “Abaixo com os
Ministros Capitalistas !”
Essa era uma consigna dirigida à Social-Democracia, a fim de que rompesse
com a burguesia.
Em julho, dirigimos a manifestação dos trabalhadores e soldados com a
consigna : “Todo Poder aos Soviets”, o que, no momento de então, significava
:todo poder aos mencheviques e sociais-revolucionários.
Porém, os mencheviques e os sociais-revolucionários derrotaram-nos
juntamente com os Guardas Brancos.
Depois de dois meses, levantou-se Kornilov contra o Governo Provisório.
Na luta contra Kornilov, os bolcheviques assumiram, sem demora, as posições
mais avançadas.
Lenin encontrava-se, naquele tempo, na ilegalidade. Milhares de
bolcheviques, nas prisões.
Trabalhadores, soldados e marinheiros exigiam a libertação de seus
dirigentes e dos bolcheviques, em seu conjunto.
O Governo Provisório recusava-a. Haveria, então, o Comitê Central
bolchevique de dirigir-se com um ultimato ao Governo Kerensky para libertar os
bolcheviques imediatamente e retirar a acusação infâme, lançada contra eles, no
sentido de estarem a serviço dos Hollenzollerns, e, em caso da recusa de
Kerensky, negar-se a lutar contra Kornilov ? ...
Se não tivéssemos, em agosto, oposto nenhuma resistência a Kornilov,
possibilitando-lhe, assim, a vitória, teria ele, logo de saída, exterminado o
florescimento da classe trabalhadora e, por consegüinte, impedido-nos de, dois
mêses mais tarde, conquistar a virtória sobre os colaboracionistas,
castigando-a, não com palavras, mas sim com fatos, pelo seu crime histórico.”[8]
Mais particularmente no que concerne ao impulsionamento da tática de Frente
Única, bem como de todas e quaisquer consignas de transição, Trotsky
clarificou, ainda o seguinte, entrevendo os perigos relacionados com o
seu impulsionamento :
“A tática da Frente Única e da luta por consignas de transição, que são
perseguidas agora pela Internacional Comunista, é uma política absolutamente
necessária para os partidos comunistas dos Estados Burgueses no período atual
de preparação.
Porém, não se deve fechar os olhos diante do fato de que essa política
alberga em si mesma perigos indubitáveis de afrouxamento e, até mesmo, de plena
degeneração dos partidos comunistas, se, de um lado, prolongar-se muito o
período de preparação e se, por outro lado, o trabalho diário dos partidos
ocidentais não for fecundado pelo pensamento teórico ativo que abarca a dinâmica
das forças históricas fundamentais em sua inteira dimensão.”[9]
Relativamente à questão específica da derrota do proletariado alemão de
1923, a análise por Trotsky formulada, em seu Novo Curso, pautava-se por confirmar
sua análise já notoriamente conhecida na primeira metade do ano de 1923 :
“Depois do III Congresso (i.e. do III Congresso Mundial do Komintern), o
Partido Comunista Alemão executou, de modo dolorosamente suficiente, a mudança
necessária.
Iniciou-se, então, a luta pela conquista das massas sob a consigna de
Frente Única, acompanhada de longas negociações e outros procedimentos
pedagógicos.
Essa tática durou mais de dois anos e rendeu resultados excelentes.
Porém, juntamente com isso, os métodos de propaganda, sendo protraídos,
transformaram-na ... em uma tradição semi-automática que desempenhou um papel
muito sério nos eventos da segunda metade de 1923.”[10]
Desde logo, é necessário, porém, assinalar que, na Alemanha da
República de Weimar, cumpriu a Karl Radek, enquanto um dos mais
expressivos estrategistas do Executivo, da Secretaria e da Presidência do
Komintern,
assim como do Partido Comunista da Alemanha(KPD) do início dos anos 20,
membro do Comitê Central do PC da URSS e um dos representantes do
Comissariado
do Povo para as Relações Exteriores da URSS, conferir, inicialmente, à
consigna de Governo dos Trabalhadores e - mais propriamente, às vésperas da
eclosão da Revolução Alemã de Outubro de 1923 - à consigna de Governo
dos Trabalhadores e Camponeses, “um
conteúdo inteiramente diferente, puramente “democrático”, i.e. burguês, na
medida em que a opunha à Ditadura do Proletariado”, mediante o entibiamento
e arrefecimento de seu conteúdo e significado proletário-revolucionário mais
próprio.[11]
Radek valendo-se de sua larga experiência revolucionária
precedente, haurida no seio da Social-Democracia Alemã, da Esquerda
de Zimmerwald e do governo da Rússia Soviética, foi capaz de realizar
essa mais bem acabada e sagaz deformação do marxismo revolucionário,
empreendendo-a de maneira sistematicamente hábil e persuasiva, compatível com
sua predisposição político-analítica marcadamente jornalístico-cética,
lânguido-irresoluta.
Como comprovar, documentalmente, essas surpreendentes afirmações, lançadas
no presente texto, contra a orientação política de Radek, um dos primeiros
integrantes da Oposição de Esquerda, encabeçada por Trotsky, já a partir
mesmo dos últimos mêses de 1923, em sua luta contra a burocratização stalinista
?
Como alertar os lutadores trotskystas acerca da versão radekista-brandleriana, voltada
em particular à reinterpretação da tática de Frente Única e dos Governos
dos Trabalhadores, apreciando-se, concomitantemente, todo o seu sentido
e significado histórico enquanto um dos fatores decisivos que contribuíram para
levar à derrota a Revolução Alemã de 1923 ?
À guisa de orientação do leitor, evidencio, desde logo, a elucidadora
observação de Trotsky, contida em sua magnífica obra os Crimes de Stalin, acerca
do efetivo posicionamento de Karl Radek nas lutas travadas pela Oposição
de Esquerda, no quadro do Komintern e do PC da URSS, a partir de
1923 :
“De 1923 a 1926, Radek oscilou entre
a Oposição de Esquerda, na Rússia, e a Oposição Comunista de Direita, na
Alemanha (Brandler, Thalheimer e outros).
No momento da aberta ruptura entre Stalin e Zinoviev (no início de 1926),
Radek procurou, debalde, arrastar a Oposição de Esquerda para um bloco com
Stalin.
Radek pertenceu, além disso, no interstício de quase três anos (um prazo
para ele extraordinário !), à Oposição de Esquerda.
Porém, no interior da Oposição, ele se arremessava, invariavelmente, para a
esquerda e para a direita.”[12]
Cumpre destacar, ainda introdutoriamente, que, depois do esmagamento do Levante
Contra-Revolucionário de Kronstadt, de Março de 1921, o grande impacto
dos grupos de oposição operária assaltava o PC da Rússia Soviética.
N. Krestinsky, L. Serebryakov e E. Preobrajensky afastados do Secretariado Comandado por Três Homens, por terem sido
considerados pelo X Congresso do Partido Comunista Russo, de março de 1921, como
muito lenientes em face dos grupos de oposição operária, deram lugar,
transitoriamente, na direção do novo Secretariado, a V. Molotov, E. Yaroslavsky e L.
Mikhailov, que surgiam aparentemente como os melhores quadros para o
exercício da disciplina partidária contra os grupos de oposição.
Esse novo Secretariado levou adiante, então, a execução de uma depuração
partidária, ocorrida no arco de um ano, em que quase 30 % dos militantes do PC da
Rússia Soviética foram excluídos de suas fileiras.[13]
Molotov, Yaroslavsky e Mikhailov passaram a
desempenhar, igualmente, um importante papel para o empossamento, em 2 de abril
de 1922, de Stalin nas funções de Secretário Geral, considerado,
então, como um velho e eminente organizador pragmático bolchevique e o mais
sólido representante da burocracia de funcionários do partido em ascensão,
porém, aos olhos de Lenin, nada senão um “cozinheiro de pratos apimentados”.[14]
Nesse sentido, Trotsky anotou, minuciosamente :
“Quando no X Congresso, dois anos depois da morte de Sverdlov, Zinoviev e
outros, não sem um pensamento acobertado da luta contra mim, apoiaram a
candidatura de Stalin para Secretário Geral – colocaram-no, de jure, na posição
em que Sverdlov havia ocupado, de facto.
Lenin falou, em círculos restritos, contra esse plano, expressando nos
termos de que esse “cozinheiro apenas irá preparar pratos apimentados”.
Tão somente essa frase, tomada em conexão com o caráter de Sverdlov,
demonstra-nos as diferenças entre os dois tipos de organizadores :
Um, incansável em atenuar conflitos, facilitando o trabalho para os órgãos
colegiados.
Outro, especialista de pratos apimentados – nem mesmo temeroso de os
temperar com autêntico veneno.
Se Lenin não levou ao limite sua oposição, em março de 1921, i.e. não
chamou o Congresso abertamente contra a candidatura de Stalin, foi porque o
posto de Secretário, ainda que “Geral”, possuía um significado estritamente
subordinado, nas condições então prevalecentes, com o poder e a influência
concentrados no Bureau Político.
Talvez, também Lenin, como muitos outros, não tivesse percebido
adequadamente o perigo naquele momento.”[15]
O fortalecimento da posição de Stalin na luta contra o então, assim
aclamado pelas massas proletárias russas, ”Trotsky, o Vitorioso da Guerra Civil”,
“Trotsky, o Salvador do Trem de Comando” passava a ser concebido como
tarefa de segurança máxima para a sustentação das ambições de prosperação da
burocracia operária em ascensão.[16]
Quando, em 26 de maio de 1922, Lenin sofreu seu primeiro derrame,
ensaiou-se, imediatamente, a tomada dos principais postos das organizações
comunistas proletárias de outrora pela burocracia partidária em gestação.
Grigori Zinoviev e Karl Radek surgiam, já
então, como os principais representantes da Internacional Comunista
(Komintern) : Zinoviev investido da função de Presidente do Executivo do
Komintern, Radek enquanto membro desse mesmo Executivo e representante
do PC
da URSS junto ao Komintern, encarregado especialmente
das questões político-estratégicas concernentes à Alemanha.
Nesse mesmo contexto, Lev Kamenev assumiu, inopinadamente,
a Presidência
do Politbureau do PC da URSS, atuando de mãos dadas com Grigori
Zinoviev e Nikolai Bukharin, enquanto principais dirigentes
político-ideológicos do partido russo.
Zinoviev, principal dirigente do PC da URSS de Petrogrado,
e Kamenev,
sua alma gêmea de Moscou, acreditavam serem os
principais beneficiários do processo de alijamento de Trotsky dos principais
centros de decisão política.
Quanto a Joseph Stalin, se, esse último, em um contexto
preambular, até o ano de 1922, já surgia exercendo as funções de Comissário
do Povo para as Questões das Nacionalidades, Membro do Comitê Executivo Central
dos Sovietes de Toda a Rússia, Membro do Comitê Executivo do Governo, Membro da
Comissão da Política de Alimentação e Obtenção de Meios Alimentícios no Sul da
Rússia, Dirigente da Circunscrição Militar do Cáucaso do Norte, Presidente do
Conselho Revolucionário de Guerra do Fronte do Sul, Membro do Conselho
Revolucionário de Guerra da República, Membro da Comissão para a Redação do
Programa do Partido, Delegado ao I Congresso do Komintern, Dirigente do
Departamente do Controle do Estado, departamento, a partir do Decreto
de 7 de Fevereiro de 1920, denominado Rabkrin, i.e.
Comissariado do Povo para a Inspeção dos Trabalhadores e Camponeses - o qual visava, particulamente, a desferir o
combater contra a enfermidade burocrática do Estado Proletário nascente -, bem
como as atribuições de Secretário Geral, viria ele, então, revelar-se, as seguir, como o grande privilegiado da Reforma Partidária de Agosto
de 1922, de matiz nitidamente burocrática, introduzida no quadro da XII
Conferência do PC da URSS.[17]
Stalin tornou-se, assim, o pivô da crescente concentração
e centralização de toda a vida interna das organizações partidárias.
As células de militantes das cidades e do campo, o Orgburo, a Comissão
Central de Controle, a Tcheca etc., passavam a ser
comandadas por Stalin, com o auxílio de apenas três outros bolcheviques, M.
Shkiryatov, G. Korostelev e M. Muranov.
Durante o ano de 1922, a participação de Trotsky nas sessões do Politburo
já se encontrava reduzida à condição de superficial formalidade, sendo as
principais decisões político-práticas adotadas em sessões secretas que não
contavam com a sua participação direta.
Recuperando-se lentamente de seu primeiro derrame, Lenin voltou a assumir
suas atividades em junho de 1922, tendo a oportunidade de, já naquela
oportunidade, constatar, clara e diretamente, o desplante do processo de
burocratização do aparato do partido.
Em seu discurso, proferido no IV Congresso Mundial do Komintern,
realizado entre 5 de novembro e 5 de dezembro de 1922, pouco antes de sofrer
seu segundo e terceiro derrame, respectivamete em 16 dezembro de 1922 e 9 de
março de 1923 - os quais o impossibilitaram de seguir ativo em suas funções
partidárias e soviéticas e o conduziram, finalmente, à morte, em janeiro de
1924 -, Lenin teve a oportunidade de advertir os companheiros russos e
estrangeiros acerca do perigo de adotarem, mecanica e dogmaticamente, os mesmos
métodos de tratamento das questões organizativo-partidárias que haviam-se
despregado na URSS, ao longo dos últimos anos.[18]
Nesse mesmo IV Congresso Mundial do Komintern, presidido por Zinoviev,
e ao longo de todo o ano de 1923, até a derrota da Revolução Alemã de Outubro, Radek
alcançou o fastígio de sua influência enquanto o mais expressivo
dirigente bolchevique, especializado em questões de análise teórico-intelectual
e de formulação estratégico-programática relativa à orientação política dos
comunistas revolucionários, no quadro do impulsionamento das lutas de classes
da Alemanha
de então.
Ainda que suas caracterizações especulativas desenvolvidas acerca da tática
de Frente
Única e da consigna de Governo dos Trabalhadores, tendo sempre
como centro de gravidade a questão alemã, não houvessem sido acolhidas
essencialmente pelas Resoluções do IV Congresso Mundial do
Komintern, Karl Radek, contando com o inasfável apoio de Heinrich
Brandler, à época Presidente do Partido Comunista da Alemanha(KPD),
foi capaz de imprimir ao programa do VIII Congresso desse
mesmo partido, realizado em Leipzig, em janeiro de 1923, a
síntese de sua mais acabada deturpação marxista relativa à interpretação das
fórmulas de Frente Única e Governo de Trabalhadores na Alemanha
:[19]
“A luta pela Frenta Única conduz à conquista das velhas organizações de
massas proletárias, tais como sindicatos e cooperativas.
Esses instrumentos da classe trabalhadora, que as táticas dos reformistas
transformaram em ferramentas da burguesia, tornam-se, novamente, mediante essa
luta, instrumentos do proletariado.
A luta de classes tem de ser conduzida agora para a derrota da
burguesia(p.417). ...
O Governo dos Trabalhadores não é nem a Ditadura do Proletariado nem um
ascenso pacífico e parlamentar rumo a ela.
Ele é uma tentativa da classe trabalhadora de, no quadro da e
antecipadamente com os meios da democracia burguesa, praticar política
operária, apoiando-se em órgãos proletários e nos movimentos proletários de
massas.
Por outro lado, a Ditadura do Proletariado é uma explosão consciente do
contexto democrático.
Ela explode o aparato do Estado Democrático e substitui-o completamente com
organizações da classe proletária(p. 420).”[20]
Acerca do balanço histórico desses anos, bem como de todos aqueles que
configuraram o percurso político de Karl Radek, escreveu Trotsky,
conclusivamente, da seguinte maneira, em 1937, no contexto de sua luta
em prol do desmascaramento das farsas dos Processos de Moscou :
“Radek – ele possui agora 54 anos - não é senão um jornalista.
Ele possui as brilhantes qualidades dessa categoria de homens, bem como
todos os seus defeitos.
A instrução de Radek pode ser qualificada, antes de tudo, por sua grande
erudição.
Seu conhecimento direto do movimento polonês, sua longa participação na
Social-Democracia Alemã, seu atento acompanhamento da imprensa mundial,
principalmente da inglesa e da norte-americana, alargaram seus horizontes,
conferiram aos seus pensamentos uma grande mobilidade e armaram-no com
incontáveis exemplos, comparações e, sobretudo, com anedotas.
Porém, faz-lhe falta aquela qualidade que Lassalle denominou de “força
psíquica do intelecto”.
Nos agrupamentos políticos de todos os tipos, Radek foi muito mais um
hóspede do que um militante enraizado.
Seu pensamento é por demais móvel e impulsivo para um trabalho sistemático.
De seus artigos pode-se ficar sabendo de muitas coisas, seus paradoxos
iluminam às vezes uma questão desde um novo aspecto, porém Radek jamais foi um
político autônomo.
Lendas no sentido de que Radek teria sido, por certo período, chefe no
Comissariado das Relações Exteriores e até mesmo determinado a política externa
do Governo Soviético, são inteiramente infundadas.
O Bureau Político apreciava o talento de Radek, porém não o levava jamais a
sério.
Em 1929, Radek capitulou não por quaisquer pretensões sigilosas. Oh não !
Fê-lo desbragada e definitivamente, queimando através de si todas as
pontes, a fim de tornar-se um extraordinário porta-voz publicístico da burocracia.
Desde então, não existiu nenhuma acusação que Radek não tenha lançado
contra a Oposição e nenhum louvor que não tenha expendido em favor de Stalin.
Por que, então, Radek caiu no banco de acusações ?”[21]
Precisamente através dessa apreciação manifestamente crítica e severa
acerca do perfil intelectual e político de Carol Bernadovitch Sobelsohn, Karl
Parabellum Radek, elaborada, porém, em consonância com o tradicional
rigor analítico, característica indispensável e inquebrantável do socialismo
científico, Trotsky formulou lapidarmente um de seus mais importantes
julgamentos acerca desse “hóspede” mundialmente célebre e
historicamente renomado, sobretudo em decorrência de sua episódica e marcada
atuação nos mais diversos agrupamentos do movimento proletário revolucionário
das primeiras décadas do século XX, inclusive naquele agrupamento mesmo que
conformou a própria Oposição de Esquerda, encabeçada por Trotsky, a partir de
1923, e, posteriormente, a Oposição Unificada, de Trotsky,
Kamenev e Zinoviev, entre os anos de 1926 e 1927, na luta contra a
burocratização stalinista do conjunto das instituições do Estado Proletário da URSS.
No intervalo histórico abragente das primeiras décadas do início do século
XX até a morte de Karl Radek, possivelmente em 1939, ocorrida em um campo de
concentração stalinista, torna-se, entretanto, sempre decisivo assinalar que um
certo lugar de destaque, de primeiríssima relevância, nos estudos voltados à
análise do movimento comunista-revolucionário da Alemanha, da Rússia
e da Polônia
de então, há de ser seguramente reservado ao exame da orientação política
defendida por Radek e por seu mais expressivo coadjuvante e seguidor no
interior do Partido Comunista da Alemanha(KPD) do início dos anos 20, Heinrich
Bradler.
Com efeito, o exame histórico-investigativo da orientação política Radek-Brandler
postulada nesse interstício temporal situa-se, precisamente, no
contexto das lutas revolucionárias de massas do proletariado alemão que
culminaram na impiedosa derrota da Revolução
de Outubro de 23, essa última separada por seis anos do seu paradigma
histórico também de Outubro, impulsionado hegemonicamente pelo proletariado russo,
sob a direção de Lenin, Sverdlov e Trotsky, da qual pretendeu ser uma réplica
fidedigna.
Discorrer-se, contemporaneamente, acerca da enfermidade gramsciana ou da
moléstia maoísta-althusseriana no seio do movimento trotskysta contemporâneo e
das lutas de emancipação do proletariado de nossos dias, secundarizando-se ou
desprezando-se, por outro lado, a gênese e a essência, o sentido e o
significado histórico da orientação política Radek-Brandler
do início dos anos 20, uma das mais importantes degenerações
teórico-doutrinárias e político-práticas do marxismo revolucionário de todos os
tempos, resultaria, porém, plenamente insubsistente para a devida compreensão
das diversas causas e efeitos que conduziram, no passado, e ameaçam conduzir,
no presente, a implacáveis derrotas dos trabalhadores e demais socialmente
oprimidos em suas lutas de libertação contra o despotismo capitalista.
Como qualificar, então, o caráter dos posicionamentos teórico-intelectuais
e político-práticos da orientação política Radek-Brandler,
emergente de maneira cada vez mais ostensiva e dirigente no interior do
Partido
Comunista da Alemanha(KPD) nesse período ?
Por que, com efeito, merece ser detidatamente estudada e rigorosamente
analisada pelos trotskystas revolucionários de nossa geração essa particular
deformação política do início dos anos 20 ?
Desde logo, cumpre assinalar ao leitor que o radekismo-brandlerista –
tal como todo o legado mais propriamente original das construções teóricas e
orientações políticas equacionadas preponderantemente por Karl Radek - nada mais
representa senão uma concepção parasitário-intriguista de quebramento e
languidez das forças do marxismo revolucionário.
Sua natureza é, entretanto, eminentemente jornalístico-cética, e, como tal,
abundantemente versátil, hesitante, sinousa, maleável, multiforme em palavras,
argumentações e idéias, impulsiva em citações, aforismas, sátiras e bonmots,
atenta na defesa verbosa e insegura das grandes pilastras do socialismo
revolucionário.
Com efeito, na base de um marcado tom pessimista, Radek recusava,
abertamente, mesmo nos primeiros mêses da deflagração I Guerra Mundial Imperialista, a
possibilidade de irrupção de uma revolução proletário-socialista, desencadeada
em conexão com a guerra, bem como, no futuro próximo de maneira geral, e
admitia, já no início dos anos 20, a possibilidade de a Ditadura Revolucionária do
Proletariado, instaurada pela Rússia Soviética, não ser capaz de
resistir à ofensiva do capitalismo imperialista mundial.
De acordo com tal premissa teórica, sua lógica epistêmica haveria de
fundamentalmente ser a do suposto prudente bom senso e do aparente
racional-razoável na busca da determinação do persuasivo justo meio, sempre
reputadamente em correspondência com uma determinada realidade particular
concreta, considerada como inteiramente incomparável, de um certo país ou de um
grupo de países considerados em si mesmos, com vistas a definir a intervenção
política de um agrupamento ou de um partido revolucionário no cumprimento de
sua tarefa de conquista das grandes massas populares para a deflagração de uma
quimérica e materialmente inexistente revolução socialista internacional.
Nesse contexto, a orientação política Radek-Brandler, formulada segundo
sua metodologia linguístico-instrumental e lógica político-analítica
inconfundíveis, revestiu-se, constantemente, de uma tonalidade cínica,
claudicante e fatalística sobre a possibilidade de desenvolvimento das lutas
revolucionárias na Alemanha e, nesse mesmo sentido, acerca da capacidade de
construção independente do Partido Comunista da Alemanha(KPD).
De maneira publicístico-irresoluta, Radek procurou, em suas artigos
jornalísticos, documentos e discursos políticos do início dos primeiros anos do
anos 20, fundar sua principal orientação política relativa ao curso dos eventos
revolucionários da Alemanha, consistente em demonstrar a impossibilidade de desenvolverem-se
as forças do Partido Comunista da Alemanha(KPD) no campo das lutas, dos
embates e dos conflitos abertos de classes contra as instituições de exploração
e dominação dos Estados Burgueses Alemão e Francês de Ocupação, como forma de
conquista crescente da confiança da classe trabalhadora, hegemônica sobre todas
demais massas socialmente oprimidas, dinamizadas sob sua direção social e
política.
Assim, segundo Radek, competiria ao minoritário Partido Comunista da
Alemanha(KPD), dedicando-se preponderantemente a atividades de
propaganda e agitação, atrelar-se, mediado por críticas e denúncias, à dinâmica
de luta da Social-Democracia Alemã, como forma de, mediante cooperação,
infiltração, desintegração e reconsolidação, arrebatar-lhe a influência sobre
as grandes massas proletárias alemães.
Sendo assim, a estratégia revolucionária a ser implementada deveria
consistir, segundo Karl Radek, em ”convencer essas amplas massas de
trabalhadores de que a burocracia sindical e do Partido Social-Democrático não
apenas se recusam a lutar pela Ditadura dos Trabalhadores, como também não
lutam pelos interesses diários mais básicos da classe trabalhadora.”
Com essa postura político-persuasiva, a diminuta ala
comunista-revolucionária haveria de ser educada de maneira a poder intervir,
propagandística e agitativamente, sobre a maioria dos quadros da Social-Democracia,
visando a, mediatamente, substrair-lhes de sua direção traidora as
massas trabalhadoras sociais-democráticas, a fim de aproximá-las às fileiras
revolucionárias.
Nesse mister, a luta dos revolucionários proletários alemães contra a Social-Democracia
não deveria, aos olhos de Radek e Brandler, se tornar
jamais uma luta entre os distintos partidos e correntes políticas que se
apoiavam e falavam em nome do proletariado alemão.
A orientação política Radek-Brandler, assumindo uma
posição inquestionavelmente dirigente na Alemanha, após o IV
Congresso Mundial do Komintern, realizado entre 5 de novembro e 5 de
derembro de 1922, seguiu considerando, durante todo o primeiro semestre de
1923, o Partido Comunista da Alemanha(KPD) como uma organização débil e
vanguardista, fadada ao impulsionamento de atividades teóricas de propaganda e
de agitação, condenada perspectivamente a um crescimento lento, devendo
empenhar-se em seu papel decisivo de ”segurar a classe trabalhadora e evitar
choques desnecessários”, de modo a assegurar o êxito da aplicação de
consignas de transição e da tática de Frente Única, coroada politicamente
com o Governo dos Trabalhadores, constituído com seu aliado
privilegiado, i.e. a Social-Democracia Alemã, “no quadro da e
antecipadamente com os meios da democracia burguesa”.
Precisamente dessa maneira, fundados nessas premissas de elaboração
intelectual, Radek e Brandler buscavam por meio da tática
de Frente
Única e da fórmula de Governo de Coalizão dos Trabalhadores, lograr
“penetrar
em espaços fechados, nos quais os representantes da burguesia atuam sobre os
trabalhadores”, almejando alcançar, em troca, a conquista das massas
proletárias através do fomento e intensificação de atividade
jornalístico-propagandística e sindical, fundadas em críticas e denúncias
parlamentares e governamentais de popularização e consagração dos méritos do
socialismo revolucionário, promovendo um impiedoso desmascaramento literário
das ilusões e dos habilidosos representantes do reformismo social-democrático,
entre os trabalhadores explorados e demais socialmente oprimidos, como forma
de praticar política operária,
apoiando-se em órgãos proletários e nos movimentos proletários de massas,
trilhando um possível caminho rumo à Ditadura Revolucionária do Proletariado.
Nesse sentido, Radek declarava categoricamente, coadjuvado por Brandler
: “a
luta dos comunistas contra outros partidos não deve se tornar jamais uma luta
de uma seção do proletariado contra outra.”
Produzindo excelentes e precisas caracterizações políticas acerca desse
período histórico que haveria de culminar com a derrota do proletariado alemão
na Revolução
de Outubro de 23, Trotsky teve a oportunidade de
observar :
“Por que a Revolução Alemã não conduziu à vitória ?
As causas disso residem, totalmente, nas táticas e não nas condições
objetivas. Temos aqui um exemplo verdadeiramente clássico de uma situação
revolucionária que se perdeu.
A partir do momento da ocupação do Ruhr e de tudo o mais, quando o fracasso
da Resistência Passiva se tornou evidente, era necessário que o Partido
Comunista adotasse um curso firme e resoluto rumo à conquista do poder.
Apenas uma mudança corajosa da tática poderia ter unificado o proletariado
alemão na luta pelo poder.
Se, no III Congresso e, em parte, no IV Congresso, dissemos aos camaradas
alemães : “– Vocês poderão ganhar as massas apenas na base de uma participação
dirigente em sua luta por consignas de transição”, então, em meados de 1923, a
questão passou a ser diferente : depois de tudo que o proletariado alemão teve
de atravessar nos últimos anos, poderia ele ser conduzido à batalha decisiva
apenas no caso em que ficasse convencido de que, dessa vez, a questão havia
sido colocada, tal como dizem os alemães, “aufs Ganze” (i.e. de que não se
tratava dessa ou daquela tarefa parcial, porém de uma tarefa fundamental),
estando o Partido Comunista pronto para marchar para a batalha e ser capaz de
assegurar a vitória.
Porém, o Partido Comunista Alemão executou esse giro sem a seguraça
necessária e depois de um atraso extraordinário.
Tantos os da ala direita como os da esquerda, a despeito de sua luta aguda
de uns contra os outros, demonstraram, em setembro-outubro de 1923, uma atitude
bastante fatalista em face do processo do desenvolvimento da revolução.
Naquele momento, quando a inteira situação objetiva exigia da parte do
partido um golpe decisivo, o partido não organizou a revolução, senão
permaneceu esperando-a.”[22]
A grande ameaça do radekismo-brandlerista que pode
contribuir decisivamente para colocar a perder a causa revolucionária
internacional do proletariado reside, precisamente, em sua jurada defesa – em
verdade, em seu subreptício parasitismo hospedeiro – da doutrina revolucionária
não apenas de Marx e Engels, senão ainda de Lenin e Trotsky, bem como
em sua alegada permanente reivindicação de documentos fundacionais e
congressualmente aprovados pelo movimento socialista-revolucionário marxista de
todos os tempos, em particular dos Documentos e Protocolos dos III e IV
Congressos da Internacional Comunista.
Pretendendo alegadamente lutar, impiedosamente, por um lado, contra o
sectarismo ultra-esquerdista (entrevisto, pretendidamente, pelas lentes dos óculos
do radekismo-brandlerista, nos
perfis insurrrecionais-putschistas de Karl Liebknecht e Rosa Luxemburg, Max Hoelz,
Erich Wollenberg e Hans Kippenberger, todos esses supostamente
responsáveis pelos levantes armados derrotados do proletariado alemão, ocorridos
entre 1919 e 1923), contra o esquerdismo sectário (contemplado na fração
política da minoria zinovievista, encabeçada por Ruth Fischer, Arkadi Maslow e
Erst
Thaelmann) e, por outro lado, contra o oportunismo centrista (cuja
forma concreta, no início dos anos 20, incorporava-se mais nitidamente nas
posições de Paul Levi e Ernst Meyer), a orientação política Radek-Brandler
nada mais fez senão conduzir o Partido Comunista da Alemanha(KPD) à
mais plena prostração frentista, disfarçada com críticas e denúncias, na
capitulação diante das forças reformistas da Social-Democracia Alemã.
Para tanto, Radek e Brandler entendiam, não sem um profundo tom de
ceticismo e tibieza, estarem lutando, fundado-se no bom senso, no
racional-razoável, no justo-meio contra todas essas manifestações políticas do
comunismo revolucionário alemão, com vistas a supostamente lograr, no quadro
jurídico-constitucional da República Imperial de Weimar,
avançando sempre rumo ao Governo dos Trabalhadores, arrebatar
forças dirigidas pela Social-Democracia Alemã, redirecionando-as
para a revolução socialista internacional do proletariado, de forma a,
indiretamente, aportar amplas massas populares para a perspectiva de abolição
da exploração econômica capitalista e supressão de sua dominação ideológica,
mediante a edificação da Ditadura Revolucionária do Proletariado.
Em conformidade com sua postura eminentemente literário-hesitante, a
orientação Radek-Brandler previa que tal conquista seria efetivamente
realizável e indispensável para a revolução socialista alemã, dada a suposta
fraqueza e morbidez congênita do Partido Comunista da Alemanha (KPD) da
época para assegurar o cumprimento de sua independente tarefa de construção.
A orientação Radek-Brandler alimentando um profundo discrédito acerca das
potencialidades da ação revolucionária de lutas do Partido Comunista da Alemanha
(KPD), bem como de seu papel dirigente nas lutas de massas do início
dos anos 20, procurou conduzir, em verdade, esse partido à sua mais total
dependência, ao seu mais pleno atrelamento, ao seu mais irreversível
ancoramento, em face do reformismo da Social-Democracia Alemã, sob a
alegação de que, caso não o fizesse, permaneceria irremediavelmente à margem
dos principais eventos revolucionários daquela década, resultando incapaz de
promover qualquer processo autenticamente revolucionário de massas.
Tal conquista das massas trabalhadoras, submetidas à influência política da
Social-Democracia
reformista, haveria de se fazer, então, mediante denúncias e desmascaramentos
de suas principais direções políticas em toda a República de Weimar da
época, não porém através da condução de
um curso firme e resoluto, fundado nas lutas revolucionárias para a conquista
do poder que pudesse indispor esse aliado político a constituir as bases de uma
Frente
Única Proletária e de um Governo de Coalizão
Comunista-Social-Democrático, no interior das fronteiras da democracia
burguesa, institucionalizada pela República Imperial de Weimar.
Acompanhados pela reticente Presidência do Komintern, chefiada à
época por Zinoviev, em ritmo de crescente burocratização e langor
stalinista, a incapacidade de Radek e Brandler de compreender as
novas tranformações nas correlações de forças, resultante de sua manifesta
falta de criatividade e personalidade política, conduziu a que negligenciassem
o fato de haver-se modificado, quantitativa e qualitativamente, o caráter da
luta de classes na Alemanha no início de 1923, bem como a estratégica, o regime e
o papel contra-revolucionário da Social-Democracia Alemã.
A orientação política Radek-Brandler, demonstrando
manifesta ausência de força político-intelectual e fundando-se, dogmática,
religiosa e cegamente, nos documentos históricos dos III e IV Congressos Mundiais da
Internacional Comunista, como forma de combater o que denominavam de
tendências sectárias ultra-esquerdistas e esquerdistas, bem como centristas
oportunistas do momento, pretendia-se defensora de posições coerentemente
equilibradas e defensivas, reputadamente anti-esquerdistas e anti-oportunistas.
Tal orientação pretendia estar respondendo, assim, de maneira
essencialmente política e estrategica, à situação de colapso econômico e
institucional da Alemanha da época, aguçada durante todo o primeiro semestre de
1923.
Para tanto, valia-se dos argumentos de que não se encontraria esse país no
acirrar-se de uma crise qualitativamente distinta, inexistindo, por isso,
nenhuma nova conjuntura político-revolucionária aguda que estivesse,
hipoteticamente, por exigir a preparação
de um levante armado.[23]
Acerca do tema, Trotsky teve a oportunidade de salientar, detidamente :
„Se o partido comunista tivesse modificado bruscamente a dinâmica de seu
trabalho e aproveitado, inteira e adequadamente, os cinco ou seis mêses que a história
lhe acordava para a preparação direta, política, organizativa e técnica da
tomada do poder, o desate dos acontecimentos poderia ter sido totalmente
diferente daquele que testemunhamos em novembro.
Porém, aí encontrava-se o problema de que o Partido Alemão tinha entrado no
novo e breve período de crise não costumeira, talvez sem precedente na história
mundial, com os métodos usuais dos dois anos anteriores de luta propagandística
em prol do estabelecimento de sua influência sobre as massas.
Aqui era necessária uma nova orientação do Partido, um novo tom de
agitação, um novo modo de abordar as massas, uma nova interpretação e aplicação
da Frente Única, novos métodos de organização e de preparação técnica, em uma
palavra : uma brusca mudança tática.
O proletariado haveria de ter avistado um partido revolucionário em ação,
marchando diretamente para a conquista do poder.
Entrementes, o partido alemão continuou, no fundo, sua política de
propaganda de ontem, apenas que em uma escala mais ampla.
Foi tão somente em outubro que ele adotou um novo curso.
Porém, restava-lhe, então, muito pouco tempo para desenvolver seu impulso.
O Partido conferiu à preparação um ritmo febril, as massas não o puderam
seguir, a insegurança do partido comunicou-se a ambos os lados e, no momento
decisivo, o proletariado recuou, sem combater.
A razão mais importante de ter o Partido Comunista Alemão entregado, sem
resistência, suas posições históricas inteiramente excepcionais é a de que não
foi capaz de, no início do novo ascenso (maio-julho 1923), libertar-se do
automatismo de sua política anterior, estabelecida para durar anos, e
impulsionar, perspicazmente, na sua agitação, ação, organização e técnica, a
questão da tomada do poder.“[24]
Nesse contexto, a orientação política Radek-Brandler foi manifestamente
inapta a dar cumprimento a qualquer das tarefas técnico-militares de preparação
de um levante armado na Alemanha de Weimar, atuando, pelo
contrário, como inflexível e rigorosa sufocadora de quaisquer manifestações
combativas e independentes dos trabalhadores e oprimidos alemães,
qualificando-as de “provocação da burguesia alemã”:[25]
“Essa questão, tal como demonstrou a experiência da Alemanha, possui uma
importância colossal.
Na medida em que a palavra de ordem do levante adquiria para os dirigentes
do Partido Comunista Alemão, principalmente, senão exclusivamente, um
significado de agitação, ignoravam, simplesmente, a questão acerca forças
armadas do inimigo (Exército Imperial, destacamentos fascistas, polícia).
Parecia-lhes que o ascenso revolucionário, crescendo sem cessar,
resolveria, por si mesmo, a questão militar.
Quando essa tarefa precisamente se aproximou seriamente, esses mesmos
camaradas que haviam considerado as forças armadas do inimigo como
inexistentes, caíram, imediatamente, na outra extremidade : puseram-se a
totalmente acreditar em todos os números que lhes forneciam sobre as forças
armadas da burguesia, adicionaram-nas, minuciosamente, às forças do Exército
Imperial e da polícia, arredondaram, a seguir, a soma (até meio milhão e mais),
alcançando, assim, diante de si uma massa compacta, armada até os dentes,
completamente suficiente para paralisar
seus próprios esforços.
Sem dúvida, as forças da contra-revolução alemã eram mais significativas e,
em todo caso, melhor organizadas e melhor preparadas do que as dos nossos
kornilovistas e semi-kornilovianos.
Porém, também as forças ativas da revolução alemã são, igualmente, mais
expressivas.
O proletariado representa a maioria esmagadora da população da Alemanha.
No nosso caso, a questão decidiu-se, no mínimo, em um primeiro estágio, com
Petrogrado e Moscou.
Na Alemanha, o levante teria tido, de um só golpe, uma dezena de poderosas
hordas proletárias.
Sobre essa base, as forças armadas do inimigo pareceriam totalmente não tão
ameaçadoras como nos cálculos estatísticos arredondados.”[26]
E, com efeito !
Após o IV Congresso Mundial do Komintern, de 1922, e no quadro do VII
Congresso de Leipzig do Partido Comunista da Alemanha(KPD),
de janeiro de 1923, os posicionamentos e as práticas intriguistas de Radek,
defendidas por importantes dirigentes políticos, entre eles o renomado líder sindical
de Saxônia-Chemnitz,
Heinrich Brandler, o mentor ideológico do comunismo alemão daqueles
anos, August Thalheimer, entre outros, logrou impor-se,
politicamente, diante da direção do Executivo do Komintern, clamando até
mesmo pela expulsão das frações oposicionistas minoritárias, zinovievistas e
liebknechtianas.
Enquanto dirigente da fração zinovievista, Ruth Fischer assinalou,
mesmo que desde sua perspectiva de luta mais própria, eminentemente crítica às
posições de Trotsky :
“Até então, havia sido tradição no Comintern que os agrupamentos
minoritários em qualquer partido comunista tivessem representação proporcional
em seu Comitê Central, sendo esses membros escolhidos mediante cada fração
oposicionista.
Radek e Brandler quebraram essa tradição e, sob protesto da esquerda,
deram-lhe representação inadequada.
Além disso, eles mesmos selecionaram os esquerdistas que, em sua opinião,
eram mais suscetíveis para o compromisso.
Esse procedimento, depois da falência em sacar uma declaração do partido
sobre a invasão do Ruhr, levou o Congresso à beira da ruptura.
Para protestar contra essa violação de seus Direitos fundamentais, a
esquerda decidiu não participar da eleição do Comitê Central.
Um Comitê Central assim eleito, não teria a confiança das maiores regionais
do partido – as de Berlim, do Ruhr, de Hamburg.
Karl Radek viu que tinha ido longe demais. Em uma sessão noturna secreta,
da qual não existe gravação nos protocolos congressuais, propôs um compromisso
mediante o qual quatro delegados da oposição de esquerda seriam eleitos para o
Comitê Central
Apoiado por Vasil P. Kolarov, Radek surgia enquanto árbitro neutro do
Komintern, porém ele manobrava, exitosamente, para impedir a eleição dos
dirigentes da esquerda, Thaelmann e Maslow.”[27]
A tática Radek-Brandler buscou sempre, para alcançar a aplicação de sua
política, apresentar sempre a Alemanha daqueles anos como um país
de natureza própria, cujo ritmo de desenvolvimento da luta de classes não seria
tão intenso e explosivo como no país de Lenin, Sverdlov e Trotsky, de modo a
pleitear uma mais profunda vinculação política com as forças reformistas da Social-Democracia,
mediante redifinições da tática de Frente Única e da consigna de Governo
dos Trabalhadores.
As diretrizes estabelecidas nos III e IV Congressos do Komintern
acerca desses mecanismos de transição, que eram considerados, sistematica e
invariavelmente, como forma de promoção, cada vez mais ostensiva, do armamento
do proletariado para a derrubada do capitalismo imperialista, do controle
proletário da produção, da satisfação das mais importantes reivindicações dos
trabalhadores contra a burguesia, haveriam de ser, segundo a orientação Radek-Brandler,
hermeneuticamente flexibilizadas diante da particulariedade concreta da
realidade político-constitucional, essencialmentre democrático-burguesa,
prevalente na Alemanha, e levadas à prática em conformidade com a maneira
própria das lutas travadas nesse país capitalista industrializado, seguindo-se
sempre os passos e a dinâmica peculiar que o reformismo político da Social-Democracia,
arrebatador de grandes contingentes proletários, poderia imprimir ao
curso do fenômenos revolucionários.
Esse apresentava-se como sendo o pretexto de Radek e Brandler para
efetivamente levar à prática sua política pseudo-revolucionária de prosternação
frentista, disfarçada com críticas e denúncias, em sua capitulação diante das
forças da Social-Democracia Alemã, sob a capa de defesa da tática de Frente
Única e da consigna de Governo dos Trabalhadores, frustando
manifestamente as exigências fundamentais do marxismo revolucionário, voltado
permanentemente à tarefa de formação e mobilização dos proletários enquanto
classe conscientemente revolucionária e hegemonicamente dirigente de todos os
demais socialmente oprimidos, na luta de massas em prol de consignas de
transição que culminem no desencadeamento de um levante armado para a
destruição do Estado Burguês e edificação da Ditadura Revolucionária do
Proletariado, incorporadora da mais avançada e historicamente superior Democracia
Proletária, concebida enquanto forma de transição rumo à edificação da
primeira fase do comunismo, i.e. o socialismo.
O legado histórico da orientação política Radek-Brandler surge,
desse modo, como sendo o de uma concepção teórico-doutrinária e de uma prática
político-concreta que, alegando combater o sectarismo ultra-esquerdista, de um
lado, e o oportunismo, de outro, atua ocultando o fato de representar, por si e
em si mesmo, a expressão profundamente eclético-contraditória de um profundo
oportunismo e sectarismo ultra-esquerdista de natureza própria :
Oportunismo frentista consistente em seu atrelamento e
ancoramento seguidista ao reformismo social-democrático.
Sectarismo cético não em relação à sua pretensão
baldada de conquista das massas proletárias para a revolução socialista, senão
no concernente às rigorosas e desafiadoras tarefas de construção de um partido
marxista revolucionário capaz de analisar, em conformidade com os fundamentos
do materialismo histórico-dialético, o curso da luta de classes de determinado
país.
Nesse sentido, tal como restará demonstrado, o radekismo-brandlerista é
uma deformação, uma degenerescência, uma falsificação do marxismo
revolucionário ainda mais sútil e fraudulenta do que a varíola gramsciana, com
suas típicas erupções pustulosas.
O gramscismo espraia-se cadaverizando, nitidamente desde uma
perspectiva idealista-subjetivista, a doutrina proletário-revolucionária de Marx,
Engels e Lenin, em nome, porém, da hipócrita e reputada defesa dessa
mesma doutrina proletário-revolucionária.
Ao eleger, entretanto, como o seu maior antagonista político, no seio do
movimento socialista-revolucionário posterior à morte de Lenin, as concepções e o
legado revolucionário de Trotsky, considerado segundo Antonio
Gramsci, o principal representante da ”Guerra de Movimento”, da “Guerra de Manobra”, do ”Ataque
Frontal”, “protagonizado em um período em que esse é apenas causa de fiascos”,
ao prestar louvores aos posicionamentos de Stalin, considerado por Gramsci
como “il più recente grande teorico”, o gramiscismo coloca às
claras os sintomas de natureza febril aguda, infecto-contagiosa, que deixa
cicatrizes manifestamente típicas e bem evidentes, tal como as bexigas-negras.
O radekismo-brandlerista, do início dos anos 20, enquanto
deformação política específica, é,
porém, muito mais sútil e de difícil reconhecimento, posto que resulta muito
menos conhecida e popularizada nos nossos dias.
Expande-se desvitalizando, ardilosamente desde uma perspectiva
jornalístico-cética, essencialmente versátil, multiforme, cínical, maleável,
sinuosa, os fundamentos do marxismo revolucionário, tal como um tumor maligno
de origem dificilmente reconhecível que desalenta e destrói os tecidos e os
vasos vitais de um organismo partidário proletário-revolucionário, posto que o
desvigora em nome da suposta luta contra o sectarismo ultra-esquerdista e o
oportunismo, bem como da cínica defesa da herança socialista-revolucionária não
apenas de Marx, Engels e Lenin, senão ainda do legado de Trotsky
e de sua luta contra a ascensão do burocratismo stalinista, legítimos
patrimônios transmitidos às novas gerações de revolucionários proletários.
Recorde-se, exemplificativamente, nesse sentido, as palavras de Radek
proferidas, com maleabilidade e desembaraço, ao pleitear, na qualidade
de Secretário
do Comitê Executivo do Komintern, responsável, junto ao III
Congresso Mundial da Internacional Comunista pelo informe sobre tática
revolucionária, o retorno à defesa da tática da Frente Única, imediatamente
depois de ter recomendado, meses antes, a Ativação Revolucionária do Partido Comunista
da Alemanha(KPD), no quadro da Teoria da Ofensiva ou do Ataque
Revolucionário Tempestuoso, de autoria de Nikolai Bukharin e Grigori
Zinoviev, coroadora da estrondosa derrota da Ação de Março de 1921 :
“ Companheiros,
Não vou lhes fatigar com uma série de citações que poderia ser trazida aos
montes, tal como já foi indicado na imprensa comunista da Rússia, referindo que
a correlação de forças na Europa Ocidental, que as forças da burguesia de lá
torna improvável um assalto à burguesia através de uma sublevação das massas
populares.
Não preciso recordar os delegados alemães de que nós, na Alemanha, desde
1919, adquirimos, enquanto ponto de partida de nossa tática, a convicção de que
a dinâmica de desenvolvimento da revolução mundial será mais arrastada, sendo
que deveríamos lutar, precisamente por isso, com toda energia, contra a
impaciência revolucionária de esquerda. ...
Quando falamos de uma dinâmica lenta da revolução, queremos dizer que será
um processo lento com grandes lutas, no qual os partidos do comunismo não terão
nenhuma possibilidade de se instalar sossegadamente em etapas, tranqüilizar-se,
tabalhar lenta e pacificamente, aguardando o que o tempo trará.
Será um sobe e desce de lutas. ...
Por isso, tenho de dizer que se vozes são escutadas nas fileiras da
Internacional Comunistas – tal como o discurso do companheiro Smeral - acerca
do lento desenvolvimento e se são apresentadas imagens tal como aquela de que a
Guerra de Movimento passará para a Guerra de Trincheira (obs. tal como Gramsci
assinala, Guerra de Trincheira corresponde à Guerra de Posição), trata-se, em
nossa opinião, de uma falsa concepção acerca da dinâmica do desenvolvimento.
O que vivenciamos não é a transição da guerra móvel em Guerra de Trincheira, mas sim a formação
dos grandes exércitos do proletariado mundial!”[28]
A orientação política Radek-Brandler alcançou o seu brilho
fugaz logo após o IV Congresso Mundial do Komintern, dissemindando-se no contexto
da ascensão, cada vez mais ostensiva, da Troika de Zinoviev, Kamenev e Stalin, quando
a arte das manobras políticas tornava-se a principal estratégica opcional em
prejuízo do fomento das lutas revolucionárias de massas.
Suas elaborações teóricas que permitiram constituir umas das referências
teóricas da futura consagração das táticas stalinistas do Komintern burocratizado,
de Frente
Única, Frente Nacionalista, Frente Democrática e Frente Patriótica, traz
em seu bôjo, entretanto, precursoramente, o embrião do fim da etapa
revolucionária do bolchevismo dos anos 20 que, acreditava na possibilidade de a
revolução socialista proletária poder se expandir pela Europa Ocidental, fazendo
com que, sob a pressão das lutas revolucionárias, as massas de trabalhadores e
demais oprimidos, agrilhoadas à influência da Social-Democracia, se
conformassem em potente força de movimento, mediante a aplicação de táticas e
consignas de transição, suficientes para tranformar as estruturas sociais e
políticas dos países industrialmente avançados.
A identificação da falsificação marxista Radek-Brandler do início
dos anos 20 no interior do movimento revolucionário socialista-proletário da
atualidade, é, por essa razão, tanto mais difícil de ser diagnosticada, pois
aqueles que sucumbem a essa orientação política fundam-se, doutrinariamente,
nos mesmos documentos principiológicos e programáticos defendidos pelo marxismo
revolucionário, i.e. por Marx e Engels, Lenin, Sverdlov e Trotsky, ainda
que o façam como “hóspedes” – e não como “militantes” - na luta em prol das autênticas exigências
levantadas pelo curso da revolução socialista internacionalista.
De toda sorte, o elemento mais sintomático mais seguro para a identificação
da degenerescência radekista-brandlerista, o qual permite seguramente colocar a nú
sem discurso subreptício de luta contra supostos doutrinarismos
ultra-esquerdistas e oportunismos de todos os gêneros, é seu chamado político à
capitulação frentista, disfarçado com críticas e denúncias, diante das forças
reformistas da Social-Democracia, durante o período preparatório que conduz à
tarefa de organização do levante armado do proletariado para fazer saltar pelos
ares o Estado Burguês.
Ceticismo sectário em relação ao partido proletário
revolucionário poder organizar-se, construir-se e lutar independentemente, não
se atrelando, servil e fatalisticamente, ao reformismo social-democrático,
mediante ornamentos críticos e denúncias conducente a uma prosternação
inconseqüente.
Seguidismo oportunista, eleitoralista e governista, em relação ao reformismo social-democrático, de modo a fazer com que as
fórmulas de Frente Única e Governo
dos Trabalhadores não sejam contempladas como um instrumento da
instauração da Ditadura Revolucionária do Proletariado, senão como forma de,
no quadro e antecipadamente com os meios da democracia burguesa, conquistar o
poder e nele comtemporizar com as forças reformadoras do despotismo capitalista
e do Estado
Burguês.
Táticas e estratégias essas dignas de uma orientação política versátil,
cínica, plástica e multiforme, hesitante e sinuosa, que, alegando fundar-se
juradamente no marxismo revolucionário de Lenin, Sverdlov e Trotsky, ousa, com
aparentes magnifícios aperçus, omitir, despurodamente,
seus próprios e específicos sectarismo e oportunismo, mediante o semear e
propagar ilusões, miragens e seduções acerca do caráter fundamental do
reformismo e do papel político contra-revolucionário da Social-Democracia em
face das lutas de emancipação do proletariado.
Depois da derrota da Revolução Alemã de 1923, Radek
foi afastado do Executivo do Komintern e de sua atividade junto à
direção do Partido Comunista da Alemanha(KPD), em meio a uma áspera polêmica travada contra Zinoviev.
A seguir, Radek tornou-se reitor da Universidade Sun Yat-Sen, em Moscou,
dedicando-se, então, ao estudo da luta de classes da China.
A partir de 1923, Radek aderiu, como “hóspede”, à Oposição de Esquerda, encabeçada
por Trotsky, ao mesmo tempo em que impulsionava a Oposição
de Direita, de Brandler.
Em 1926, pouco antes de Trotsky e Zinoviev construírem a Oposição Unificada para a luta contra a crescente
burocratização stalinista, Radek, depois de ver falido seu precedente projeto anti-zinovievista de
aproximação da Oposição de Esquerda às
posições de Stalin, tornou-se, durante dois anos, um dos líderes mais
furiosos do bloco anti-stalinista.
Em dezembro de 1927, Radek foi expulso do PC da URSS, no quadro do XV Congresso desse partido, sendo enviado para o desterro.
Em fins de 1929, Radek decidiu apresentar sua
capitulação à Stalin e retornar à Moscou.
Quando seu trem deixava a estação ferroviária da Sibéria, sob escolta da
polícia política stalinista, de seu áspero e rápido diálogo com os
oposicionistas remanescentes, publicou-se o seguinte no Boletim de Oposição, Nr. 6 de outubro
de 1929 :
“Pergunta : “- E qual é sua posição em relação à L. D. (i.e. Trotsky) ?”
Radek : “ - Com L. D. rompi defenitivamente. De agora em diante, somos
inimigos políticos... Com um colaborador do Lord Beaverbrook não temos nada em
comum.”
Pergunta : “Você vai exigir a revogação do Art. 58 ?
Radek : “ De jeito nenhum. Quem nos acompanhar, estará dele liberado por si
mesmo. Porém, nós não liberaremos do Art. 58 aqueles que querem levar para a
cova o trabalho no Partido e organizar a insatisfação das
massas.”
Os agentes da OGPU não nos permitiram falar até o final.
Empurraram Karl (Radek) no vagão, culpando-o pela agitação contra o
banimento de Trotsky. Do vagão, Radek gritou :
“ - Eu estou agitando
contra o banimento de Trotsky? Ha-ha-ha ....
Estou agitando para que os companheiros voltem para o Partido.”
Os agentes da OGPU escutaram calados e continuaram a enfiar Karl no vagão.
O trem de alta velocidade colocou--se em movimento ...”[29]
A partir desse momento, restaurada sua filiação ao PC da URSS, Radek
retomou, sofregamente, seu trabalho como especialista de questões
internacionais e embaixador especial do stalinismo – tal como na missão de
janeiro de 1933, junto a Josef Pilsudski.
Após tais eventos, veio a notabilizar-se não apenas como um dos patronos da
Constituição
Stalinista de 1936 – ao lado
de Evgenii
Pashukanis -, senão ainda como testemunha chave de acusação nos
processos políticos forjados por Joseph Stalin e seu procurador do
Estado, Andrei Vyshinskii.[30]
Durante o período de sua capitulação ao stalinismo, Radek escreveu, assiduamente, nas colunas do Pravda e do Izvestia, até 1937.[31]
Nesse último ano, K. Radek e G. Piatakov foram acusados no Segundo Grande Processo de Moscou, tendo
sido o primeiro sentenciado a 10 anos de prisão.[32]
Durante vários mêses subsistiram rumores no sentido de que Radek
seguiria vivo e politicamente ativo, deslocando-se para o exterior, de
tempos em tempos, a fim de examinar questões políticas.
Nada obstante, a maioria dos historiadores afirma que, recolhido em um
campo de concentração logo após sua condenação, Radek deve ter falecido em 1939, nos calabouços do stalinismo.[33]
No que diz respeito às produções intelectuais de Radek, em seu período stalinista, destaca-se seu panegírico a Stalin, produzido em 1934, por demais marcante
de seu abordagem teórico-política :
“Na última palestra, ocupamo-nos com o momento histórico em que a notícia
da partida prematura do nosso grande mestre e dirigente, Lenin, abalou o mundo,
com o momento em que o invólucro mortal, elevado aos ombros de seus amigos e
sobre a cabeça de milhões de massas impendia no interior do Salão das Colunas
e, ali, durante vários dias, tornou-se o destino da peregrinação dos
trabalhadores e camponeses de nosso grande país e do mundo inteiro.
Ainda soam no ar as palavras esculpidas de granito do juramento que prestou
Stalin, o Secretário Geral do Partido, no Teatro Bolshoi.
Palavras que significam que o Partido conservará sua lealdade ao legado de
Lenin de luta contra o capitalismo, que conduzirá essa luta até o seu final
vitorioso, apoiado na solidariedade do proletariado internacional, na aliança
dos trabalhadores e camponeses, consolidando a Ditadura do Proletariado,
velando pela unidade das fileiras leninistas como suas pupílas ....”[34]
A esse último episódio político da vida de Radek, Trotsky não pode
senão destacar, de maneira aguda e acurada :
“Desde meados de 1929, o nome de Radek tornou-se, nas fileiras da oposição,
o símbolo das formas mais indignas da capitulação e dos desleais apunhalamentos
pelas costas dos amigos de ontem(p. 156).
Nas fileiras dos trotskystas, Radek tornou-se, desde então, a figura mais
odiosa: ele não é apenas um capitulador, mas também é ainda um traidor(p.157).”[35]
CAPÍTULO I
PERCURSO POLÍTICO DE
KARL RADEK
ATÉ O INÍCIO DOS ANOS 20
Radek, também muito renomado por seu nome de guerra Parabellum,
nasceu, em 31 de outubro de 1885, no seio de uma família
judía-polonesa, em Lvov, na província de Lemberg, Galícia (Polônia Austríaca), hoje
território da Ucrânia.
Seus pais trabalharam como funcionários dos correios.
Radek estudou, inicialmente, Direito, nos anos de 1902 e
1903, em Cracóvia e Tarnov (Polônia Austríaca) e aperfeiçou,
posteriormente, seus conhecimentos em Viena, na Áustria, e em Berna, na Suíça.
Ainda como um jovem estudante de Tarnov, Radek ligou-se, a partir dos
18 anos, ao Partido Socialista Polonês(PSP), que intervia na qualidade de
porta-voz dos interesses nacionalistas do movimento operário polonês.
Logo a seguir, porém, Radek foi captado pelo grupo
marxista denominado Partido Social-Democrático do Reino da Polônia e da Lituânia (PSDRPL), encabeçado
por Luxemburg,
Dzerjinski, Jogiches e Marchlevski tendo nele permanecido ativo através
de sua militância clandestina, entre os anos de 1904 e 1908.
Nessa época, o PSP impulsionado pelo Partido Social-Democrático da Polônia(PSDRPL),
veio a desempenhar um expressivo papel na Revolução de Varsóvia de 1905, onde
dirigiu o jornal do partido, intitulado Czerwony Sztandar, i.e. Bandeira
Vermelha.
Preso em 1906, Radek lograria fugir, ingressando na Alemanha, em 1908, quando
adotou, pela primeira vez, o nome de guerra Parabellum.
Suas produções jornalísticas tiveram início junto às colunas dos jornais Leipziger
Volkszeitung (Gazeta Popular de Leipzig) e Bremer Bürgerzeitung (Gazeta do
Cidadão de Brêmen), ambos esses diários pertencentes ao Partido
Social-Democrático da Alemanha(PSDA).
Data do ano de 1910, as primeiras críticas de Lenin aos posicionamentos
teóricos de Radek quanto ao caráter da defesa do programa mínimo seja no
quadro das relações sociais capitalistas em geral, seja na política
internacional em particular :
“Acerca de seus principais artigos no Leipziger Volkszeitung(Gazeta Popular
de Leipzig), devo dizer que a questão é muito interessante.
Na realidade, ocupei-me pouco com isso, porém parece-me que você não tem
plenamente razão.
O critério da “inexeqüibilidade ... no quadro do capitalismo” não pode ser
entendido no sentido de que a burguesia não permite, que isso é inexeqüivel e
coisas semelhantes.
Nesse sentido, muitas das consignas de nosso programa mínimo “são
inexeqüiveis”, porém são, apesar disso, necessárias.
Além disso, onde você menciona o Relatório da Internacional, você deixa de
fora, na citação de Marx, as palavras
nas quais se trata dos princípios das relações entre os Estados.
Não se trata aí do programa mínimo na política internacional ?
E, finalmente, por que você não menciona com nenhuma palavra o trabalho de
Engels “Pode a Europa Desarmar-se?” ?
Você tem total razão, na minha opinião (tudo se trata evidentemente de
minha opinião pessoal), que a reivindicação de armamento do povo não pode ser
deixada de lado.
Não seria, porém, mais correto, dirigir o ataque não no sentido de que, na
Resolução, fala-se desarmamento, mas sim de que ela não contém Exército
Popular?”[36]
No quadro de uma postura ainda inicialmente fraternal, Lenin solicitaria a Radek,
ainda no mesmo ano, a publicação, nas colunas do Leipziger Volkszeitung(Gazeta
Popular de Leipzig), de um de
seus importantes artigos de polêmica contra Martov e Trotsky :
“Eu gostaria, porém, de não deixar irrespondidas as terríveis vulgaridades
e retorsões de Martov e Trotsky.
Já tenho pronto algo como um terço ou a metade de meu artigo.
O tema é : “O Sentido Histórico das Lutas Internas Partidárias na Rússia”.
Peço-lhe muito uma sugestão : seria possível e aconselhável publicar esse
artigo no Leipziger
Volkszeitung(Gazeta Popular de Leipzig) ? ...
Se você me pudesse dizer algo a respeito disso, ser-lhe-ia muito grato.
Eu gostaria de saber, p. ex., se você poderia apresentar diversos folhetins
no Leipziger Volkszeitung(Gazeta Popular de Leipzig) sobre esse tema.
Qual o tamanho máximo dos artigos ?
Além disso : eu não consigo escrever em alemão. Eu escrevo em russo.
Você poderia provicenciar a tradução em Leipzig ou é-lhe muito incômodo ou
por demais trabalhoso, sendo que devo encontrar por aqui um tradutor (poderia
encontrá-lo também como toda probabilidade) ou ainda eu escreveria em meu alemão
de má qualidade (uma prova disso você tem nessa carta) e, em Leipzig,
procura-se traduzir de meu mau alemão em um bom alemão.
(Uma vez um amigo contou-me que que é mais fácil traduzir para ao alemão a
partir de um bom russo do que um mau alemão.)”[37]
Desse episódio, o historiador alemão de linhagem stalinista-reciclada, Dietrich
Möller, assinala que, de Leipzig, Radek enviou, ao longo de 1910,
diversos artigos a Lenin, em Paris, que, aparentemente, não foram
aí publicados e, d’outra parte, Lenin remeteu artigos a Radek,
para o Leipziger Volkszeitung(Gazeta Popular de Leipzig) que,
certamente, jamais conheceram a luz em suas páginas[38].
Domiciliado em Leipzig e Brêmen, Karl Radek iria, desde
logo, notabilizar-se por sua cerrada polêmica jornalística e pela organização
de um agrupamento partidário, composto por jovens militantes, dedicados à luta
contra ao revisionismo oportunista de Karl Kautsky e a linha
social-chauvinista da direção do Partido Social-Democrático da
Alemanha(PSDA), dirigido, à época, cada vez mais ostensivamente, por Friedrich
Ebert, Philip Scheidemann e Gustav Noske[39].
Data desse período sua ligação política com August Thalheimer, futuro
membro do bloco político Radek-Brandler, que se tornaria
dirigente nos anos revolucionários de 1922 e 1923, editor do jornal
social-democrático Freie Volkszeitung(Gazeta Livre do Povo), de Göppingen.
Entretanto, em 1912, Radek seria formalmente excluído das
filerias da Social-Democracia Polonesa, ao opor-se à direção política de Luxemburg
e Dzerjinski, tendo sido acusado de patifaria, apropriação de dinheiro,
livros e roupas da organização e colaboração com o governo alemão e
austro-húngaro[40].
No mesmo ano, “o caso Radek” foi colocado em discussão no Congresso
do Partido Social-Democrático da Alemanha(PSDA), realizado em Chemnitz.
A moção que clamava por sua expulsão gozou de grande simpatia por parte da
burocracia revisionista dirigente da Social-Democracia Alemã, que o
considerou como jamais tendo sido membro regular oficial do partido alemão,
representando apenas um intruso.
Além disso, a direção de Ebert e Noske entendeu que, tendo Radek
sido expulso anteriormente das fileiras da Social-Democracia Polonesa, não
poderia ter jamais aderido à Social-Democracia Alemã, de vez que
nenhum excluído por um partido irmão poderia pleiter tornar-se membro de
qualquer organização da II Internacional.
Com o decidido apoio de Rosa Luxemburg, Clara Zetkin e os
demais seguidores dessas dirigentes políticas, Radek haveria, então, de
ser também expulso desse último partido, em 1913, sob a base das mesmas
acusações escandalosas de roubou e desvios de meios financeiros partidários.
Sendo Luxemburg considerada como exemplo de comportamento socialista,
Radek
passava a ser entrevisto, em sentido contrário, diante dos olhos de
muitos militantes revolucionários da época, como uma pessoa marcadamente
imoral.
Nesse sentido, a historiadora e antiga comunista alemã, de orientação
zinovievista, Ruth Fischer, escreve da seguinte forma :
“Ele (i.e. Radek) foi pintado como tendo mau caráter. Ele tinha pedido
emprestado um casaco ( ou, por outras versões, um par de calças) de um
companheiro, em uma noite fria de inverno, e não o devolveu imediatamente.
Sobre a base desse e de episódios similares insignificantes, concluiu que
ele era um ladrão.
A pequena burguesia do partido fez um barulho pomposo acerca desse
comportamento “não socialista” e em protesto contra essa campanha de lama,
Parabellum adotara, diversos anos antes, um novo pseudônimo, K. Radek, que para
um polonês sugere a palavra kradziez,
i.e. ladrão.
Luxemburg e Radek eram ambos membros dos partidos alemão e polonês e esse
incidente no partido alemão foi um reflexo da ruptura do mesmo ano no partido
polonês, na qual Luxemburg dirigia uma fração e Radek a outra.
Luxemburg tinha sido apoiada pela maioria dos dirigentes nacionais e Radek
fora-o pela organização de Varsóvia, incluindo Valecki, Unschlicht e Hanecki.
Lenin dispôs-se em favor do Grupo de Varsóvia. ...
O caso não foi um pequeno episódio na vida de Karl Radek.
Para ele, tratou-se de uma ofensa dolorosa ser privado de sua filiação ao
partido alemão, o tipo mais elevado de organização Social-Democrática.”[41]
Os principais defensores de Radek nesse processo escandaloso
foram, pelo contrário, Anton Pannekoek e seus aliados de Brêmen,
impulsionadores do jornal Arbeiterpolitik(Política dos Trabalhadores),
bem como Karl Liebknecht.
Esse último considerou Radek como vítima de uma direção
revisionista que aplicava descaradamente represálias políticas contra todos os
que a criticavam de desvios pacifistas e nacionalistas.
No plano internacional, não apenas Lenin, senão ainda Trotsky,
pronunciaram-se em favor de Radek[42].
Com os méritos hauridos em sua luta contra as posições de Kautsky,
Radek logrou atrair, cada vez mais, as atenções de Lenin que permanecia,
entretanto, manifestamente crítico em relação aos seus posicionamentos
teórico-intelectuais e suas atitudes político-práticas.
Em janeiro de 1914, Lenin teve a oportunidade de escrever
a Wijnkoop
:
“No Leipziger Volkszeitung(Gazeta Popular de Leipzig), Radek escreve sobre
questões russas.
Porém, Radek não representa, nem sequer, qualquer dos grupos na Rússia !
É cômico imprimir os artigos dos emigrantes que nada representam e não aceitar
aqueles que dos representantes das organizações existentes na Rússia! ...
Lamentavelmente, nem mesmo Pannekoek, no Leipziger Volkszeitung(Gazeta
Popular de Leipzig), quer compreender que se deve publicar os artigos de ambas
as correntes sociais-democráticas na Rússia – e não os artigos de Radek que
representam apenas sua ignorância pessoal e suas idéias visionárias,
indispondo-se a transmitir fatos concretos.”[43]
Com a eclosão da I Guerra Mundial do capitalismo
imperialista, Radek, procurando esquivar-se ao seu recrutamento nas
fileiras do Exército Imperial Austro-Úngaro, refugiou-se na Suíça[44].
Nesse país, Radek demonstrou, desde logo, seu ceticismo pessimista, vindo a
decepcionar profundamente Trotsky, que nele depositava, então,
expressivas expectativas de atuação revolucionária :
“Naqueles dias, entrei, pela primeira vez, estreitamente em contato com
Radek, o qual, no início da guerra, veio da Alemanha para a Suíça.
No partido alemão, ele se situava na extrema esquerda, sendo que eu
pretendia nele encontrar um partidário de minhas convicções.
Efetivamente, Radek condenava, com extraordinária incompatibilidade, o
segmento dirigente da Social-Democracia Alemã.
Nisso, nós estávamos de acordo com ele.
Porém, com surpresa, constatei, na conversação, que ele também não
acreditava na possibilidade de uma revolução proletária em conexão com a guerra
nem, em geral, em época próxima.
“- Não !”, respondeu ele, “para isso as forças produtivas da humanidade,
consideradas em seu conjunto, ainda não se encontram suficientemente
desenvolvidas.”
Eu estava simplesmente acostumado em ouvir que as forças produtivas da
Rússia não eram suficientes para a conquista do poder pela classe
trabalhadora.
Porém, jamais havia imaginado que uma tal resposta poderia ser dada por um
político revolucionário de um país capitalista avançado.
Radek deu, logo depois de minha partida de Zurique, um longo informe,
naquele mesma Associação Sindical(Eintracht - Unidade), argumentando
prolixamente não estar o mundo capitalista preparado para a revolução
socialista.
Sobre o artigo de Radek, tal como, em geral, sobre a perspectiva socialista
suíça no início da guerra, relatou o escritor suíço Brupbacher em suas
interessantes memórias. ....
Quando os jornais socialistas alemães e franceses deram uma clara imagem da
catástrofe política e moral do socialismo oficial, coloquei de lado meu diário
para ocupar-me com uma brochura política acerca do tema da guerra e da
internacional.
Sob o impacto de minha primeira conversação com Radek, redigi para essa
brochura um prefácio em que enfatizei, ainda com mais energia, que a atual
guerra nada era senão uma insurreição das forças produtivas do capitalismo,
consideradas em escala mundial, contra a propriedade privada, de um lado, e
contra as fronteiras nacionais, de outro ...
O livrinho “Guerra e Internacional”, tal como todos os outros livros,
possuiu seu próprio destino, em primeiro lugar, na Suíça, depois, na Alemanha e
na França, em seguida, na América e, por fim, nas Repúblicas Soviéticas.”[45]
Nada obstante, Radek postulou sua participação nas Conferências de Zimmerwald e
Kienthal, seguindo colaborando com o jornal de Anton Pannekoek, Arbeiterpolitik(Política
dos Trabalhadores), publicado em Brêmen, com o que passou a
desempenhar um papel de grande importância no seio do agrupamento da Esquerda
de Zimmerwald.
Não obstante, nesse último agrupamento, Radek atritou-se e
chocou-se, desde logo, diametralmente com as posições de Lenin.
Inúmeras são as referências de Lenin acerca de Radek que datam desse
episódio histórico, quase todas pesadamente desabonadoras não apenas da
orientação política postulada por esse revolucionário versátil e prolixo, senão
ainda severamente repreensivas de suas atuações manobristas, hesitantes,
intriguistas e de baixo caráter[46].
No fim de agosto de 1915, Lenin dirigiu-se, asperamente, a Radek,
irresignado :
“Em anexo seu esboço. Nenhuma palavra sobre os Sociais-Chauvinistas e (=) o
oportunismo e de luta contra isso.
Para que tal embelezamento do mau e acobertamento perante as massas do
principal inimigo nos partidos sociais-democráticos ?
Você vai insistir, de maneira ultimativa, em não dizer nenhuma palavra
aberta sobre a luta implacável contra o oportunismo ? ...
(Seu esboço é por demais “acadêmico”, nenhum chamado à luta, nenhum
manifesto de luta.)”[47]
A seguir, Radek atacou, subrepticia e ardilosamente, a validade da
consigna do Direito de Auto-Determinação das Nações Oprimidas, impulsionando
atividades rupturistas e intriguistas em favor da palavra de ordem “Luta
de Massas Revolucionárias do Proletariado contra o Capital Contra Todas as
Anexações” e contra “Atos Nacionais de Violência”.
Contra esse posicionamento de Radek, Lenin assinalou, precisamente
:
“O Manifesto de Zimmerwald, tal como a maioria dos Programas ou das
Resoluções Táticas dos partidos sociais-democráticos, proclamam o Direito de
Auto-Determinação das Nações.
O Companheiro Parabellum(i.e. Radek) declara, nos Nrs. 252 e 253 do “Berner
Tagwacht(A Guarda do Dia de Berna)”, como ilusória a “Luta contra o Direito de
Auto-Determinação Não-Existente” e o opõe à “Luta de Massas Revolucionárias do
Proletariado contra o Capital”, na medida em que assegura que “somos contra as
anexações”(essa garantia é repetida cinco vezes no artigo do comp. Parabellum)
como também contra “Atos Nacionais de Violência(p.412).
Marx exige a separação da Irlanda da Inglaterra – “ainda que, depois da
separação, possa surgir uma federação” – e fá-lo, em verdade, não do ponto de
vista da utopia pequeno-burguesa do capitalismo pacífico, não por “Justiça para
a Irlanda”, senão a partir da posição dos interesses da luta revolucionária do
proletariado da nação opressora, i.e. inglesa, contra o capitalismo(p. 417).”[48]
Nesse mesmo quadro, Radek condenou o Levante
Irlandês da Páscoa de 1916, qualificando-o de Putsch, i.e. Golpe de Estado.
Acerca do tema, Lenin precisou, ao dirigir-se a Kollontai :
“Designar o Levante da Irlanda de
“Putsch” ( você viu K. Radek no “Berner Tagwacht(A Guarda do Dia de Berna)”
?) - e você aceita isso pacientemente?
Isso eu não posso entender. Isso eu não posso absolutamente entender.
Eis aí, pois, a prova para a pendanteria repugnante e o estúpido
doutrinarismo de K. Radek no Berner Tagwacht(A Guarda do Dia de Berna) e “de
seus semelhantes”.”[49]
Em sua renomada obra Resultados da Discussão sobre a
Auto-Determinação, Lenin sublinhou, mais claramente :
“As concepções dos adversários da auto-determinação leva à conclusão de que
a vitalidade das pequenas nações, oprimidas pelo imperialismo, já se esgotou,
que elas não poderiam desempenhar nenhum tipo de papel em face do imperialismo,
que o apoio de suas aspirações puramente nacionais não levaria a nada etc.
A experiência da guerra imperialista de 1914-1916 contesta faticamente
conclusões desse gênero(p. 361). ...
No Berner Tagwacht(A Guarda do Dia de Berna), órgão dos militantes de
Zimmerwald, inclusive de alguns esquerdistas, surgiu, em 9 de maio de 1916, por
ocasião do Levante Irlandês, um artigo assinado por K. R., intitulado “Uma
Canção Batida”.
O Levante Irlandês é ali declarado, nada mais nada menos, como um “Putsch”,
pois “A Questão Irlandesa” teria-se tornado uma questão agrária, sendo que os
camponeses haveriam-se acalmado com as reformas, o movimento nacionalista seria
agora uma “um movimento puramente pequeno-burguês citadino, atrás do qual não
se encontra muito de social, apesar do grande barulho que ele promoveu.
Não de se admirar que esse monstruoso julgamento em seu doutrinarismo e sua
pedanteria coincida com aquele de um russo cadete, nacional-liberal, A.
Kulischer(cf. Retsch, de 15 de abril de 1916, Nr. 102), o qual designou o
levante igualmente como o “Putsch de Dublin(pp. 362 e 363)”.[50]
Durante todo o ano de 1916, acirraram-se, agudamente, as diferenças teóricas,
políticas e organizativas entre Lenin e Radek, tal como o primeiro
nos informa, em suas cartas a Alexander Schliapnikov :
“Os editores compremeteram o “Comunista”, pois não quiseram discutir – para
uma discussão não escreveram ou prepararam o mínimo -, mas sim explorar as
aspirações de Radek de entrar de contrabando, por desvios, em nosso
partido.
Tanto Radek como o pessoal de “Nashe Slovo”, bem como muitos outros dos
grupos estrangeiros, entrecruzam-se para, sob o manto da discussão, provocar
rupturas junto a nós, desenvolver insatisfações, entravar o trabalho (o velho
jogo dos estrangeiros).
Você sabe, certamente, que Radek botou-nos para fora da redação do
“Vorboten(O Precursor).
De início, acertou-se a constituição de uma redação comum de ambos os
grupos : 1. os holandeses ( talvez +
Trotsky) e 2. Nós (i.e. Radek, Grigori e eu).
Essa condição assegurou-nos a igualdade na redação.
Radek intrigou durante meses a fio e impôs junto à “proprietária” (Roland-Host)
que esse plano fosse retirado. Somos agora apenas colaboradores. É fato !
É adequado conceder à Radek como recompensa por esse fato o Direito de
“discussão” e aos editores, o Direito de se esconder atrás de Radek ?
Isso não será nenhuma discussão, senão aborrecimento e intriga.”[51]
“O “Comunista” era um bloco provisório que havíamos constituído com dois
grupos ou elementos : 1. com Bukharin e Co. 2. com Radek e Co.
Enquanto se pode caminhar com eles, era necessário fazê-lo.
Agora, isso já não é mais possível.
Há de se separar, provisoriamente ou, mais corretamente, recuar-se um
pouco.”[52]
Criticando detidamente o método cético-jornalístico, meramente especulativo
de Radek,
Lenin ainda teve oportunidade de escrever a Kiknadze :
“Você discute sobre minha nota acerca da possibilidade de conversão também
da atual guerra imperialista em uma guerra nacional.
Seu argumento ? “Teremos de defender uma pátria imperialista ... “
Isso tem alguma lógica ? Se a pátria permanece “imperialista” como pode,
então, uma guerra ser nacional ??
O palavreado acerca das “possibilidades” é, em minha opinião, admitido por
Radek e pelo § 5 das Teses do Grupo “Internacional” de modo
teoricamente equivocado.
O marxismo situa-se sobre o terreno dos fatos e não das possibilidades.
O marxista pode admitir enquanto premissa de sua política apenas fatos comprovados exata e indiscutivelmente.”[53]
Ao final de todo esse percurso, Lenin assinalou, de modo
meridianamente claro e incisivo :
“De Radek, separamo-nos na arena russo-polonesa e não o convidamos para
colaborar em nosso Sbornik(Compêndio).
Assim, tinha de ser.
Agora, ele não poderá fazer nada que possa prejudicar o trabalho. ...
Estrategicamente, dou a causa por vencida.
Possivelmente, Juri + Co. + Radek + Co. irão chiar.
Allez-y, mes amis !”[54]
E, ainda :
“A má política do canalha lumpen e do crápula que não tem tanta força para
confrontar-se abertamente conosco, refugiando-se com intrigas, ataques pelas
costas e vulgaridades : aí você um exemplo ilustrativo do Radek é e faz.
(Um homem não se julga por aquilo que pensa ou diz de si mesmo, senão pelo
que faz : pense nessa verdade marxista !).“[55]
Já em 19 de janeiro de 1917, poucos dias antes da eclosão da Revolução
Russa de Fevereiro, visivelmente esgotado de seus dissabores com Karl
Radek, Lenin não se conteve em destacar :
“O idiota do Radek escreveu, há pouco, na conclamação polonesa, Befreiung Polens(Libertação
Polonesa) :
a construção do Estado noa é um objetivo de luta da Social-Democracia.
Isso é mais do que idiota !
Isso é semi-anarquismo, semi-idiotice.
Não. Nós não somos, de nenhuma maneira, indiferentes em face da questão da
construção do Estado, do sistema do Estado, de suas relações interativas.”
Engels seria o pai do “radicalismo passivo” ? Errado !
Você não conseguirá jamais provar isso.
(Bogdanov e Co. tentaram-no e apenas se ridicularizaram.)”[56]
Apesar dessas suas inúmeras tempestades de ânimos contra Radek,
Lenin
não encontrou, entretanto, impedientes para escrever o seguinte, em 30
de janeiro de 1917, resituando, radical e precisamente, seu posicionamento em
face de Radek :
“Incitei Radek a ter forças para escrever uma brochura (ele ainda
encontra-se aqui e – isso você provavelmente não esperou – somos bons amigos,
tal como sempre, quando se trata da luta contra o “Centro(i.e. contra o
Kautskyanismo)” e se não existe nenhum espaço para os subterfúgios radekistas,
para o jogo em relação aos da “Direita” etc.)
Andamos durante horas por Zurique e o “apertei”.
Então, ele se mexeu e escreveu-a. ...
Publica-la-emos em separado.”[57]
Tendo arrebentado a Revolução Russa de Fevereiro de 1917, Radek partiu
da Suíça
no trem blindado de Lenin e do grupo de bolcheviques que se dirigiu à Rússia, atravessando o território alemão.
Na medida em que Radek era portador de cidadania
austríaca, contavam os bolcheviques com seu impedimento de ingresso em
território russo, visto que a Rússia seguia em guerra contra a Áustria.
Sendo assim, Karl Radek e Angelica Balabanoff
foram encarregados da organização de um bureau
internacional do Comitê Central do Partido Bolchevique, em Stockholm,
para o impulsionamento da tarefa contatos internacionais e fomento da
propaganda revolucionária na Alemanha.
Enquanto membros da Esquerda Zimmerwald, Radek e Balabanoff foram,
ao mesmo tempo, incumbidos da missão de preparar o caminho para a criação de
uma nova organização internacional independente
No quadro desse período de luta, Lenin assinalou acerca de Radek
:
“O Pravda(A Verdade) traz sistematicamente notícias acerca da Alemanha que
não se encontra em nenhum outro jornal.
«De onde e como o Pravda recebe suas notícias especiais ? », pergunta a
Retsch(i.e. um jornal cadete, buguês-liberal)”, com sua fisionomia grave, em um
artigo, dotado de um título muito elucidativo “Uma Informação Estranha”.
De onde, Senhores Caluniadores ?
Dos telegramas e cartas do nosso correspondente, comp. Radek, um
social-democrata polonês que passou uma série de anos nas prisões czaristas,
que atuou mais de dez anos nas fileiras da Social-Democracia Alemã e foi
expulso da Alemanha em virtude de agitação revolucionária contra Wilhelm e
contra a guerra. Radek mudou-se especialmente para Stockholm para nos informar,
a partir de lá.”[58]
Não tomando parte diretamente no Levante Armado de Petrogrado, de 1917, Radek
foi encontrado, pela primeira vez, nessa cidade, em outubro de 1918.
Nessa ocasião, Karl Radek aderiu, formalmente, ao Partido Bolchevique,
sendo encarregado, imediatamente, por Tchitcherin, da direção da Divisão
Central Européia do Comissariado das Relações Exteriores.
Sob sua competência encontrava-se a organização de propaganda política
entre os prisioneiros de guerra
Nesse quadro, Radek patrocinou a Brigada Liebknecht, formada entre
alemães detidos nos campos de concentração siberianos e organizou grandes
manifestações em Moscou, onde delegados dos campos declaravam sua adesão à Revolução
de Outubro de 1917, formando comitês revolucionários por
nacionalidades.
A esse tempo, Radek passou a redigir nas colunas do Izvestia(Notícias), assinando
com o nome de Viator.
A seguir, Radek tomou parte das tratativas de Brest-Litovsk, a partir
de 26 de novembro de 1917, enquanto membro especialista para questões polonesas
da delegação bolchevique, encabeçada por Trotsky.
Nesse episódio, Radek notabilizou-se por sua postura agressiva, sarcástica e
hostil em face do Estado-Maior Alemão
As negociações de Brest-Litovsk representaram,
inquestionavelmente, um ponto relevantíssima gravidade para todas as
elaborações intelectuais e políticas futuras de Karl Radek.
De retorno à Rússia, Karl Radek fundiu-se em um bloco político com N.
Bukharin, M. S. Uritski, A. Joffe, G. Lomov e outros, visando
a atacar, sistematicamente, a política de Lenin e Sverdlov acerca da conclusão
do Tratado
de Paz de Brest-Litovsk[59].
Redigindo as páginas de “Kommunist”,
Radek dedicou-se à propaganda da consigna de Guerra
Revolucionária contra o Imperialismo Alemão.
Nesse contexto, Lenin atacou-o, metodicamente, denunciando-o como um deplorável
esquerdista que renegava suas próprias responsabilidades :
“Nossos “esquerdistas” lamentadores que, ontem, surgiram com seu próprio
jornal “Kommunist” (dever-se-ia
acrescentar : comunista da época pré-marxista), querem se subtrair ao
ensinamento e às lições da história, esquivando-se da responsabilidade.
Inúteis idiotices ! Não conseguiram esquivar-se.
Essas pessoas amontoam-se apenas, preenchem as colunas do jornal com
artigos inumeráveis e esfalfam-se, com o suor de seus rostos.
Não poupam “nem sequer” negritos de impressão, para qualificar a “teoria”
de “tomar fôlego” como uma “teoria” ruim e insustentável.
Mas, ah ! Seus esforços não são capazes de invalidar fatos. Fatos são
coisas duras, tal como assinala, corretamente, um provérbio inglês.
Fato é que, desde 3 de março, quando os alemães, a 1 h. da manha,
suspenderam suas operações militares, até 5 de março, às 7 hs. da noite, quando
escrevo essas linhas, temos tomado fôlego e utilizamos já esses dois dias para
uma defesa enérgica (não expressada em frases, senão com fatos) da pátria
socialista(p. 64). ...
Nossos “esquerdistas” lamentadores que se furtam aos fatos, às lições dos
fatos e da responsabilidade, procuram ocultar ao leitor o passado mais recente,
totalmente fresco, historicamente significativo, camuflando-o com coisas
supérfluas e transcorridas há muito
tempo.
Um exemplo : Radek recorda, em seu artigo, ter escrito em dezembro (em
dezembro!), que seria necessário salvar o exército a se manter, tendo redigido
acerca desse tema em seu “Memorando ao Conselho dos Comissários do Povo”.
Não tive a possibilidade de ler esse escrito e pergunto-me : Por que Karl
Radek não o publica inteiramente ? Por que não declara, pura e simplesmente, o
que entendeu, outrora, por uma “Paz de
Compromisso” ? Por que não se recorda do passado mais próximo quando, no
“Pravda(A Verdade)”, falou acerca de sua ilusão ( a pior de todas ) relativa a
ser possível concluir uma paz com os imperialistas alemães, sob a condição de
entrega da Polônia ?
Por que ? Porque os “esquerdistas” lamentadores são forçados a camuflar os
fatos que desmascaram sua responsabilidade, i.e. deles, dos “esquerdistas”,
pela propagação de ilusões, as quais ajudaram praticamente aos imperialistas
alemães e impediram o crescimento e o desenvolvimento da Revolução na
Alemanha(p. 65). ...
Quem, porém, disso não se recorda, quem não ouvi acerca disso, remetemos a
um documento que agora se tornou um pouquinho mais valioso, interessante e
instrutivo do que as penadas de Karl Radek de dezembro.
Esse documento, ocultado aos leitores lamentavelmente pelos “esquerdistas”,
é o resultado (em primeiro lugar) das votações de 21 de janeiro de 1918 na
Sessão do CC de nosso partido, juntamente com a atual Oposição “de Esquerda” e
(em segundo lugar) a votação do CC de 17 de feveiro de 1918.
Quando, em 21 de janeiro de 1918, foi tratada a questão relativa a dever-se
romper, imediatamente, as tratativas com os alemães, votaram (dentre os
colaboradores do pseudo-esquerdista “Kommunist”) apenas Stukov a favor. Todos
os demais votaram contra. ...
Quando, em 17 de feveiro de 1918, foi tratada a questão de saber quem era a
favor da Guerra Revolucionária, Bukharin e Lomov recusaram-se “a participar da
votação em face de uma tal colocação da questão”. A favor da proposta, não
votou ninguém.
Isso é um fato(p. 66).
Em minhas teses de 7 de janeiro de 1918, predisse, com total claridade,
que, em virtude da condição de nosso exército (a qual não poderia ser melhorada
com o palavreado dirigido “contra” as massas camponesas esgotadas), a Rússia
teria de concluir uma paz separa de má qualidade, caso não aceitasse a Paz de
Brest.
Os “esquerdistas” caíram na armadilha da burguesia russa que carecia de
meter-nos em uma guerra, a qual, para nós, resultaria a mais desfavorável
possível(p.67).”[60]
No mesmo sentido, Lenin sintetizou, historicamente, o
balanço dos momentos de embate contra os “esquerdistas lamentadores” da
seguinte forma, em sua célebre brochura O Radicalismo de Esquerda. Enfermidade
Infantil do Comunismo, surgido em 1920 :
“Se olharmos em retrospectiva para o período histórico, completamente
concluído, cujo contexto com os próximos períodos já se encontra às claras,
torna-se evidente que os bolcheviques não seria capazes de manter unido, nos
anos de 1908 a 1914, o sólido núcleo do partido revolucionário do proletariado
(sem falar, então, em fortalecê-lo, desenvolvê-lo, consolidá-lo), caso tivessem
imposto, no quadro da luta mais impiedosa, a concepção de que era
imprescindível combinar, necessariamente, as formas legais com as formas
ilegais de luta e participar, incondicionalmente, no parlamento
arqui-reacionário, bem como nas fileiras de outras instituições amarradas com
leis reacionárias (caixas de seguro etc.)
Em 1918, não se chegou a uma ruptura.
Os comunistas “de esquerda” formaram, outrora – e , em verdade, não por
longo tempo -, um grupo particular ou “fração” no interior de nosso partido.
No mesmo ano de 1918, os mais renomados representantes do “comunismo de
esquerda”, p.ex. os comps. Radek e Bukharin, admitiram, abertamente, o seu
erro.
Eles haviam acreditado que a Paz de Brest seria um compromisso com os
imperialistas, principiologicamente inadmissível e prejudicial para o partido
do proletariado revolucionário.
Tratava-se, de fato, de um compromisso com os imperialistas, porém
precisamente de um compromisso incondicionalmente necessário, no marco das
condições dadas...
Quando, porém, os mencheviques e os sociais-revolucionários, na Rússia, os
Scheidemanns (e, em grande medida, também os kautskyanos), na Alemanha, Otto
Bauer e Friedrich Adler (para nem falar dos Srs. Renner e cia.), na Áustria, os
Renaudel, Longuet e cia., na França, os fabianos, os “independentes” e os
“trudowikis”(i.e. os trabalhistas), na Inglaterra, concluíram compromissos, nos
anos de 1914 a 1918 e 1918 a 1920, com os bandidos de sua própria burguesia, às
vezes também com os “aliados” da burguesia, contra o proletariado
revolucionário de seu país, agiram todos esses Srs. como cúmplices do
banditismo.
A conclusão é clara : rechaçar “por princípio” compromissos, negar
meramente toda admissibilidade de compromissos, seja da forma que forem, é uma
infantilidade que deve ser levada severamente a sério.[61]”
Tal disputa política travada por Lenin contra os “esquerdistas lamentadores”, não o impediu, porém, de pleitear a
nomeação de Bukharin e de Radek
enquanto Comissários Políticos para o Conselho Central dos Sindicatos de Toda Rússia,
alegando precisamente o seguinte contra os que se opunham a tal medida :
“Talvez vocês conheçam melhores teóricos do que Radek e Bukharin.
Então, dêem-nos alguns.
Talvez vocês conheçam melhores pessoas que estejam familiarizados com o
movimento sindical. Então, dêem-nos algumas.
Como ? o Comitê Central não deve ter qualquer Direito de enviar pessoas nos
sindicatos que estão familiarizadas, teoriamente, da maneira mais profunda, com
o movimento sindical, conhecem a experiência alemã e são capazes de fazer valer
sua influência se é adotada uma linha equivocada ?
Um Comitê Central que não cumpra essa tarefa, não seria capaz de dirigir !”[62]
De toda sorte, a luta político-jornalística de Radek em torno da Paz
de Brest-Litovsk viria a marcar, entretanto, o seu profundo giro de
concepção acerca do dinâmica das ações revolucionárias das massas proletárias
rumo à consagração da revolução socialista internacional.
Tendo alcançado o seu ápice de entusiasmo revolucionário no início de 1918,
materializado em sua doutrina ideológica da Guerra Revolucionária contra o
Imperialismo Alemão, Radek foi assaltado, nos mêses e anos
subseqüentes, por um marcante ceticismo jornalístico-pessimista relacionado com
o futuro de lutas do comunismo revolucionário em todo mundo, ao ver-se diante
da necessidade de aceitar o posicionamento de Lenin e Sverdlov sobre a Paz
de Brest-Litovsk.
Tal postura cético-pessimística de Radek surgia, esporadicamente,
entrecortada, entretanto, não apenas por algumas de suas apreciações
entusiasticamente combativas, fundadas em posições de Lenin, Sverdlov e Trotsky, do
que são exemplos suas caracterizações evanescentes acerca das Revoluções
Bávara e Húngara, de 1919, como forma de diferenciar-se das posições de
Paul
Levi, embora Radek e Levi compartilhassem a
direção do Partido Comunista Alemão(KPD) ou ainda sua luta aberta,
imprevista e supreendente, ao lado da corrente de esquerda oposicionista alemã
contra as posições políticas oportunistas de Paul Levi, em janeiro de
1921.
Essa sua postura projetava-se, além disso, episodicamente, em erráticos
momentos ultra-esquerdistas, do que são exemplos seu lastimável entusiasmo pela
Guerra
Revolucionária contra a Paz de Brest Litovsk, nos primeiros meses de
1918,
e seu fugaz arrebatamento em prol da Ativação Revolucionária do
Partido Comunista da Alemanha(KPD), no quadro da Ação de Março de 1921, conduzindo
à sua sustentação passageira da Teoria da Ofensiva, de inspiração
Bukharinista e belakuniana.
Tais inquietações repentinas de combatividade de Karl Radek, registradas a
partir da eclosão das revoluções russas, deviam-se, porém, muito mais às suas
ambições estratégicas no quadro de suas lutas político-partidárias internas no PC da
URSS e no PC da Alemanha (KPD) do que de sua convicção íntima nos frutos
eventualmente produzidos pelo esquerdismo revolucionário.
Todos esses traços de oscilação da orientação política de Radek
são, entretanto, plenamente conformadores e caracterizadores de seus
posicionamentos hesitantes, multiformes, oscilantes, reticentes, versáteis.
Entretanto, em sua perspectiva política mais global, de matiz jornalístico
cético-pessimístico, é importante ter claro que Radek passou a teorizar,
ideologicamente, já após a conclusão da Paz de Brest-Litovsk, a possibilidade
de a Ditadura
Revolucionária do Proletariado, instaurada pela Rússia Soviética, não ser
capaz de resistir à ofensiva do capitalismo imperialista mundial.
O aguçar-se do terror vermelho, o fechamento da Assembléia Constituinte, os
eventos surpreendentes da Guerra Civil Soviética, prolongada
por vários anos, contribuíram ainda mais para fortalecer as posições hesitantes
e reticentes de Radek.
Se reticente quanto à celebração da Paz de Brest-Litovsk, Radek, enquanto
um dos principais arautos da conclusão do Tratado de Rapallo, de 16 de abril de 1922, entre
a Rússia
Soviética e a República Imperial de Weimar, conferiria
interpretação vulcanicamente estatal-colaboracionista, de caráter
russo-germânico e franco-britanofóbico, a esse instrumento público-internacional,
em verdade, tão somente consagrador da celebração de um acordo político
temporário entre o governo revolucionário de Lenin com a burguesia
hostil da Alemanha, rigorosamente subordinado à estratégia geral de expansão da revolução proletária em toda a Europa,
cuja essência consagrava, em primeiro plano, a solidariedade da classe
trabalhadora de todos os países.
Com efeito, Lenin defendera seja a conclusão do Tratado de Brest-Litovsk,
como a do Tratado de Rapallo, assim como a de todos os demais acordos do
governo soviético que encabeçava, tendo como contratantes Estados Burgueses,
enquanto compromissos efêmeros, necessários para ganhar-se tempo, objetivando à
orquestração da revolução proletária mundial, porém, de nenhum modo, como fazia
Radek,
enquanto freios efetivos de limitação da aplicação revolucionária da
tática de Frente Única e da consigna de Governo dos Trabalhadores dentro
do arco jurídico-constitucional, interno e internacional, estabelecido
diplomaticamente pelas políticas oficiais dos Estados, considerados em si
mesmos[63].
Seu afastamento, no início de 1918, das fileiras do Comunismo de Esquerda, encabeçado
por Radek
mesmo, em associação com Bukharin e Uritski, levou-o a,
posteriormente, a partir dos primeiros meses de 1920 em diante, a combater,
decididamente, até mesmo alguns de seus velhos aliados alemães, solidamente
ultra-esquerdistas, como Anton Pannekoek e Hermann Gorter, protagonistas
da ruptura pela esquerda do Partido Comunista da Alemanha(KPD), rumo
à fundação do Partido Comunista dos Trabalhadores Alemães(KAPD), em abril de
1920, bem como a antonizar o agrupamento holandês Tribunista, de Henriette
Roland-Host.
Marcado essencial e fundamentalmente por essa postura psicológico-política
de linhagem cético-pessimística, revolucionário-administrativista e
marcadamente estratégico-diplomática, Radek foi enviado à Alemanha,
enquanto membro de uma missão partidária bolchevique, após a expulsão,
em novembro de 1918, da Delegação Diplomática Russa, dirigida
por Joffe,
Bukharin e Rakovsky.
Quando tal missão foi detida em Vilna, por ordem do novo Governo
Social-Democrático Alemão, apenas Karl Radek logrou, com base em sua
cidadania austríaca, acessar o território alemão.
Na Alemanha, Karl Radek, representando o PC da
URSS, na qualidade de membro de seu Comitê Central, tomou
parte no Congresso Fundacional do Partido Comunista Alemão(KPD-Spartakus),
em dezembro de 1918.
Aqui, Radek defrontou-se novamente com sua velha oponente de lutas
partidárias na Polônia e na Alemanha, Rosa Luxemburg, sendo
que, porém, o que agora, mais uma vez, dividia-os era sua distinta apreciação
que possuíam relativamente à maneira de participação de Karl Liebknecht, Georg Lebedour e
Richard Müller no seio do movimento dos comitês de fábrica, considerada
por Luxemburg
como de índole marcadamente putschista.
CAPÍTULO II
KARL RADEK NOS PRIMEIROS ANOS
POSTERIORES À FUNDAÇÃO DO PCA (KPD)
E A GREVE GERAL SANGRENTA DE 1919
:
A GÊNESE HISTÓRICA DA VERSÃO DE
RADEK ACERCA DA TÁTICA DE FRENTE ÚNICA
Antes da explosão da I Guerra Mundial Imperialista, o
movimento dos trabalhadores alemães era o mais poderoso do mundo e servia de
paradigma para muito partidos socialistas.
No último congresso do Partido Social-Democrático da Alemanha(SPD),
de Jena,
em 1913, nas vésperas da deflagração da conflagração bélica de 1914, esse
partido contava com cerca de 1 milhão de membros, 90 jornais diários e
conformava, com seus 4 milhões e 250 mil votos, o maior partido alemão de todos
os tempos.
110 deputados federais, 220 deputados estaduais e 2.886 vereadores
representavam o partido da Social-Democracia Alemã no
parlamento do país.
Os sindicatos associados livremente à Social-Democracia Alemã incorporavam
cerca de 2,5 milhões de trabalhadores e possuíam, sob seu controle, um
patrimônio de cerca de 88 milhões de marcos alemães[64].
Com seu crescimento, o Partido Social-Democrático da Alemanha(SPD) havia,
entretanto, profundamente deformado-se, sem que isso se tornasse manifestamente
evidente à primeira vista.
Para o público externo em geral, a Social-Democracia Alemã, herdeira
legítima das tradições revolucionárias de Marx e Engels, seguia representando
um partido autenticamente radical-revolucionário[65].
Nada obstante, tal organismo político transformara-se, em seu interior, em
um partido claramente reformista que, apoiando-se sobre o proletariado alemão e
falando em seu nome, secundarizava o objetivo de conquista do socialismo em
relação à perspectiva de movimentos em favor da obtenção de reinvidicações
sócio-econômicas imediatas.
Os principais dirigentes da Social-Democracia Alemã promoviam,
além disso, a cada nova oportunidade que surgia, a mais integral deformação
oportunista das mais fundamentais premissas estratégicas do
marxismo-revolucionário, com principal destaque para a questão do levante
armado da classe trabalhadora, visando à implosão do Estado Burguês, a
imprescindibilidade de instauração da Ditadura Revolucionária do Proletariado,
incorporadora da mais ampla Democracia Proletária, bem como a
necessária compreensão do fenômeno da violência revolucionária para a derrubada
da burguesia, enquanto fenômenos de transição inevitáveis para o atingimento da
sociedade socialista.
Já mesmo no Projeto do Programa de Coalizão de Gotha, de 1875, cuja
elaboração foi, em grande parte, inspirada intelectualmente pelos lassalleanos,
sustentada enfaticamente por Eduard Bernstein[66],
admitida politicamente, apesar de leves e ligeiras críticas, por August
Bebel e Wilhelm Liebknecht – e rechaçada agudamente por Marx
e Engels[67] -,
a Social-Democracia
Alemã, rumando para a fusão dos eisenachianos e lassaleanos, não
reivindicou absolutamente, em seu “Congresso do Compromisso de Gotha”, ocorrido
entre os dias 22 e 27 de maio de 1875, a consigna programática de Ditadura
Revolucionária do Proletariado, bem como a indispensabilidade de
destruição armada do aparelho de Estado Burguês pelo proletariado – apesar da
experiência da Comuna de Paris - , mas sim estatuiu a edificação de um Estado
Popular Livre, a ser introduzido em substituição do então existente Estado
Prussiano, assentado, porém, inevitavelmente, sobre a dominação de
classe burguesa-capitalista[68].
Em sua renomadíssima carta a August Bebel, redigida entre 18 e 28
de março de 1875, Friedrich Engels teve oportunidade de escrever nitida e
irrefutavelmente acerca do tema :
“O Estado Popular Livre transformou-se
em Estado Livre.
Considerando-se em sentido gramatical, um Estado Livre é aquele em que o
Estado é livre em face de seus cidadãos, i.e. um Estado com governo despótico.
Dever-se-ia abandonar todo o palavreado acerca do Estado, particularmente
desde a Comuna que, em sentido próprio, já não era mais nenhum Estado.
O Estado Popular foi-nos atirado na cara, até não se poder mais, pelos
anarquistas, ainda que os escritos de Marx contra Proudhon e, posteriormente, o
“Manifesto Comunista” digam diretamente que com a introdução da ordem social
socialista o Estado dissolve-se por si mesmo e desaparece.
Uma vez que o Estado é, porém, apenas uma instituição transitória da qual
se lança mão na luta, na revolução, a fim de reprimir violentamente seus
adversários, torna-se puramente absurdo falar-se de um Estado Popular Livre :
enquanto o proletariado ainda necessita do Estado, dele necessita não no
interesse da liberdade, mas sim para a repressão de seus adversários e, tão
logo pode-se falar em liberdade, deixa o Estado de existir enquanto tal
Por essa razão, proporíamos colocar, em todos os lugares, ao invés de
Estado “Gemeinwesen(comunidade)”,
uma boa e velha palavra alemã que pode muito bem representar a “Comuna”
francesa[69].”
Em uma carta dirigida a Ferdinand Domela Nieuwenhuis, Karl
Marx, ainda em 1881, dois anos antes de sua morte, teve a oportunidade
de confirmar sua concepção de luta do revolucionária do proletariado, no quadro
da perspectiva de formação de um Governo Socialista :
“Não podemos resolver nenhuma equação que não inclua em seus dados os
elementos de sua solução.
Além disso, os embaraços de um Governo surgido repentinamente através de
uma vitória popular não são, de nenhuma forma, algo especificamente
“socialista”. Pelo contrário.
Os políticos burgueses vitoriosos sentem-se, imediatamente, embaraçados com
sua “vitória”, quando o socialista pode intervir, no mínimo,
desembaraçadamente.
Em uma coisa, você pode acreditar :
um Governo Socialista não assume o timão de um país sem situações tão
desenvolvidas em que possa tomar sobretudo as medidas necessárias para atordoar
(no original alemão : ins Bockhorn jagen, i.e. lançar no corno do bode) tanto a
massa da burguesia que o primeiro
desideratum(i.e. objetivo) seja conquistado : tempo para uma ação cerrada.
Você me remeterá talvez para a Comuna de Paris.
Porém, independentemente do fato de que isso se tratou meramente de uma
sublevação de uma cidade, em condições excepcionais, a maioria da Comuna não
era, de nenhuma forma, socialista e nem podia sê-lo.
Com uma mínima quantidade de common sense(i.e. de senso comum), ela teria,
entretanto, podido alcançar um útil compromisso para toda a massa popular –
atingível apenas outrora.
Tão somente a apropriação do Banque de France teria colocado, com terror,
um fim à arrogância de Versalhes etc. etc. ...
A visão científica da desagregação inevitável da ordem social dominante,
sempre em processamento diante de nossos olhos, as massas cada vez mais
flageladas com sofrimentos pelos velhos fantasmas de governo, o concomitante
desenvolvimento positivo, gigantescamente progressivo, dos meios de produção –
isso tudo já basta como garantia para que, no momento da irrupção de uma
revolução realmente proletária, serão dadas também as condições de seu direto,
próximo – ainda que seguramente não idílico - modus operandi(i.e. modo de
agir).”[70]
A concepção manifestamente oportunista da Social-Democracia Alemã
acerca da essência do Estado e do papel da violência revolucionária - considerada por Karl Marx enquanto
parteira de toda velha sociedade que se encontra grávida de uma nova -, foi
ocultada plenamente, a seguir, passando em brancas nuvens, pelo Programa
de Erfurt, de 1891, considerado o Evangélio do Reformismo da II Internacional.
Nenhuma palavra acerca da Ditadura Revolucionária do Proletariado
e da necessidade de preparação da luta armada proletária – quanto menos acerca
da questão da Democracia Burguesa, enquanto forma de Estado em que a última
luta decisiva do proletariado há de ter lugar
- foi consagrada pelo Programa de Erfurt.
Voltando sua atenção para as resoluções do Programa de Erfurt, Karl Kautsky,
à época o principal mentor ideológico da Social-Democracia Alemã e
da II
Internacional, assinalou, expressa e cabalmente, em 1892 :
“Uma tal derrubada (i.e. a derrubada do poder político pelo proletariado)
pode assumir as formas mais variadas, conforme as relações sob as quais se
executar.
De nenhuma maneira, ela tem de necessariamente estar vinculada a atividades
de violência e a derramento de sangue.
Já existiram casos na história mundial em que as classes dominantes foram
particulamente compreensivas – ou particularmente fracas e medrosas -, de modo
que abdicaram voluntariamente em face de uma situação de coação.”[71]
E com efeito !
Dando embasamento às palavras de Karl Kautsky, é de destacar-se que Wilhelm
Liebknecht, no quadro do Congresso de Erfurt, realizado em
1891, há um ano antes da publicação da obra em referência de Karl
Kautsky, pronunciou-se, categoricamente, da seguinte forma acerca da
temática em destaque:
“O elemento revolucionário não se situa nos meios, mais sim no objetivo.
A violência é, desde há séculos, um fator reacionário.”[72]
Wilhelm Liebknecht negava, além disso, a necessidade histórica da Ditadura Revolucionária do
Proletariado para o atingimento
do socialismo – admitindo-a apenas como medida excepcional em caso de guerras[73].
Com tal concepção claramente oportunista de Wilhelm Leibknecht, encontrava-se
também plenamente de acordo August Bebel, o mais célebre e
renomado dirigente operário da Social-Democracia Alemã de então.
Em seu pronuncionamentos no Congresso de Erfurt, de 1891, August Bebel manifestou
sua crença de que, mediante propaganda e agitação, oral e escrita, bem como por
meio de atividade junto ao parlamento do Estado, o proletariado lograria chegar
ao poder.
Nessa mesma oportunidade, Bebel declarou-se, formalmente, da
maneira mais peremptória, contra o emprego de métodos revolucionários violentos
para a tomada do poder político por parte do proletariado[74].
Em suma : Wilhelm Liebknecht, August Bebel, e Karl Kautsky expressavam,
já na última década do século XIX, concepções irrevogavelmente oportunistas e
notoriamente incompatíveis com os princípios revolucionários fundamentais de Marx
e Engels.
As posições dos fundadores do socialismo científico quanto ao papel da
violência revolucionária na história, bem como quanto à tarefa da luta
proletária para destruição do Estado Burguês, passaram a colidir
diamentralmente com as posições dos mais prestigiados dirigentes da Social-Democracia
Alemã e da II Internacional, do século passado.
Acerca do pano de fundo dos métodos utilizados pela corrente oportunista de
Liebknecht,
Bebel e Kautsky para impulsionarem suas disputas políticas de outrora,
dá-nos conta, precisamente, Friedrich Engels, em 3 de abril de
1895, poucos meses antes de sua morte, em uma de suas cartas enviadas a Paul
Lafargue, ao protestar contra as amputações literárias realizadas por Wilhelm
Liebknecht em sua Introdução à Guerra Civil na França :
“Liebknecht permitiu-se a aplicar-me um golpe de mau gosto.
Ele retirou de minha introdução aos ensaios de Marx sobre a França, de
1848-1850, tudo aquilo que lhe servia para a apoiar, a todo custo, a tática
pacífica e refutadora da violência.
Essa tática ele adora pregar desde algum tempo e particularmente nesse
momento em que, em Berlim, estão sendo preparadas Leis de Exceção.
Recomento uma tal tática apenas e tão somente para a Alemanha de hoje, sendo que ainda com reservas consideráveis.
Para a França, a Bélgica, a Itália e a Áustria, essa tática não é adequada,
como um todo, e, para a Alemanha, pode ela se demonstrar inaplicável já amanhã.
Peço-lhe, portanto, esperar por todo o artigo, antes de você o julgar –
provavelmente ele aparecerá no Neue Zeit(Novo Tempo) -, sendo que espero, de um
dia para o outro, exemplares das brochuras.
É lamentável que Liebknecht veja apenas o preto e o branco.
As nuances não existem para ele,
Além disso, as coisas estão quentes na Alemanha, o que promete um fim de
século grandioso. ...”[75]
Acerca dessa carta de Engels a Lafargue, importa ainda
assinalar que, examinando-se o correio dirigido por Richard Fischer a Engels,
em 6 de março de 1895, é de verificar-se a decisão da Presidência
da Social-Democracia Alemã da época no sentido de que seria imperioso
fosse moderado o tom por demais revolucionário empregado por Engels
em sua Introdução à Luta de Classes na França, de 1848 a 1850, de Karl
Marx, aludindo-se ao perigo de reedição de uma Lei contra os Socialistas.
Como resposta a Fischer, Engels fortaleceu, em 8 de março, seu ponto de vista
inequivocamente proletário-revolucionário, voltando-se, claramente, contra a
posição centrista-oportunista da direção social-democrática, consistente em
agir, politica e estrategicamente, sempre nos limites da legalidade burguesa.
Visando à publicação da Introdução no Neue Zeit(Novo Tempo), órgão
teórico da Social-Democracia Alemã, Engels resolveu-se por alterar e
suprimir certas formulações terminológicas mais sobressalientes de seu texto
original, referentes à inevitabilidade da iminente luta armada a ser travada
pelo proletariado alemão, sem modificar, entretanto, o sentido e significado
inapelavelmente revolucionário de sua produção literária.
Entretanto, alguns dirigentes sociais-democráticos, entre eles Wilhelm
Liebknecht e Eduard Bernstein, aproveitaram-se do fato de Engels
ter operado alterações redacionais para, imprimirem nas colunas do Vorwärts(Avante),
órgão quotidiano da Social-Democracia Alemã, o famoso
artigo intitulado “Como se faz Revolução Hoje”, portador de várias amputações
linguísticas do texto original da Introdução, procurando apresentar
seu autor, i.e. Friedrich Engels, como um “pacífico venerador da legalidade quand
même”.
Depois da morte de Engels, em 5 de agosto de 1895, Eduard
Bernstein, encarregado da administração do conjunto das obras
literárias de Engels, negou-se a publicar o texto original não-alterado da Introdução,
em sua versão integral.
Desse modo, os principais dirigentes revisionistas da Social-Democracia Alemã colocaram
em circulação a lenda pueril de que Engels haveria, no final de sua
vida, sopesado devidamente seus antigos pontos de vista revolucionários,
renegando-os em favor do reformismo[76].
Em sua luta contra a falsificação política, marxista-revisionista, do Programa
de Erfurt relativa à questão
da conquista do poder político e da necessidade histórica da Ditadura
Revolucionária do Proletariado para
o atingimento do socialismo, falsificação essa defendida não apenas pelos centristas-oportunistas
sociais-pacifistas, i.e. por Wilhelm Liebknecht, August Bebel e Karl
Kustsky, senão ainda pelos sociais-reformistas da Social-Democracia Alemã,
esses últimos representados, antes de tudo, por Eduard Bernstein e Conrad
Schmidt escreveu Rosa Luxemburg, já em 1903, de modo claro e preciso :
„Partindo do fundamento do socialismo científico de que „a libertação da
classe trabalhadora pode ser apenas obra da classe trabalhadora“, a
Social-Democracia reconhece que subversão, i.e. a revolução para concretização
da reconformação socialista, pode ser realizada apenas pela classe trabalhadora
enquanto tal, e, em verdade, enquanto propriamente a ampla massa, sobretudo a
massa do proletariado industrial.
A primeira ação da transformação socialista tem de ser, portanto, a
conquista do poder político através da classe trabalhadora e a edificação da
Ditadura do Proletariado, necessária incondicionalmente à materialização das
medidas de transição.“[77]
Assim, importa assinalar, em linhas gerais, que, já a partir dos primeiros
anos do século do século XX, três correntes doutrinariamente sedimentadas
combatiam no seio da Social-Democracia Alemã da época:
1. os reformistas economicistas-parlamentaristas, defensores da colaboração de
classes entre proletários e burgueses, comandados por Eduard Bernstein, clamando
pela ampla revisão dos fundamentos da teoria de Marx e Engels, em
benefício praticamente das posições doutrinárias de Ferdinand Lassalle[78] ;
2. os centristas-oportunistas, repudiadores da violência
proletário-revolucionária e protagonistas da democratização do Estado
Burguês, coroada por uma pretensa independência política do partido
proletário e um pretendido Governo dos Trabalhadores como forma
de ascensão ao socialismo, comandandos por Karl Kautsky e pelos mais renomados
dirigentes políticos alemães do proletariado, August Bebel e Wilhelm Liebknecht,
empenhados em conciliar a política quotidiana reformista com a doutrina de Marx
e Engels, desde um ponto de vista constitucional-pacifista ;
3. os proletários revolucionários, fundados, porém, na defesa dos direitos e
liberdades fundamentais de todos os indivíduos e organizações sociais, entre os
quais figuravam Rosa Luxemburg, Karl Liebknecht, Franz Mehring, Clara Zetkin, Leo
Jogliches, Julian Marchlevski, ocupados em combater,
pricipiologicamente, o reformismo economicista e o centrismo oportunista na Social-Democracia
Alemã, retomando e defendendo diversas bases fundamentais da teoria
intelectual e da prática política proletário-revolucionária internacionalista
de Marx
e Engels, de modo a inclinararem-se em direção das posições marxistas
revolucionárias de Lenin.
Nesse contexto, haveria de germinar, no seio das correntes revisionistas,
i.e. reformistas e centristas-oportunistas, da Social-Democracia Alemã, delas
se diferenciando expressivamente, já no curso da primeira década do século XX –
sobretudo após a indicação de Friedrich Ebert, em 1905, para o
posto de Secretário da Presidência do Partido -, e impor-se, crescentemente,
como corrente inquestionavelmente dominante, em particular a partir da morte de
August
Bebel, em 13 de agosto de 1913, um ala mais propriamente
social-chauvinista, encabeçada por Friedrich Ebert, Philip Scheidemann e Gustav
Noske.
Essa corrente social-chauvinista, aprofundando a revisão da doutrina do
marxismo, passou a considerar como sua principal tarefa política a defesa do Princípio
de Defesa da Pátria(Prinzip der Vaterlandsverteidigung), contra as
potenciais nações imperialistas inimigas da Alemanha, em total
detrimento da defesa dos interesses materiais de classes do proletariado
revolucionário.
Quando em 4 de dezembro de 1914, Karl Liebknecht quebrou a férrea
disciplina partidária da Social-Democracia Alemã - empenhada
desde o início da I Guerra Mundial, em 4 de agosto de 1914, em postular a Aprovação
dos Créditos de Guerra(Bewillingung der Kriegskredite) – abstendo-se de
votar esse projeto social-chauvinista, abriu-se o caminho para a fundação de um
novo organismo marxista-revolucionário em solo alemão. Em 2 de dezembro de
1914, votou, pela primeira vez, contra os créditos de guerra.
Tal novo agrupamento de proletários revolucionários haveria de surgir,
inicialmente, sob a bandeira do Gruppe Internationale(Grupo Internacional), que,
desde logo, em razão de seu órgão político, denominado Spartakusbriefe(As Cartas de
Spartakus), passou a ser denominado de Spartakusbund(Liga Spartakus).
Esse agrupamento, encabeçado por Luxemburg e Liebknecht, tendo-se aproximado
da Esquerda
de Zimmerwald, a partir de setembro de 1915, porém não a ela
expressamente aderindo, optou por ingressar, então, no primeiro semestre de
1917, no Partido Social-Democrático Independente da Alemanha(USPD), fundado a essa época como fruto tardio da
ruptura de março de 1916, encabeçada pelos agora sociais-pacifistas Kautsky,
Haase e Bernstein, contra os novos dirigentes sociais-chauvinistas da Social-Democracia,
reunidos em torno de Ebert, Scheidemann e Noske.
Nada obstante, já em 30 de dezembro de 1918, reuniu-se, na Sala
de Festas da Câmara dos Deputados de Berlim, o Congresso de Fundação do Partido
Comunista da Alemanha(KPD – Liga Spartakus).
Em uma sessão fechada, ocorrida nas vésperas, a Liga Spartakus posicionara-se
apenas com três votos contra a saída do Partido Social-Democrático
Independente(USPD), resolvendo-se em prol da fundação de um partido
próprio.
A esse projeto associou-se também o grupo dos Radicais de Brêmen, denominado
Comunistas
Internacionais da Alemanha, encabeçado por Paul Fröhlich e Johan Knief, redatores
do jornal Arbeiterpolitik(Política dos Trabalhadores).
Esse último agrupamento encontrava-se, em verdade, muito mais próximo do Partido
Bolchevique de Lenin do que a Liga Spartakus, à época ainda
dirigida pela orientação política de Rosa Luxemburg, apesar da grande
simpatia que Karl Liebknecht, Clara Zetkin e Franz Mehring, desde a Revolução
de Outubro de 1917, nutriram pelo bolchevismo.
Um terceiro grupo de pequena dimensão, encabeçado por Julian Borchard, denominado
Socialistas
Internacionais da Alemanha, igualmente próximos ao bolchevismo, já não
possuiam praticamente qualquer significado existencial à época do Congresso
de Fundação.
Acerca do tema, Hermann Weber assinalou o seguinte, destacando a influência de Karl
Radek sobre o movimento marxista-revolucionário alemão dessa época :
“No interior da esquerda radical alemã formou-se, durante a guerra três
grupos.
O mais expressivo (e propriamente precursor do PCA(KPD)) foi o Grupo
Internacional(p. 11). ...
O segundo grupo radical, os radicais de esquerda de Brêmen, posicionavam-se
muito mais próximos do que a Liga Spartakus.
Além de seu centro em Brêmen, possuíam pontos de sustentação, no norte, na
Saxônia e no Reno.
Sob a direção de Johann Knief e Paul Fröhlich, editavam o
Arbeiterpolitik(Política dos Trabalhadores), um semanário legal, e concordavam
com a Liga Spartakus nas questões fundamentais.
Colaboradores de Arbeiterpolitik(Política dos Trabalhadores) eram também os
dirigentes bolcheviques Lenin, Radek, Zinoviev e Bronski(p. 12).
O representante do grupo, Paul Fröhlich, aderiu, em Kienthal, à Esqueda de
Zimmerwald (leninista) – diferentemente dos representantes da Liga Spartakus.
Plenamente no sentido leninista, os radicais de esquerda de Brêmen também
não entraram no USPD, mas sim lutaram pela fundação de uma partido próprio da
esquerda radical.
Esse grupo chamava-se, desde 1918, “Comunistas Internacionais da Alemanha”.
Um terceiro grupo da radical de esquerda situava-se, sob a direção de
Julian Borchardt, um grande amigo de Radek, igualmente bem próximo dos
bolcheviques.
Esses “Socialistas Internacionais da Alemanha”, como seu órgão
“Lichtstrahlen(O Brilho da Luz)” não possuíam, entretanto, nenhuma influência
sobre as massas digna de menção.
O próprio Borchadt já havia aderido, na Primeira Conferência de Zimmerwald,
a todas as teses leninistas e recusou-se, também, a ingressar no USPD.
A influência de Karl Radek, que já havia atuado na Alemanha antes da
guerra, foi decisiva para o
posicionamento pró-leninista de ambos os grupos mencionados por último.
Apesar de todas as reservas de Rosa Luxemburg, a Liga Spartakus fez, a todo
tempo, propaganda para os bolcheviques, após a Revolução Russa, pois essa liga
situava-se, fundamentalmente, sobre o terreno da Revolução de Outubro(p.13).”[79]
No Congresso Fundacional do Partido Comunista da Alemanha(KPD – Liga
Spartakus) tomaram parte 100 participantes, dentro os quais 83
delegados eleitos por de 43 localidades.
Na ordem do dia, apresentavam informes Karl Liebknecht, acerca da crise do USPD,
Paul Levi, sobre a Assembléia Nacional da República, Rosa
Luxemburg, discorrendo sobre o programa e situação política, Hugo
Eberlein, sobre a organização do partido, Paul Lange, acerca das
lutas econômicas e Hermann Dubcker, tratando das conferências internacionais.
Wilhelm Pieck e Jacob Walcher foram indicados
para a Presidência do Congresso.
No quadro de uma missão clandestina em Berlim, Radek veio a tomar parte, em
dezembro de 1918, do Congresso de Fundação do Partido Comunista
da Alemanha(KPD – Liga Spartakus), sendo que contribui, ativamente,
para o aceleramento da decisão fundacional[80].
Com grande entusiasmo, o Congresso Fundacional saudou Karl
Radek, que interviu na qualidade de representante do Governo
Revolucionário Bolchevique, provocando tempestuosos aplausos.
Radek assinalou, nessa oportunidade, que o novo PCA(KPD)
surgiria como um partido débil, porém não mais débil do que o Partido
Bolchevique, em abril de 1917.
“Para o vosso Congresso, olhamos com grande esperança(p. 18).
Não como se a Revolução Russa se permitisse a ser copiada ...
O caminho da classe trabalhadora será distinto em cada um dos diferentes
países(p.31).”[81]
Em seu discurso proferido nesse Congresso Fundacional é plenamente
possível identificar-se argumentos sibilinos de Radek no sentido de que
um processo revolucionário do proletariado alemão já não se apresentava como
iminente, apesar de a revolução mundial caminhar a passos rápidos. Com efeito :
“Nada mais provoca um tal entusiasmo junto aos trabalhadores russos do que
quando lhe dizemos que o tempo poderá vir em que os trabalhadores alemães serão
chamados para ajudá-los e em que vocês terão de lutar com eles no Vale do Ruhr,
tal como eles, de nosso lado, nos Urais.
Estamos convencidos de que a revolução mundial virá em passo acelerado, que
é mentira ser o bolchevismo a enfermidade dos povos vencidos.
Isso significaria que a classe trabalhadora das nações vitoriosas teria de
permanecer escrava para sempre.
Estamos convencidos que a guerra civil internacional libertar-nos-á da luta
entre os povos.
Porém, ninguém pode calcular a dinâmica de desenvolvimento.”[82]
Desvendando praticamente o significado enigmático
de seu discurso retro-mencionado, Radek opôs-se, logo no mês seguinte,
à iniciativa de Karl Liebknecht e Rosa Luxemburg de apoiar a Greve
Geral de Janeiro de 1919, com ocupação de prédios (Vorwärts – órgão do SPD -,
Diário de Berlim, os conglomerados mediáticos Scherl, Ullstein e Mosse, a Tipografia Büxenstein e o Escritório de Telégrafo Wolff)
e armamento das massas, objetivando à recondução de Emil
Eichhorn ao cargo de Presidente do Comissariado de Polícia de
Berlim, qualificando-a de putschismo blanquista, por
supostamente pretender derrubar imediatamente o Governo de Ebert, Scheidemann e Noske,
sustentado pelos Generais Groener, Lequis e von Lüttwitz, destruindo, de um
golpe, o Estado Burguês Alemão e edificando uma República Socialista Livre dos
Conselhos dos Trabalhadores, mesmo contando com a minoria da classe
trabalhadora.
Com efeito, nos primeiros dias desse novo ano, foram os sociais-democratas
independentes Bretscheid, Rosenfeld e Hoffman, excluídos, sumariamente, do Governo
Imperial Prussiano, comandado pela Social-Democracia Alemã.
Juntamente com esse ato de exclusão, Emil Eichhorn, Presidente do Comissariado de
Polícia de Berlim, igualmente adepto dos independentes, foi
imediatamente deposto.
Logo a seguir, o Partido Social-Democrático
Independente(USPD) e os principais dirigentes do PCA(KPD) conclamaram os
trabalhadores berlinenses a mobilizaram-se e deflagarem greve.
Dos protestos operários surgiram embates armados que, embora
desaconselhados pelos principais dirigentes do PCA(KPD), não vieram a
ser por eles resolutamente condenados e desconvocados.
Acerca desse evento histórico, Radek assinalou, então, com base em
sua acusação de putschismo dirigida não apenas contra Karl Liebknecht, senão
apenas contra Rosa Luxemburg :
“Em sua Brochura de Programa “O Que Quer a Liga Spartakus ?”, vocês
declaram quererem apenas assumir o governo se tiverem atrás de si a maioria da
classe trabalhadora.
Esse ponto de vista inteiramente correto encontra sua fundamentação no
simples fato de que o Governo dos Trabalhadores sem organização de massas do
proletariado é inconcebível. ...
Nessa situação, não se pode pensar absolutamente na tomada do poder pelo
proletariado. Se ele caisse nas mãos de vocês, mediante um golpe de Estado, tal
governo seria estrangulado e esmagado em alguns dias a partir da província.
...
A única força de freio que pode impedir essa infelicidade são vocês, o
Partido Comunista. Vocês possuem suficientemente visão para saber que a luta
não tem perspectiva. Que vocês sabem disso, já me disseram os vossos membros,
os companheiros Levi e Dunckers ...
Nada impede o mais fraco de recuar diante de poder superior.
Detivemos, em julho de 1917, as massas com todas as forças, apesar de
sermos então mais fortes do que vocês e, onde isso não foi possível,
retiramo-las, mediante intervenção abusiva, de uma batalha vindoura sem
perspectiva.”[83]
A seguir, Karl Radek procurou formular suas acusações de putschismo
contra Karl Liebknecht da seguinte forma, mesmo já diante da
impossibilidade desse último esclarecer suas
decisões político-revolucionárias[84] :
“O Distúrbio de Janeiro foi, sem dúvida, um putsch, uma tentativa de
atropelar a burguesia.
A desculpa – não das massas que não precisam se desculpar, pois elas no
início da revolução tinham de estar confusas, mas sim a desculpa de dirigentes,
como Lebedour e Liebknecht – reside em que o poder da burguesia era ainda
extraordinariamente débil, que ela provocava diretamente para um assalto.”[85]
Comentando as posições políticas de Karl Radek, transmitidas apressuradamente
a seus mais diversos simpatizantes por meio de cartas, Alfons Paquet, um dos
mais renomados poetas alemães, permeado nitidamente pelo espírito
democráta-burguês, assinalou acerca da missiva de Radek, que lhe havia sido
endereçada em 20 de março de 1919 :
“Radek acentuou mais uma vez que, tal como todos os outros, ele esteve
contra os Putsches de Janeiro(nos quais ele não desempenhou nenhum papel),
pois, segundo ele, “a conquista do poder político é apenas possível, de nosso
ponto de vista, se temos a maioria da classe trabalhadora atrás de nós. Isso
não tínhamos em janeiro e ainda hoje não o temos.” ...
Recordo-me bem das conversações em Moscou e das declarações da Radek acerca
do caráter da Guerra Civil na Alemanha.
Com coração constrito, também eu era da opinião que, na Alemanha, podia
chegaria tão longe que regimentos de trabalhadores industriais e regimentos das
ligas rurais se entregassem a combates de uns contra os outros. ...
Ao mesmo tempo, em oposição às expectativas sangüinárias produzidas em
Moscou, no outono de 1918 e, particularmente, no quadro da irrupção da
Revolução Alemã, também eu era da
opinião que a dinâmica da revolução na Alemanha não poderia nem ser acelerada
nem atrasada desde fora, sem colocá-la ao máximo em perigo. ...
É possível que também Radek tenha estado contra o ataque, porém vejo nos
lutadores implacáveis o precursor natural de uma tática russa não apenas
nervosa como também brutal.
Rejeito-a, tal como repudio toda violência e vingança em geral, sendo que
não gostaria de ver substituído um militarismo por um outro.”[86]
Impactado pela brutal repressão da Greve Geral de Janeiro de 1919, em
que os Freikorps ceifaram, sumariamente, as vidas de Karl
Liebknecht e Rosa Luxemburg, bem como impressionado pelo Fevereiro
da Covardia, em que Leo Jogiches foi assassinado pelas
costas sob o pretexto que pretendia escapar de sua prisão, Karl Radek, pretendendo
preencher, logo a seguir, o vazio de direção que se produzira no seio do
recém-nascido Partido Comunista da Alemanha(KPD), passou a intervir,
literariamente, nas discussões sindicais alemães, já mesmo do verão de 1919,
quando ainda encontrava-se na prisão de Moabit, em Berlim, gozando de
tratamento privilegiado decorrente de seu status de diplomata soviético
ucraniano.
Tendo sido preso em fevereiro de 1919, Radek gozou do benefício de um
tratamento privilegiado, por ser considerado pelas autoridades militares
alemães como um representante do Estado Soviético Russo.
A partir da prisão de Moabit, Radek logrou tomar parte
ativa na reconformação do Partido Comunista da Alemanha(KPD) recentemente
decapitado, postulando-se como o melhor especialista bolchevique em matérias
concernentes à luta de classes na Alemanha, em um momento inicial em
que inexistia um contato direto, regular e orgânico entre os organismos
dirigentes revolucionários da URSS e da Alemanha.
Contando com o beneplácito dos Generais Alemães Staff e Ludendorff, de
grandes empresários e políticos, como Felix Deutsch e Walther Rathenau, que
decidiram poupar-lhe a vida a fim de utilizá-lo como contato entre os
interesses do capitalismo alemão e o jovem governo revolucionário de Lenin,
Radek
entrevistava-se não apenas com esses representantes do imperialismo da Alemanha,
senão ainda instruía, em sua vasta e agradável cela de prisão, os principais
dirigentes do comunismo alemão, tais como Paul Levi, August Thalheimer e Ruth
Fischer.[87]
Desfrutando de sua qualidade de membro do Comitê Central do PC da URSS e,
ao mesmo tempo, de representante do Estado Soviético Russo em uma missão
militar e diplomática junto ao Governo Alemão, e, posteriormente,
como membro da Presidência do Komintern, ainda que sem exerçer permanentemente
as funções de membro do Politburo da PC da URSS, Radek logrou
desempenhar um papel de primeiríssima relevância para a definição da nova
orientação política a ser observada pelo Partido Comunista da Alemanha(KPD) no
ínicio dos anos 20.
Acerca do tema, Trotsky forneceu, precisamente, as seguintes valiosas
observações :
“Por um certo tempo, Radek foi membro do Comitê Central e, nessa condição,
possuiu o Direito de estar presente nas sessões do Politburo.
Por iniciativa de Lenin, as questões sigilosas eram examinadas
invariavelmente na ausência de Radek.
Lenin considerava Radek como jornalista, porém, ao mesmo tempo, não
suportava sua impulsividade, seu comportamento risível em face de questões
sérias, seu cinismo.
É necessário referir aqui a apreciação de Radek, fornecida por Lenin, no
VII Congresso do Partido(em 1918), à época das divergências sobre a Paz de
Brest-Litovsk.
Por ocasião das palavras de Radek : “Lenin abandona a sala, a fim de ganhar
tempo”.
Lenin observou : “- Dirijo-me ao camarada Radek e, aqui, quero registrar
que ele consegue dizer, por acaso,
uma frase séria.” ...
E depois, novamente : “Dessa vez, resultou que se recebeu do camarada Radek
uma frase inteiramente séria.”
Essas observações repetidas por duas vezes expressam a própria essência da
relação para com Radek não apenas por parte do próprio Lenin, senão ainda de
seus colaboradores mais próximos.”[88]
Quando Radek foi liberado de sua detenção, no fim de 1919, tornou-se Secretário
Executivo da Internacional Comunista, de cuja função veio a ser,
posteriormente, afastado por defender, no caso do tratamento do Partido
Comunista dos Trabalhadores Alemães(KAPD), a orientação política de Paul
Levi e do Partido Comunista da Alemanha(KPD), contra o PC da
URSS, comandado por Lenin.
É certo que as limitações intelectuais, a típica abordagem jornalística das
questões políticas, bem como o método de apreciação impressionista de Karl
Radek, eram já bastante conhecidas por Lenin, Sverdlov e Trotsky.
Ainda que as caracterizações formuladas pelo Politburo da PC da URSS acerca
da luta de classe na Alemanha não viessem a se fundar
preponderantemente nos relatórios e informes a ele fornecido por Radek,
sendo que muitas vezes as propostas desse último não eram aceitas ou
substancialmente modificadas, era notório o fato de que Radek lograva,
paulatinamente, construir-se como um dos mais importantes dirigentes dos
comunistas alemães do início dos anos 20.
Todos os principais dirigentes bolcheviques de então velavam por suas
conexões com grupos de comunistas estrangeiros.
Lenin e Zinoviev eram, particularmente, interessados
pela Alemanha.
Trotsky era um dos principais especialistas do
Politburo da PC da URSS e do Komintern para questões relacionadas com a
luta de classes da França e da Espanha.
Rykov, Bukharin e Zinoviev dedicavam-se, além disso, às
questões italianas.
A predisposição de Radek em envolver-se nas questões
relativas à construção do Partido Comunista da Alemanha(KPD) e
dedicar-se à análise da dinâmica da luta de classes revolucionárias da Alemanha,
situada no quadro de sua pretensão de ingressar em um importante Politburo
a fim de desempenhar um papel de primeira importância na definição dos
planos partidários mais decisivos, fazia com que Radek fosse considerado,
no início dos anos 20, o membro do Comitê Central do PC da URSS mais
profundamente conhecedor do movimento revolucionário da Alemanha e mais bem
informado de todos os detalhes da vida política comunista e
contra-revolucionária desse país.
Com efeito, fundado na experiência de sua militância na Social-Democracia
Alemã, entre os anos de 1908 e 1913, esse último ano em que foi expulso
de suas fileiras no quadro de um processo escandaloso, orquestrado por Rosa
Luxemburg e Leo Jogiches desde a Social-Democracia Polonesa, Radek voltou
a intensificar suas viagens à Alemanha, entre os anos de 1918 e
1921.
Como saldo dessa atividade, resultou que conhecia centenas de militantes
alemães pessoalmente, inúmeras cidades e províncias, bem como dispunha do saber
relacionado com a elaboração de diversos documentos partidários muito
condizentes com a realidade político-institucional desse país.
Aliado desde 1908 com os agrupamentos sociais-democráticos de August
Thalheimer, de Göppingen, e de Anton Pannekoek, de Brêmen,
Radek
possuía, além disso, um núcleo militantes alemães sempre dispostos a
fazer publicar suas concepções políticas acerca da dinâmica da revolução
socialista internacional, seja nas colunas do Freie Volkszeitung(Gazeta Livre
do Povo), de Thalheimer, seja nas páginas do Arbeiterpolitik(Política dos
Trabalhadores), de Pannekoek, seja ainda na editora
comunista Carl Hoym, de Hamburg.
Muitos dos trabalhos de Radek, produzidos diretamente em
língua alemã, no início dos anos 20, haviam se convertido em manuais para a
militância, sendo estudados intensamente e tomados como orientação verdadeiramente
bolchevique, em sua direta aplicação na realidade objetiva da luta de classes
da Alemanha,
como o que adquiriam mais relevância do que os textos produzidos pelos
dirigentes alemães de então, como Paul Levi, August Thalheimer, Clara Zetkin,
Jacob Walcher, Wilhelm Pieck e Heinrich Brandler.
Depois da morte da velha direção revolucionária alemã de Karl
Liebknecht, Rosa Luxemburg e Leo
Jogiches, apesar de suas expressivas diferenças políticas com esses
últimos e, no caso de Luxemburg e Jogiches, apesar de suas
marcadas disputas pessoais de intrigas e perseguições, Radek conseguiu atrair
para sua influência a grande maioria dos dirigentes alemães sobreviventes.
Todos os principais dirigentes do Partido Comunista da Alemanha(KPD) passaram, em fins de 1919 e início dos anos
20, a sustentar a direção política de Karl Radek, considerado como o mais
legítimo representante do bolchevismo leninista em solo alemão.
Nada obstante, a orientação política de Radek, formulada segundo sua
metodologia e concepção próprias, primava, constantemente, por uma tonalidade
pessimística, hesitante e cética acerca da possibilidade de desenvolvimento das
lutas revolucionárias na Alemanha e, nesse sentido, da
capacidade de construção politicamente independente do Partido Comunista da
Alemanha(KPD).
Em um primeiro momento, Radek ligou-se, intensamente, a Paul
Levi, que assumiu a função de Presidente do PCA(KPD) desde os
mêses subseqüentes a morte de Liebknecht e Luxemburg, ocorrida em
janeiro de 1919, até fevereiro de 1921, pretendendo persuadí-lo acerca da
necessidade de conquistar as massas para a revolução proletária socialista
alemã, renunciar às tendências esquerdistas de Liebknecht e seus
admiradores, trabalhar mais intensamente nos sindicatos e prestigiar
grandiosamente as tribunas eleitorais e parlamentares.
Já no início de outubro de 1919, em uma sua famosa carta ao II
Congresso de Heidelberg e Mannheim, do Partido Comunista da Alemanha(KPD),
Radek pronunciava-se da seguinte forma :
“Porém, se é uma ilusão oportunista procurar tranqüilamente por vitórias,
então é uma ilusão revolucionária pensar em um ascenso linear, em um avanço
ininterrupto da revolução.
A revolução mundial é um processo muito lento, durante o qual existirá mais
do que uma derrota.
Com efeito, não tenho dúvida de que em todos os países (obs. por
consegüinte também na Rússia Soviética
!), o proletariado será forçado a, por diversas vezes, construir sua ditadura e
vê-la desabar, até que vença definitivamente.”[89]
Além disso, em sua renomadíssima broschura, redigida especialmente para o
congresso em destaque, denominada O Desenvolvimento da Revolução Alemã e as
Tarefas do Partido Comunista, Radek assinalou, expressamente, após
destacar que o “Distúrbio de Janeiro” havia sido, sem dúvida, um Putsch,
i.e. um Golpe de Estado, ou ainda “uma tentativa de atropelar a burguesia” :
“Entendemos que o Partido Comunista pode fazer como ponto de partida de sua
política a perspectiva de uma próxima onda ascendente da revolução, de um
alargamento da revolução mundial. ...
Não existe a menor dúvida para nós que a burguesia não será capaz de
estabilizar sua dominação, por isso rejeitamos a adaptação oportunista ao
período de empantanamento.
Porém, é muito provável que a luta revolucionária de massas pela Ditadura
Proletária requeira muito tempo.
É preciso investigar os motivos disso, bem como as questões de tática na
luta econômica e política que daí decorrem.
A investigação da mecânica dessa luta dará, por si mesmo, a resposta às
nossas controvérsias táticas.”[90]
Em sentido lógico-político, Radek estava, já em 1919,
profundamente convencido de que, durante um longo período, o
Partido Comunista da Alemanha(KPD) não mais poderia fazer senão
organizar a vanguarda de lutadores proletários e impulsionar atividades de
propaganda, impedindo confrontações das massas sublevadas contra o poder do Estado
Burguês Alemão.
Quando essa sua orientação manifestamente cético-pessimística reavivou a
defesa de posições abertamente oportunistas por Paul Levi, discípulo
inseparavelmente fiel à doutrina teórico-política e partidário-organizativa de Rosa
Luxemburg, Radek lançou mão de apreciações entusiasticamente
combativas, fundadas nas posições bolcheviques de Lenin, Sverdlov e Trotsky, para
polemizar contra Paul Levi acerca do caráter, sentido e significado das Revoluções Bávara e Húngara,
de 1919.
Isso não impediu, entretanto, que Radek e Levi continuassem
compartindo a direção do Partido Comunista da Alemanha(KPD) e
já em seu balanço histórico acerca dos anos de 1918 e 1919, Radek
formulou a seguinte caracterização, formulada em seu discurso proferido
junto ao III Congresso Mundial do Komintern, entre 22 de junho e 12 de
julho de 1921, sugido sob o título “O Caminho
da Internacional Comunista” :
“Em 1918-1919, o partido consistia de diversos milhares de trabalhadores,
sendo que o Liga Spartakus tinha o papel de segurar a classe trabalhadora e
evitar choques desnecessários.”[91]
De maneira cético-jornalística, Radek procurou, em suas publicações
e discursos do início dos primeiros anos do anos 20, fundar sua orientação
política central para o desenvolvimento das lutas revolucionárias de classes na
Alemanha,
consistente em demonstrar a impossibilidade de desenvolverem-se as
forças do Partido Comunista da Alemanha(KPD) no campo das lutas, dos
embates e dos conflitos abertos de classes contra as instituições de exploração
e dominação do Estado Burguês, conquistando crescentemente a confiança da
classe trabalhadora, hegemônica sobre todas demais massas socialmente oprimidas
sob sua direção social e política.
Com efeito, no fundamento de seu marcado tom pessimista, Radek
admitia abertamente a possibilidade de a Ditadura Revolucionária do
Proletariado, instaurada pela Rússia Soviética, não ser capaz de
resistir à ofensiva do capitalismo imperialista mundial.
Em função dessa premissa originária, competiria ao Partido Comunista da
Alemanha(KPD), dedicando-se preponderantemente a atividades
propagandísticas, atrelar-se, mediado por críticas e denúncias, à dinâmica de
luta da Social-Democracia Alemã, como forma de, através de cooperação,
infiltração, desintegração e reconsolidação,
arrebatar-lhe a influência sobre as grandes massas proletárias alemães.
Dessa forma, a minoria comunista revolucionária haveria de ser educada de
maneira a poder intervir sobre a maioria dos quadros da Social-Democracia, sob
pena de permanecer inteiramente isolado no quadro dos eventos políticos
subseqüentes.
As atividades dos comunistas haveriam, assim, segundo Radek, de concentrarem-se
em uma luta propagandista de defesa do socialismo revolucionário e da Rússia
Soviética.
Nesse contexto, os diversos eventos da luta de classes mundial surgiam
interpretados como expressões cabais e confirmatórias dessa abordagem hesitante
e pessimista, sendo que a proposta de Radek de luta comum do
Partido Comunista da Alemanha(KPD) com o Partido Social-Democrático
Alemão(SPD) e as organizações sindicais situadas sob sua órbita de
influência, haveria de ser enfocada e compreendida nos termos daquele seu
enfoque fundamental, permeado de críticas e denúncias elucidadoras.
No quadro do II Congresso Mundial do Komintern, ocorrido entre 19 de julho e
7 de agosto de 1920, Radek seria, entretanto, afastado de
sua função de Secretário Executivo do Komintern, em decorrência de seu
posicionamento solidário a Paul Levi, em sua luta contra a
admissão do Partido Comunista dos Trabalhadores Alemães(KAPD), de Hermann Goerter,
Anton Pannekoek e Marx Hoelz, de linha comunista-esquerdista, como
partido simpatizante do Komintern.
Nesse congresso, Karl Radek demonstrava, claramente,
sua pretensão de consolidar-se, prioritariamente, junto aos principais
dirigentes do Partido Comunista da Alemanha(KPD), votando contra a posição
estabelecida forrmalmente pelo PC da URSS, comandado por
Lenin.
Entretanto, tal como bem assinalou Clara Zetkin, quando no quadro da Campanha
Polonesa de Setembro de 1920, Karl Radek e Paul Levi opuseram-se, decididamente,
ao otimismo bolchevique acerca das perspectivas das lutas revolucionárias da Polônia,
Lenin foi o primeiro a reconhecer o acerto de caracterização de Radek,
qualificado, então, por Lenin, antecipadamente, como “derrotista”[92].
Nesse sentido, Radek observou, por diversas vezes, valendo-se desse seu acerto
de caracterização, para fortalecer suas futuras posições políticas :
“Podem surgir também situações nas quais o Comitê Central do Partido tenha
de dizer que, no momento, nenhuma crítica é permitida.
Quando sofremos a derrota na Campanha Polonesa, ocorreram, junto à nós,
divergências de opiniões muito duras e, apesar disso, nenhum de nós escreveu um
artigo acerca do tema.
Aqueles companheiros em posição dirigente que, durante a Campanha, assumiram
uma posição crítica – eu estava entre eles – diziam depois da derrota : o mais
importante não é, de maneira nenhuma, atestar para a história que eu me
encontrava correto em face de outros companheiros.
E, pudemos abrir mão de uma crítica pública, porque todos entendemos os
motivos e as causas dos erros, sabendo-os poderá-los.”[93]
Essa ocorrência fortaleceu, inquestionavelmente, os posicionamentos de Radek
no interior do Partido Comunista da Alemanha(KPD) e
do Komintern,
abrindo-lhe caminho para seguir defendo suas concepções fundamentais,
de matiz jornalístico-cético.
Segundo Radek, mesmo o poderoso despregar da energia do proletariado
alemão expressado, a seguir, em sua inconstestável vitória sobre o Golpe
Militar Contra-Revolucionário de Kapp-von Lüttwitz e as forças dos
Freikorps, em março de 1920, forçando um dos mais representativos
políticos reformistas do sindicalismo alemão, Carl Legien, a exigir a
constituição de um “Governo dos Partidos e dos Sindicatos Operários”, integrado
por sociais-democratas independentes e comunistas revolucionários, não
modificariam o fato de o Partido Comunista da Alemanha(KPD) sofrer
de insuficiência existencial para construir-se independentemente, mesmo
tendo-se em conta a circunstância de que tais métodos combativos de rua eram
totalmente estranhos à política da Social-Democracia Alemã da época.
A partir dessa premissa político-analítica, Radek opôs-se,
acerbamente, a Declaração Oficial de 23 de Março de 1920 do PCA(KPD), firmada
pela maioria de seu Comitê Central, que, rejeitando ingressar na formação do Governo
de Coalizão dos Trabalhadores, proposto por Carl Legien, assegurava-lhe
a prática de uma oposição leal a esse governo, que não culminaria na deflaração
de um levante armado para derrubá-lo.
De início, hostil à fusão do Partido Comunista da Alemanha(KPD) com
a maioria dos sociais-democratas independentes de esquerda, comandados por Ernst
Däumig, Radek passou a apoiá-la, inesperadamente, ao verificar que
tanto a maioria da direção do PCA(KPD) quanto a do Komintern
sufragavam-na inteiramente[94].
Com efeito, a ala esquerda social-democrática independente, opondo-se
abertamente às posições de Karl Kautsky, Rudolf Hilferding, Wilhelm
Dittmann e Artur Crispien, passou, nessa época, a sufragar os 21
Pontos estabelecidos pelo Komintern para ingresso em suas
fileiras, entre os quais constatavam a aceitação do princípio do centralismo
democrático, a promoção do apoio incondicional a toda e qualquer República
dos Conselhos, o acatamento das resoluções dos Congressos e do
Executivo do Komintern.
No Congresso Extraordinário dos Sociais-Democratas Independentes, ocorrido
de dezembro de 1920, operou-se a já esperada ruptura entre a ala majoritária de
esquerda de Däumig(237 delegados) e ala de direita de Hilferding(156
delegados), sob o impacto da intervenção oral de Grigori Zinoviev que
dizia : “Vocês têm de decidir claramente em prol do menchevismo ou do
bolchevismo !”[95]
Sendo assim, logo após a fusão da ala esquerda do Partido Social-Democrático
Independente da Alemanha(USPD) com o Partido Comunista da
Alemanha(KPD), operada entre os dias 4 e 7 do mesmo mês de dezembro de
1920, no quadro do Congresso de Halle, dando nascimento ao Partido Comunista Unificado da
Alemanha(VKPD), sob a Presidência de Paul Levi e Ernst Däumig, Radek apreciou
a situação política da Alemanha, em seu renomadíssimo livro
“Deve
o Partido Comunista Unificado da Alemanha ser um Partido de Massas da Ação
Revolucionária ou Partido Centrista do Ficar Esperando ?”, lançando mão dos seguintes termos :
“A grande maioria dos trabalhadores alemães encontra-se ainda à direita do
Partido Comunista.
É evidente que ela está profundamente insatisfeita com sua situação.
Os trabalhadores dos sociais-democráticos expressam sua disposição nas
colunas do “Vorwärts!(Avante!, i.e. o órgão da Social-Democracia Alemã) de modo
não diferente que os trabalhadores comunistas fazem-no em sua imprensa.
Porém, essas massas estão convencidas de que a conquista do poder político
pela classe trabalhadora é, no momento, impossível, que os proletários são
muito fracos para manter o poder conquistado e temem as privações da luta.
Consideram o objetivo comunista, a tomada do poder político, uma utopia e
estão dispostas a ingressar na luta apenas em prol dos objetivos mais próximos.
Elas estão repletas de ilusões democráticas.
Eles ainda esperam poder melhorar sua situação sem derrubar a dominação
capitalista.
Ao mesmo tempo, entrevêem os comunistas enquanto os rupturistas conscientes
do movimento proletário.
Se os comunistas não tivessem rompido o proletariado, se os trabalhadores
estivessem de acordo, teriam conquistado a maioria no Governo e tudo estaria
bem.
Assim, a insatisfação das massas trabalhadoras situadas à direita volta-se
não tanto contra o Governo Capitalista, contra os Independentes, que se
esquivam a toda e qualquer luta séria, quanto contra o Partido Comunista, o
único representante conseqüente dos interesses de classe do proletariado(p.
21).
Nessa situação, é claro que não
podemos contar com movimentos espontâneos desorganizados na Alemanha, a
menos que essas massas sejam colocadas em movimento por alguns eventos
externos, que as sacudam inteiramente.
Dez milhões de trabalhadores são membros das organizações sindicais livres.
Eles atentam para seus dirigentes, ouvem suas consignas.
A estratégia comunista tem de ser a de convencer essas amplas massas de
trabalhadores de que a burocracia sindical e do Partido Social-Democrático não
apenas se recusam a lutar pela Ditadura dos Trabalhadores, como também não
lutam pelos interesses diários mais básicos da classe trabalhadora(p. 22).
Como poder ser levada essa consciência aos trabalhadores ?
Através do caminho da propaganda.
A propaganda e a agitação devem vincular-se aos processos que se desenrolam
diariamente diante dos olhos da massa de trabalhadores(p. 23)”[96]
Procurando atenuar o impacto de sua orientação política eminentemente propagandístico-agitativista,
cético-jornalística, Radek assinala, imediatamente a seguir, nessa mesma sede, de maneira
deslocada, secundarizada, enfraquecida, obscurecida, procurando reequilibrar
sua argumentação precendente :
“A principal tarefa dos comunistas consiste, portanto, em conduzir nos
sindicatos não apenas propaganda comunista, senão também em demonstrar-se como
os mais enérgicos e prudentes lutadores em favor dos interesses diários dos
trabalhadores.”[97]
De acordo com sua orientação política hesitante-pessimista,
lânguido-insegura, tíbia-vacilante, legitimando, implicitamente, até mesmo a
possibilidade de a luta dos comunistas revolucionários voltar-se também contra
setores burocrático-reformistas e contra-revolucionários que se fundam no proletariado
e falam em seu nome, Radek pronunciou-se da seguinte
forma acerca de sua Carta Aberta, de 8 de Janeiro de 1921, redigida conjuntamente
com Paul
Levi, acerca do conteúdo e forma da tática de Frente Única a ser
desenvolvida na Alemanha :
“Esses movimentos de pensamento formam o fundamento da posição dos
comunistas alemães, desde o momento em que, no verão de 1919, opuseram-se à
idéia de sair dos sindicatos.
Essa idéia encontrou sua expressão na tática da Carta Aberta, de janeiro de
1921.
O Comitê Central do Partido Comunista dirige-se, abertamente, a ambos os
partidos sociais-democráticos, ao Partido Comunista dos Trabalhadores da
Alemanha (KAPD), à Central Sindical, aos Sindicalistas e aos sindicatos de
trabalhadores, com a proposta da luta comum por uma série de necessidades mais
candentes e inadiáveis da massa trabalhadora. ...(p. 24)
Nós elaboramos essas táticas no
interior de fábricas, sindicatos e cidades singulares, ao longo dos últimos
dois anos(p. 25). ...
A tática da Carta Aberta tem por objetivo conduzir a vanguarda do
proletariado alemão, os comunistas, a uma ligação mais viva com as massas
trabalhadoras atrasadas.
Porém, com isso foi colocada também a questão da relação da vanguarda
comunista com as massas trabalhadoras que se movem em direção do comunismo.
Uma vez que a ação, iniciadora da Carta Aberta de 8 de janeiro, precisou de
um longo período até que pudesse produzir efeitos, esse problema, situado
diante dos olhos, permaneceu em segundo
plano, i.e não foi colocado conscientemente.
Que ele existia, que uma parte dos companheiros dirigentes ou dele tinha
desconhecimento ou o resolvia de maneira equivocada, demonstra-o já o artigo,
surgido na “Rote Fahne(Bandeira Vermelha)”, em 8 de janeiro, visando à
fundamentação da ação impulsionada.
Esse artigo motivou a ação iniciada de um modo a provocar imediatamente
dúvidas em uma série de companheiros mais atentos.
O autor do artigo do artigo (i.e. Paul Levi, em estreita colaboração
intelectual com Karl Radek) escreveu :
« A luta dos comunistas contra
outros partidos não deve se tornar jamais uma luta de uma seção do proletariado
contra outra. »(p. 33).”[98]
Procurando, então, enfraquecer, a dimensão dessa sua orientação política acerca da Frente Única, formulada originalmente em conjunto com Paul Levi, Radek procura esclarecer, a seguir, nessa sua mesma renomadíssima obra em destaque, intitulada “Deve o Partido Comunista Unificado da Alemanha ser um Partido