ACADEMIA VERMELHA DE ARTE MILITAR PROLETÁRIO-REVOLUCIONÁRIA MIKHAIL V. FRUNZE :

A ARTE PROLETÁRIA DA INSURREIÇÃO SOCIALISTA

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

 

 

O Motor da Máquina

das Forças Armadas Vermelhas

e da Revolução Proletária Mundial

 

LÉON D. B. TROTSKY[1]

Concepção e Organização Rochel von Gennevilliers

Compilação e Tradução Asturig Emil von München

Março de 2004 emilvonmuenchen@web.de

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Aos longos dos últimos anos, golpes atrás de golpes estão sendo desferidos contra as fileiras dos lutadores avançados do país dos Sovietes, abrindo-lhes brechas atrás de brechas.

O último desses golpes – um dos mais pesados – atingiu-nos no último 31 de outubro.

Por volta das três horas da tarde, recebi de Moscou um telegrama do companheiro Stalin, contendo um texto curto, porém pavoroso :

 

“Frunze faleceu hoje de parada cardíaca.”

   

Tal como todos vocês ou, no mínimo, muitos de vocês, tinha conhecimento do fato de que o companheiro Frunze estava doente.

Porém, quem precisamente da velha geração dos revolucionários está gozando de boa saúde atualmente?

Todos nós acreditávamos que a enfermidade de Frunze era passageira e que ele retornaria, efetivamente, ao seu trabalho de grande responsabilidade.

E eis aí, então, o terrível telegrama que, algumas horas depois, foi, de modo mais amplo, recebido por todo o país, por toda a União Soviética.

Tal como muito de vocês, fiquei segurando em minhas mãos um pedacinho de papel, contendo a notícia fúnebre, pretendendo não ler o que ali se encontrava escrito, porém nada de diferente poderia ser menos funesto, menos inesperado.

Seja como for, o texto não permitia nenhuma interpretação, na medida em que o fato aterrador que nele era comunicado não podia ser – infelizmente ! – nem contestado, nem anulado.

Mikhail Vassilievitch Frunze faleceu.

Partiu para sempre um dos mais destemidos, um dos melhores, um dos mais dignos lutadores e, amanhã, a Moscou proletário-revolucionária sepultará, na Praça Vermelha, o combatente adormecido.

A primeira sensação de dor foi experimentada ali, em Moscou, onde transcorría o trabalho de Mikhail Vassilievitch, no quadro desse último período, sendo que, entre as fileiras de seus colaboradores e amigos mais próximos, foi-lhe prestado o derradeiro tributo.   

Entretanto, no sábado e no domingo, não havia trens circulando para Moscou e, mesmo partindo-se hoje, chegaríamos à cidade de Moscou apenas demasiadamente tarde.

Porém, companheiros, isso não importa : não apenas Moscou, senão também toda a União Soviética está de luto, no dia de hoje, tendo prosternado suas cabe­ças e bandeiras, para prestar um tributo de honra e demonstrar sua tristeza ao recordar o glorioso lutador.

E aqui, na cidade de Kislovodsk, reunidos por um sentimento de amargura, por um pensamento de pêsames, convergimos com os pensamentos e os sentimentos de toda a classe trabalhadora e de seus dirigentes, o Partido Comunista, que acaba de perder um de seus melhores filhos.

Quando ainda era um jovem estudante, Mikhail Vassilievitch aderiu à causa da classe trabalhadora.

Em Ivanovo-Voznecensk, transcorreu o seu trabalho, nos dias da Primeira Revolução de 1905 e, a seguir, no curso dos anos pesados e sombrios da Reação.

Naquele então, a bravura pessoal já caracterizava esse jovem revolucionário fora do comum.

Ele atirou em um comissário de polícia que havia tomado parte nos atos de violência perpetrados contra os trabalhadores de Ivanovo-Voznecensk.

Essa sua ação, conjugada a todas as demais de seu trabalho revolucionário, conduziu Mikhail Vassilievitch, em 1907, à penitenciária de trabalhos forçados, onde viveu uma longa série de anos, em condições sacrificantes que solaparam sua saúde.

Apenas em 1915, foi enviado ao exílio.

As condições que teve de suportar no cárcere de trabalhos forçados abalaram sua saúde, porém não destruíram seu espírito.

Deixou para trás os sarilhos dos cabos e das âncoras de guindar pedras na penitenciária de trabalhos forçados do mesmo modo segundo o qual os havia empunhado, quando ingressara no cárcere : como um revolucionário bolchevique, firme e inflexível.

A Revolução de 1917 agarrou-o naquela mesma Ivanovo-Voznecensk.

Encontrava-se, novamente, em meio aos trabalhadores da indústria têxtil, agitando, organizando, dirigindo combates.

Ao seu redor, reuniram-se as massas, nos Dias Gloriosos de Outubro de 1917.

Mesmo tendo vivido todos aqueles sete dias de trabalho, Mikhail Vassilievitch não viveu até o oitavo ano da Vitória de Outubro !

Depois de Outubro, Frunze dedicou todas as suas forças principalmente à organização da defesa do Estado Soviético.    

Trabalhou como Comissário Dirigente da Guerra, na cidade da Circunscrição Militar de Yaroslavl.

A partir dos trabalhadores da indústria têxtil, criou as primeiras sólidas e coesas unidades regulares.   

A Guerra Civil envolvera todo o país, quando Mikhail Vassilievitch surgiu em Moscou, bateu à porta do Comitê Central e exigiu que fosse enviado para o fronte de batalha.

E eis que já o vemos ali, em Vostok, nos combates contra Koltchak.

Frunze comandava um exército.

Ele que havia sido um revolucionário saído do movimento estudantil, prisioneiro de penitenciária de trabalhos forçados e que não adquirira nenhum aprendizado, no domínio militar, aparecia, agora, à cabeça de um dos exércitos revolucionários.

Junto a uns surgiam dúvidas, junto a outros, desconfiança, e junto a todos impunha-se uma pergunta natural :

 

“Será que vai conseguir dar conta de sua tarefa ?”

 

Porém, fato é que soube dar conta de sua tarefa, de maneira íntegra e gloriosa.

De início, emergiu, com toda a rapidez, no comando do grupo do 4° Exército.  

Recordo-me da paixão e do orgulho com que Frunze passou em revista, segundo me parece, na cidade de Samara, o Regimento dos Trabalhadores da Indústria Têxtil de Ivanovo-Voznecensk.

 

“- Esses aí não vão se render !”

 

E, de fato, não se renderam ...

Na região das tropas dos Urais, a seguir, no Turquestão, em seguida, em Bukhar, Mikhail V. Frunze percorreu caminhos ao longo dos quais dirigiu seus próprios regimentos revolucionários.

Seja nas Forças Armadas, seja no Partido, seja no Comitê Central, formava-se, já então, a férrea opinião de que onde existisse dificuldade, onde existisse no fronte vacilação, onde se exigia coragem fora do comum, vontade firme, rápido golpe de vista, para lá Frunze havia de ser enviado.

E eis que já o vemos ali, nos Urais, dirigindo as ações de combate contra o último grande inimigo armado, i.e. contra Vrangel.

Basta mencionarmos uma designação geográfica, para que clarifiquemos, de modo rutilante, ardoroso e glorioso, o nome de Mikhail V. Frunze.

Eis a palavra : abalo sísmico !

Nas páginas dedicadas à luta heróica das Forças Armadas Vermelhas, essa designação faz resplandecer não apenas o heróismo imorredouro e fulgurante, senão ainda, juntamente com esse heroísmo, as atividades de preparação executadas correta e metodicamente.

Pois, dois traços idênticos caracterizavam esse Comandante Militar.

Em primeiro lugar, a bravura pessoal, indispensável a todo guerreiro, prescindindo-se do fato de tratar-se ele de um soldato comum ou de um dirigente que dirige destacamentos, regimentos e exécitos ao combate. 

A valentia pessoal distinguia, dos pés à cabeça, Mikhail Vassilievitch quer como revolucionário quer soldado.

Não sabia o que quer dizer confusão espiritual em face do inimigo e do perigo.

Ardeu em chamas – em chamas impetuosas – não apenas uma vez.

A bala de fogo do inimigo que, em outra ocasião, não poupou o cavalo que montava, poupou, entretanto, sua própria vida.

Porém, para um Comandante Militar, apenas a valentia pessoal é, efetivamente, muito pouco : necessita possuir também coragem para decidir.

Diante da figura do inimigo, quando muitos seres humanos dependem de uma decisão, emergem naturalmente várias dúvidas :

 

·        Golpear, mas através de que caminho ?

·        Qual o método que há de ser escolhido ?

·        Como agrupar as forças ?

·        Atacar hoje ou esperar ainda mais ?

·        Atacar em massa ou recuar ?

 

Existem, pois, dezenas de possibilidades de decisão e, entre essas possibilidades, o pensamento hesita, sobrecarrega-se a responsabilidade.

Frunze era capaz de refletir tranqüilamente e com toda a sensatez, ouvir e ponderar.

Tendo ponderado, efetuava a sua escolha, com toda a firmeza.

E tendo feito sua escolha, punha-a em prática, até o fim.

Possuía intrepidez de decisão, sem a qual um Comandante Militar não pode existir, sem a qual não existe um Comandante de Guerra.

Frunze assegurou diretamente ao nosso país magníficas vitórias sobre Vrangel.

O nome de Frunze – ao lado de outros nomes que soam como um abalo sísmico - permanecerá sempre na memória das pessoas tal qual uma maravilhosa lenda revolucionária, em cujo fundamento repousa o fato histórico vivo.

Frunze dirigiu, a seguir, a organização das Forças Armadas da Ucrânia, as quais depurou do banditismo, unificando penetração política com golpes militares de guerra.

Em seguida, o Partido transferiu Mikhail Vassilievitch para Moscou, onde foi posicionado à cabeça do Exército Vermelho e da Frota Vermelha.

Todos nós nos encontrávamos, então, no direito de esperar que, nesse posto, todas as suas forças e todos os seus dotes naturais se desenvolveriam, nas suas mais completas dimensões.

Era impossível pressagiar, porém, o destino desapiedado que então sobreviria.

Aquele que se submetera à prova dos trabalhos forçados em penitenciária, percorrendo, de modo incólume, o fogo da Guerra Civil, aquele que, não por uma, não por duas vezes, sempre quando a Revolução o havia exigido, lançara sua vida, com toda a decisão, sobre os campos de batalha, tombou sob os golpes da contração convulsiva de um pequeno músculo, denominado pelas pessoas de coração.

Esse músculo é o motor do nosso organismo.

Aquele que havia sido o poderoso motor da máquina da Revolução e das Forças Armadas, caiu em uma batalha inesperada, quando seu motor interior, quando seu coração, demonstrou-se paralisado para sempre.

E eis que, amanhã, companheiros, a Moscou Vermelha haverá de sepultar Mikhail V. Frunze.

Nós, aqui reunidos, tais quais muitos milhares, centenas de milhares e milhões, em toda nossa União Soviética, unimo-nos à Moscou, nesse sentimento de amargura generalizado, provocado por essa perda irremediável.

É difícil, nessas horas, procurar palavras de consolação. 

Mesmo porque não pode haver agora nenhum lenitivo pessoal, haja vista que desapareceu, partiu para sempre, esse ser humano heróico que jamais retornará, companheiros, jamais retornará ...

Sem embargo, não ficaremos apenas com o coração em brasas, lamentando a perda de nosso companheiro de armas.

Como revolucionários, cumpre-nos refletir não só sobre os dias de hoje, mas também sobre os de amanhã.

Se não existe consolo pessoal na perda desse ser humano heróico, há o consolo geral, há o lenitivo coletivo, há a consolação política na profunda consciência de que a causa a que Mikhail V. Frunze serviu, dia após dia, desde os anos de sua juventude até o ultimo batimento de seu coração enfermo, está sendo celebrada.

As bandeiras de pêsames que amanhã se inclinarão sobre o túmulo de nosso finado não escaparão das mãos firmes da classe trabalhadora triunfante.

Existe consolo para o fato de que as Forças Armadas Vermelhas, em cujas fileiras e, a seguir, em cuja direção Mikhail V. Frunze trabalhou tranqüilamente, e combateu, servindo à causa do proletariado, haverão de crescer, fundirem-se e rechaçarem, prontamente, tal como antes e melhor do que antes, os possíveis golpes, a serem desfechados pelos inimigos.

Sim, existe consolo para o fato de que a causa à qual serviu Mikhail V. Frunze e à qual foi subtraído por sua morte cruel e opressora, é uma causa imortal.

Transmite-se de povos para povos, percorre séculos e séculos e, por todos os lados, onde nossos descendentes longíngüos vierem a recordar as heróicas lutas do proletariado, referirão, com gratidão, respeito e amor, aquele que, amanhã, toda a Moscou reunida conduzirá ao seu último caminho.

Prostemos já as nossas bandeiras e os nossos corações gravamente pesarosos diante da recordação desse lutador e digamos :

 

Adeus, guerreiro heróico da Revolução de Outubro !

 

Adeus, glorioso Comandante de Guerra das Forças Armadas Vermelhas !

 

Adeus, Mikhail Vassilievitch, inesquecível combatente, intrépido revolucionário !

 

Adeus, para sempre !

 

Nós que permanecemos em vida, ainda por mais uma vez, faremos aquilo que constitui o dever dos revolucionários, em horas de perdas sacrificantes : cerraremos nossas fileiras ainda mais estreitamente, a fim de mais rapidamente preenchermos a lacuna surgida.

Partiu um ser humano de grandiosa dimensão : dois, três, cinco outros haveremos de acionar, porém sua lacuna será preenchida.

Pois, a luta não conhece interrupções.

Pois, o Partido, mesmo tendo perdido um de seus mais ousados porta-estandartes, continuará conduzindo a classe trabalhadora para frente, para novas lutas, para novos sacrifícios, exibindo aos povos de todo mundo a bandeira, sob a qual gloriosamente viveu e combateu o heróico guerreiro da Revolução, Mikhail Vassilievitch Frunze.

 

 

ACADEMIA VERMELHA DE ARTE MILITAR PROLETÁRIO-REVOLUCIONÁRIA MIKHAIL V. FRUNZE

ESTUDOS MILITARES SOCIALISTAS-INTERNACIONALISTAS

DEDICADOS À FORMAÇÃO

DE TRABALHADORES, SOLDADOS E MARINHEIROS MARXISTAS REVOLUCIONÁRIOS

 

EDITORA DA ESCOLA DE AGITADORES E INSTRUTORES

“UNIVERSIDADE COMUNISTA REVOLUCIONÁRIA J. M. SVERDLOV”

PARA A FORMAÇÃO, ORGANIZAÇÃO E DIREÇÃO MARXISTA-REVOLUCIONÁRIA

DO PROLETARIADO E SEUS ALIADOS OPRIMIDOS

MOSCOU - SÃO PAULO - MUNIQUE – PARIS

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Cf. TROTSKY, LÉON DAVIDOVITCH BRONSTEIN. Pamiati M. V. Frunze(Recordações de M. V. Frunze)(02 de Novembro de 1925), in: Izvestia (Notícias), Nr. 259, 13.11.1925. O presente artigo de Trotsky é o texto de seu próprio discurso proferido na sessão fúnebre, dedicada à memória de Mikhail Vassilievitch Frunze, ocorrida na cidade de Kislodovsk, em 2 de novembro de 1925. O presente texto foi recentemente compilado e republicado em LUNATCHARSKY, ANATOLY / RADEK, KARL / TROTSKY, LÉON. Siluety : Polititcheskie Portrety (Silhuetas. Retratos Políticos), Moscou : Politizdat, 1991, pp. 360  e s.