PRODUÇÕES LITERÁRIAS DEDICADAS À FORMAÇÃO
DE REVOLUCIONÁRIOS MARXISTAS QUE ATUAM NO DOMÍNIO DO
DIREITO, DO ESTADO E DA JUSTIÇA DE CLASSE
Luta
de Classes Proletária e Governos de Colaboração de Classes
na
Alemanha da Virada do Século XX
Na Disjuntiva:
Assembléia Nacional Constituinte Apoiada em Órgãos de Poder Proletário Rumo ao
Socialismo Democrático
Ou Órgãos de Poder
Proletário na Construção da Ditadura Revolucionária Democrático-Proletária Para
a Instituição de uma Sociedade Socialista Sem Classes
Fundamentos
Históricos Para uma Análise da Política Stalinista de Frente Popular
EMIL
ASTURIG VON MÜNCHEN
PORTAU
SCHMIDT VON KÖLN
Para Palestras,
Cursos e Publicações sobre o Tema em Destaque
Contatar emilvonmuenchen@web.de
Fevereiro de 2002
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ÍNDICE
À Guisa de Introdução
O Alvoroço do “Bloco Histórico Trotskysta-Gramsciano-
Altamira-Coggioliano”
do PO / PTS / MAS / MTS / CS à luz dos Elementos Político-Estratégicos
da Luta Revolucionária da Argentina de 2001-2002 em face das Perspectivas da
Revolução Proletária Alemã de 1918-1919 na disjuntiva : Assembléia Nacional
Constituinte apoiada em órgãos de poder proletário rumo ao socialismo
democrático ou órgãos de poder proletário na construção da Ditadura
Revolucionária Democrático-Proletária para a instituição de uma sociedade socialista
sem classes
Capítulo I.
O Partido Social-Democrático
da Alemanha (SPD) na virada do século XX
e o Marxismo Revolucionário
Capítulo II.
Lênin e Luxemburg : Duas Concepções
Marxistas no Movimento Proletário-Revolucionário Europeu do Início do Século XX
II.1.
A Questão Organizativa do
Partido Revolucionário
II.2.
Acerca do Imperialismo
II.3.
A Questão Militar da Revolução
Proletária
II.4.
O Direito de Auto-Determinação
das Nações Oprimidas
II.5.
Em Face da Questão da
Assembléia Nacional Constituinte
Capítulo III
I Guerra Mundial do
Capitalismo Imperialista e a Paz Civil
Capítulo IV
Ascenso Revolucionário de 1918-1919
: A Reorganização do Movimento dos Trabalhadores Alemães e o Surgimento de um
Governo Aparente dos Trabalhadores
Capítulo V
O Congresso Geral dos
Conselhos de Trabalhadores e Soldados : Assembléia Nacional Constituinte ou
Impulsão dos Órgãos de Poder Proletário
Capítulo VI
A Fundação do Partido
Comunista da Alemanha (KPD) sob o signo da ascensão de Karl Radek : Diferenças
de Matizes Políticos entre Liebknecht e Luxemburg no Quadro da Greve Geral de
1919
Capítulo VII
A Constituição Jurídico-Normativa
do Socialismo Democrático : Constituição Menos Democrática e Mais Socialista,
ainda que resultante não de um Socialismo Superpoderoso, porém Renovado ...
À Guisa de Conclusão
À GUISA DE INTRODUÇÃO
O ALVOROÇO DO
“BLOCO HISTÓRICO TROTSKYSTA-GRAMSCIANO
ALTAMIRA-COGGIOLIANO”
DO PO / PTS / MAS /
MTS / CS
À LUZ DOS ELEMENTOS
POLÍTICO-ESTRATÉGICOS
DA LUTA
REVOLUCIONÁRIA DA ARGENTINA DE 2001-2002
Foi nos idos da turbulenta alvorada do século XX, porém, que se
estruturou um núcleo “ácido” de marxistas revolucionários
proletários, em território europeu, o qual, sofregamente interessado em “mover-se
em direção da classe trabalhadora” e progressivamente em amadurecimento
revolucionário - não, porém, sem alguns pontos
movediços e arenosos –, entendeu a necessidade imperiosa de e logrou contribuir
para preservar-se a doutrina proletário-emancipadora mais genuína, fundada em
uma concepção rigorosamente dialético-materialista, contra os ensaios
“desapiedados e frívolos” dos revisores e corretores do pensamento de Marx
e Engels de sua época :
“Nós, marxistas, entendemos
sob o conceito de Estado não meramente uma organização de seres humanos que se
encontram ligados pela descendência, pela nacionalidade ou pelo local de
residência.
Em nossa concepção, o Estado
pressupõe, antes de tudo, o fato de que, no interior das organizações de seres
humanos, existem diversas camadas que possuem interesses distintos.
No conceito de Estado, já está
incluído o conceito de Justiça de Classe. ...
Poder-se-ia perguntar : por
que a maioria não se apropria, simplesmente, da posse da minoria ?
Porém, sabemos que, em certos
períodos da história, é necessário – e, até mesmo, é uma lei natural – o fato
de que uma maioria seja governada pela minoria, no interesse continuado
desenvolvimento da humanidade.
Assim, também o capitalismo
foi algo inteiramente útil para o continuado progresso da humanidade, não tendo
sido, pois, criado por uma invenção demoníaca de homens maliciosos, senão
surgiu como uma necessidade do desenvolvimento econômico.
E apenas sobre suas ruínas
podemos continuar a construir.”[1]
Em face das alegativas de celebrizados revisores, amargamente críticos das
concepções insculpidas no Manifesto do Partido Comunista, de Marx
e Engels, alegativas essas lançadas enquanto suposta alternativa para “mover-se
em direção da classe trabalhadora” ... -, em face de argumentos de que
os movimentos adotam uma série de reinvindicações e alternativas programáticas
– o que é positivo e importante – porém, “falta-lhes uma compreensão teórica da
natureza da evolução do sistema imperial” ... -, em face das instâncias
de homens “frívolos e desapiedados”, imunizados, genialmente, de todo “sentimentalismo
filistino”, de que uma das questões que ainda restaria por
solucionar-se seria “a desunião dos movimentos urbanos e rurais ...”, posto que os
movimentos existentes juntos, se estivessem unificados em um só movimento
coerente, estariam mais próximos de “disputar o poder estatal”[2] ... -, a acidez dos “marxistas”,
envelhecidos, porém vivificados, nas páginas de 1848, contestava,
argutamente, o velado pano de fundo deshistoricizado de tais objeções,
fundando-se em sua larga experiência fática de lutas fracionais impiedosas,
deflagradas implacavelmente contra todos os revisores, glosadores,
remendadores, corretores e pretensos atualizadores “da verve de Marx e Engels e de
sua celebraçao acrítica do potencial revolucionário do desenvolvimento das
forças de produção”:
“«Já não reconheço mais nenhum Partido. Reconheço apenas alemães. » - essa sentença enganosa foi colocada no
início da Guerra Mundial ...
« Já não reconhecemos mais diferentes Partidos
Socialistas. Reconhecemos apenas socialistas », assim soa essa sentença no
final da Guerra Mundial.
A bandeira de uma nova Paz Civil encontra-se
eriçada ...
E, novamente, aí estão em disputa os que gritam
mais alto, os Scheidemann e consortes ...
Porém, nem toda “unidade” fortalece.
A unidade entre o fogo e a água apaga o fogo e
volatiza a água.
A unidade entre o lobo e o cordeiro entrega o
cordeiro ao lobo para ser devorado.
A unidade entre o proletariado e as classes
dominantes sacrifica o proletariado
A unidade com traidores significa derrota ...
Podemos nos unificar com aqueles que não são senão representantes dos
exploradores caplitalistas, vestidos de socialistas ?
Podemos e estamos autorizados a ligar-nos a eles, sem nos tornarmos
culpados por seus golpes ? ...
As massas trabalhadoras são os executores da
revolução social.
A consciência clara, o conhecimento claro de
suas tarefas históricas, a vontade clara de seu cumprimento são as qualidades
sem as quais elas não podem realizar sua obra ....
Apenas a partir da crítica mais implacável, pode
surgir a claridade.
Apenas a partir da claridade, pode surgir a
unidade.
Apenas a partir da unidade na ideologia, no
objetivo e na vontade, pode surgir a força de criação de um novo mundo do
socialismo.”[3]
Nesse cenário de profundas disputas ideológicas e partidárias,
procurando, desesperadamente, fundar-se na defesa aguerrida e heróica das
concepções fundamentais de Marx e Engels – expostas ao tufão
das epidemias sociais-revisionistas e centristas-oportunistas de construção das
“novas
teorias da ação revolucionária” -, como forma de mover-se em direção
da classe trabalhadora, em sentido efetivamente socialista-revolucionário – e
não filo-oportunista -, preocupados, sim, em reunir, solidamente, os homens que
manejariam as armas para assestar um golpe efetivamente mortal ao capitalismo –
não o fazendo com contemporização de dualidade de poderes das classes sociais
inconciliavelmente antagônicas -, com vistas a ser materialmente possível a
edificação de uma República Socialista Livre da Alemanha, viram-se forçados os
revolucionários marxistas do proletariado alemão a enfrentar a voracidade da
tempestade insurrecional dos anos 1918 e 1919.
Essa Unwetter, esse thunderstorm, foi
marcado pelos mais perversos estratagemas colocados em prática por um Estado
burguês-imperialista e seus colaboradores, vestidos em trajes socialistas, na
luta desesperada contra o massacre e o extermínio, sem trégua e sem armistício,
do movimento socialista-revolucionário, proletário e internacionalista, mais
poderoso que a Europa continental havia, até então, conhecido.
O cenário para essa degola selvagem encontrava o seu palco de exibição
nas ruelas e nos becos, nas avenidas e nos prédios, nos emaranhados de pedra e
de cimento, das mais importantes cidades de um dos principais bastiões do
imperialismo capitalista do início do século XX : o II Império
da Alemanha.
“Uma dificuldade que possui a direção da luta de
rua é condicionada pelo caráter da cidade, por seu plano urbanístico e por suas
características arquitetônicas.
Para os que não estão familiarizados com a
cidade, surge essa última como um gigantesco amontoado de pedras de construções
e prédios irregularmente imbricados, tal como um labirinto de ruas, ruelas,
praças etc., no interior das quais torna-se inconcebível quaisquer tipos de
ações planejadas de luta e onde tudo tem de permanecer reservado à
improvisação, ao poder do acaso.”[4]
Se o Deus Marte, sedento de sangue, lograsse derrotar,
devastadoramente e no menor espaço de tempo, o ascenso revolucionário
proletário dos focos de combate indômitos, entrincheirados nas cidades
altamente industrializadas do país de trânsito por excelência para o Leste
Europeu, muitas melhores chances possuiria uma ofensiva
contra-revolucionária imperialista arrasadora, deflagrada contra a República
Socialista Soviética da Rússia, comandada, desimpedidamente, pelos Exércitos
Brancos de diversos Estados burgueses-imperialistas, em colaboração até
mesmo com os Freikorps da Alemanha :
“Esse dia, em que aqui se
reuni o I Congresso dos Conselhos dos
Trabalhadores e Soldados, possui significado histórico.
A primeira tarefa do Congresso
é a de proteger a revolução, derrotando a contra-revolução. ...
Momentaneamente, não temos, na
Alemanha, uma República Socialista, mas sim uma República Capitalista.
A República Socialista deve
ser instaurada apenas pelo proletariado, mediante a luta contra o Governo atual
que se tornou o portador do capitalismo.
Exigimos do Congresso que ele tome em suas mãos
o inteiro poder político, visando à implementação do socialismo, não
transferindo seu poder a uma Assembléia Nacional, que não representaria o órgão
da revolução.
Exigimos do Congresso dos
Conselhos que ele estenda a mão aos nossos irmãos russos, conclamando os
delegados da Rússia a aqui comparecerem.
Queremos a Revolução Mundial e
a unificação dos proletários de todos os países, consagrada entre Conselhos de
Trabalhadores e Soldados.”[5]
Eis a orientação política, brilhantemente sintetizada e energicamente
defendida, em discurso público, por Karl Liebknecht, perante as massas
berlinenses que se acotovelavam nas ruas da cidade, no dia 16 de Dezembro de 1918,
data da abertura dos trabalhos do I Congresso dos Conselhos de Trabalhadores e
Soldados da Alemanha, a partir da Sacada do Edifício da Assembléia Estadual, em
face da disjuntiva que postulámos como sub-título da presente investigação : Assembléia
Nacional Constituinte, apoiada
em órgãos de poder proletário, rumo ao Socialismo Democrático ou órgãos de
poder proletário, na construção da Ditadura Revolucionária
Democrático-Proletária, visando à instituição de uma sociedade
socialista, sem classes e sem Estado.
Acerca do significado efetivamente social-colaboracionista da consigna
de Assembléia
Nacional Constituinte, sustentada sobre órgãos de poder proletário, Karl
Liebknecht ainda teve oportunidade de ressaltar, em 15 de
janeiro de 1919, no último dia de vida de suas espetaculares lutas
proletário-marxistas[6], já inteiramente acificado
por sua sólida e brilhante defesa dos mais legítimos interesses do proletariado
mundial, em sua luta inconciliável pela derrubada violenta da exploração e da
dominação burguesa-imperialista, em prol da tomada militarmente orquestrada de
todo o poder de Estado em mãos proletárias :
“ « Ataque geral contra
Spartakus ! Abaixo os spartakistas ! », uivam através dos becos. « Agarrem, torturem, apunhalem,
transpassem, atropelem, fritem os spartakistas na gordura !»
Horrores estão sendo
perpetrados que obscurecem aquelas barbaridades belgas, empreendidas pelas
tropas alemãs.
«Spartakus está derrotado »,
clamam, com júbilo, do prédio dos Correios até o do “Vorwärts (Avante) (obs.:
prédio esse o do órgão jornalístico da Social-Democracia Alemã (SPD)” .
« Spartakus está derrotado » !
E os sabres, e os revólveres e
as carabinas da velha polícia germânica, reconstituída, juntamente com o
desarmamento dos trabalhadores revolucionários, selarão sua derrota. « Spartakus
está derrotado » !
Sob as baionetas do Coronel Reinhard, sob as
metralhadoras e canhões do General Lüttwitz, devem ser realizadas as eleições
da Assembléia Nacional – um plebiscito para o Napoleão Ebert. « Spartakus está derrotado » !
Sim, Senhor ! Os trabalhadores
revolucionários de Berlim foram batidos !
Sim, Senhor ! Massacrados às
centenas como bestas !
Sim, Senhor ! Lançados no
cárcere, estão várias centenas de seus mais fiéis !
Sim Senhor ! Foram batidos.
Posto que foram abandonados
pelos marinheiros, pelos soldados, pelas tropas de segurança, pelas guardas
populares, com cujo auxílio eles haviam contado firmemente.
E suas forças foram
paralisadas, mediante a irresolução e a fraqueza de sua direção.
E a monstruosa torrente de
lama contra-revolucionária das partes atrasadas da população e das classes
possuidoras dragaram-nos.
Sim, Senhor, foram batidos. E
havia de ser um mandamento histórico que fossem batidos. Pois, o tempo ainda
não estava maduro.
E, sem embargo – a luta foi
inevitável.
Pois, entregar, sem combate, a
Central de Polícia, esse palácio da revolução, a Eugen Ernst e a Hirsch, seria
uma derrota degradante.
A luta estava imposta ao
proletariado pelos bandos de Ebert e, de modo elementar, o proletariado gritou
a partir das massas de Berlim – superando todas as dúvidas e ponderações.
Sim, Senhor ! Os trabalhadores
revolucionários de Berlim foram batidos.
E os Ebert-Scheidemann-Noske
venceram.
Venceram, pois o generalato, a
burocracia, os latifundiários, de pele e osso, os padres e os sacos de dinheiro
e tudo que é atrasado, limitado, sectário, estava do lados deles. E venceram
com tiros, bombas de gás e morteiros.
Porém, há derrotas que são
vitórias. E há vitórias que são mais implacáveis que as derrotas. Os vencidos
da semana sangrenta de janeiro impuseram-se gloriosamente. Eles disputaram por
grandes coisas : pela linha mais preciosa da humanidade sofredora, pela
redenção espiritual e material das massas famintas, derramaram seu sangue
sagrado que, desse modo, foi santificado.
E das gotas desse sangue,
dessas sementes de dragão para as vitórias de hoje, ressurgirão as vinganças
dos caídos, de cada fibra dilacerada, novos lutadores da elevada causa que é
eterna e imperecível, tal como o firmamento.
Os derrotados de hoje serão os
vencedores de amanhã ...
Ainda não está encerrado o
caminho de Gólgata da classe trabalhadora alemã, porém o dia da emancipação
aproxima-se. O dia do Tribunal dos Ebert-Scheidemann-Noske e dos poderosos
capitalistas, os quais ainda hoje escondem-se atrás daqueles. As ondas dos
acontecimentos batem na altura dos céus : estamos acostumados a ser lançados da cumeeira ao abismo.
Porém, nosso navio segue seu
curso direto, firme e orgulhoso, rumo ao
seu objetivo. E se ainda, então, vamos viver quando isso for alcançado ?
Vivamos nosso programa ! Ele dominará o mundo da humanidade
emancipada.
Apesar de tudo !”[7]
Sem embargo, na grandiosa história de luta em prol do socialismo sobre o
solo da Alemanha, esse lendário e relevantíssimo congresso proletário que
insinuava irromper suas portas à instauração de uma República Socialista, fundada
pelos trabalhadores e soldados revolucionários, tomando todo poder político em
suas mãos, não transferindo nenhum átomo de suas atribuições jurídico-políticas
a uma Assembléia Nacional Constituinte, deflagrando, pelo contrário,
uma luta encarniçada contra o Governo Provisório de Coalizão,
formado no quadro de negociações eminentemente burocráticas e ilegítimas
travadas entre o Partido Social-Democrático da Alemanha (SPD), representado por Ebert,
Scheidemann e Landsberg, e pelo Partido Social-Democrático Independente da
Alemanha (USPD), encabeçado por Kautsky, Haase e Bernstein, esse
congresso de trabalhadores e soldados haveria de avalizar precisamente a
fórmula antagônica às posições defendidas aguçadamente pelo mais intrépido e
ousado dirigente revolucionário-marxista do proletariado alemão desses dias : por
400 votos a 50, a posição favorável à convocação imediata de eleições
para uma Assembléia Nacional Constituinte, a realizar-se em 19 de
janeiro de 1919, bem como por 344 votos a 98, a rejeição
categórica da convocação imediata de um novo Congresso dos Conselhos.[8]
“Art. 165. Os trabalhadores e
empregados devem atuar, em comunidade com os empresários, e com igualdade de
Direitos, na regulação das condições salariais e de trabalho, bem como no
desenvolvimento econômico conjunto das forças produtivas.
As organizações de ambos os
lados e seus acordos serão reconhecidos para a implementação de seus interesses
sociais e econômicos, os trabalhadores e empregados manterão representações
legais nos Conselhos de Trabalhadores de Fábrica, bem como em Conselhos
Distritais de Trabalhadores de Fábrica, organizados segundo o domínio da
economia, e em um Conselho de Trabalhadores do Império.
Os Conselhos de Trabalhadores
Distritais e o Conselho de Trabalhadores do Império intervêm visando ao
cumprimento das atividades econômicas conjuntas e à atuação na execução das
Leis de Socialização, conjuntamente com as representações dos empresários e
demais círculos populares participantes, em Conselhos Econômicos Distritais e
em um Conselho Econômico Imperial.
Os Conselhos Econômicos
Distritais e o Conselho Econômico Imperial devem ser conformados de modo que
todos os grupos profissionais importantes sejam neles respectivamente
representados, em seu significado econômico e social.
Os projetos de lei
político-sociais e econômicos de significado fundamental devem ser apresentados
pelo Governo do Império, antes de sua introdução, ao Conselho Econômico do
Império para parecer.
O Conselho Econômico do
Império tem o Direito de requerer, ele mesmo, tais projetos de lei.
Caso o Governo Federal não
lhes autorize, deve, apesar disso, apresentar tais projetos ao Parlamento do
Império, com a exposição de seu ponto de vista.
O Conselho Econômico do
Império pode mandar representar o projeto mediante um de seus membros, diante
do Parlamento do Império. Podem ser transferidos aos Conselhos de Trabalhadores
e da Economia atribuições de controle e de administração, nos domínios que lhe
forem repassados.
Regular a construção e as
tarefas dos Conselhos de Trabalhadores e da Economia, bem como sua relação para
com outras corporações sociais auto-administrativas, é matéria que pertence
exclusivamente ao Império.”
“Art. 181. O povo alemão
resolveu e decidiu essa Constituição através da Assembléia Nacional.
Ela entra em vigor no dia de
sua promulgação.”[9]
Eis aí, nesses dois artigos normativos da Constituiçao de Weimar, promulgada,
a seguir, no dia 11 de agosto de 1919 – há praticamente oito meses depois do
discurso público de Karl Liebknecht retro-referido -, até onde pôde chegar a
expressão mais elevada do mais disforme mostrengo político, produto do mais
desbragado conciliacionismo de poderes de classes, protagonizado pelos
frente-populistas, dualistas-colaboracionistas, que a história contemporânea de
todo o mundo teve a oportunidade de conhecer.
Esse prodígio resultante da defesa preambular de uma orientação política
de Assembléia
Nacional Constituinte, livre e soberana, escorada sobre e legitimada
por órgãos de luta de massas, tais como conselhos (verbi gratia : assembléias)
de trabalhadores e soldados piqueteiros, fortalecidos através de greves gerais
e de massas, encontra-se plasmado, no documento constitucional acima citado,
mediante a força vinculante de normas jurídico-positivas consagradoras de um
suposto “Socialismo Democrático”, edificado após o fim da I
Guerra Imperialista Mundial, no quadro da República de Weimar, por
obra e arte da Social-Democracia Alemã (SPD), dirigida, então, por Friedrich
Ebert e Philipp Scheidemann, em conluio com seus mais legítimos aliados
políticos, entre os quais se descataram Karl Kautsky, Rudolf Hilferding e Eduard
Bernstein.
Da investigação desse tema histórico-político, dedicar-nos-emos, mais
adiante, no curso do presente estudo.
Entretanto, cumpre assinalar, desde logo, à
guisa de introdução, que os fenômenos históricos, avançando tal como uma espiral
cronológica, não dogmaticamente delineada, de antemão, por seus diversos
protagonistas sociais e políticos, reproduzem, reiteradamente, também outros Quasímodos democrático-socialistas, outros
atentados teóricos, políticos e históricos perpetrados contra a longa e
encarniçada, acirrada e sangrenta, luta de libertação do proletariado explorado
e de seus aliados socialmente oprimidos.
Foi, assim, que Antonio Gramsci, ao colocar de cabeça para baixo a concepção
dialético-materialista de Marx e
Engels, Lênin e Trotsky, em seus fundamentos mais essenciais,
desfigurou-a, distorceu-a, deturpou-a, deformou-a, do modo mais completo e
radical, sobretudo por menosprezar e renegar, desde seu prisma de análise
idealista-subjetivista, a importância decisiva e cardeal da imprescindibilidade
da violência revolucionária do proletariado hegemônico em sua missão histórica
de despedaçar o Estado Burguês
e edificar a Ditadura Revolucionária
do Proletariado, incorporadora da mais ampla e historicamente superior Democracia Proletária.[10]
Já tivemos a oportunidade de assinalar,
alhures, que a concepção de hegemonia
do proletariado de Gramsci encontrou sua mais eminente consagração nas Teses de Lyon do Partido Comunista
Italiano(PCI), redigidas em janeiro de 1926, enquanto produto da obra
intelectual conjunta de Antonio
Gramsci e Palmiro Togliatti
(Ercoli).
Tais teses nada mais fizeram senão ratificar
a validade da famosa palavra de ordem anti-monárquica, de natureza supostamente
democrático-intermediária, que já ordenava toda a intervenção do PCI, desde o assassinato do
deputado socialista Giacomo
Matteotti, em 1924 : Assembléia
Republicana Constituinte, apoiada nos Comitês de Operários e Camponeses
ou, por assim dizer, em Assembléias
Operárias e Camponesas.
Gramsci e Togliatti alegaram,
à época, conceber esses comitês operários e camponeses como instrumentos de
mobilização das massas e embriões de sovietes em face da ditatura fascista de Benito Mussolini.[11]
Extraordinariamente atento ao tema, Trotsky teve a oportunidade de assinalar,
entretanto, já mesmo em novembro de 1929 :
“No que concerne à direção oficial do Partido Italiano, não tive a
oportunidade de observá-la senão a partir do Executivo da Internacional, na
pessoa de Ercoli (i.e. Palmiro Togliatti).
Dotado de uma espírito de adaptação e de um bom palavreado, Ercoli é
adequado (não se poderia dizer melhor) para os discursos de um procurador ou de
um advogado, acerca de um tema de encomenda e, de modo geral, para executar
ordens. ...
A propósito, não é Ercoli que tenta adaptar à Itália a idéia de “ditadura democrática do proletariado e dos
camponeses”, sob a forma de uma palavra de ordem de assembléia constituinte,
apoiada sobre uma assembléia operária e camponesa.
Nas questões acerca da URSS, da Revolução Chinesa, da Greve Geral da
Inglaterra, da Revolução da Polônia e da luta contra o fascismo italiano,
Ercoli, como também outros dirigentes de formação burocrática, adota,
inevitavelmente, uma posição oportunista para, depois, eventualmente, a seguir,
retificá-la, mediante aventuras de ultra-esquerda.
Parece que, atualmente, trata-se precisamente da estação do ano dessas
aventuras.” [12]
Em maio de 1930, regressando ao mesmo tema, Trotsky, então, observou, incisivamente,
fornecendo um ensinamento histórico inolvidável para as futuras gerações de
marxistas-revolucionários :
“A Assembléia Republicana
constitui, inegavelmente, um organismo do Estado Burguês.
O que são, pelo contrário, os
Comitês Operários e Camponeses ?
É evidente que, de alguma forma, são um equivalente dos Sovietes de
Operários e Camponeses. ...
Como é possível, nessas
condições, que uma assembléia republicana – órgão supremo do Estado Burguês –
tenha como base organismos do Estado Proletário.”[13]
Nesse mesmo sentido, é igualmente
indispensável ter-se sempre presente, a forma segundo a qual Lênin sintetizou sua concepção
acerca da problemática da consigna de Assembléia
Nacional Constituinte, quando se a pretende unificar, fundar, apoiar
em órgãos de poder proletário,
tal como exsurge das Teses e
Exposição acerca da Democracia Burguesa e a Ditadura do Proletariado, de
4 de março de 1919 :
“A mais completa bancarrota dos socialistas que se reuniram em Berna
(obs.: Lênin refere-se aqui aos socialistas da Internacional Amarela, Kautsky,
Hilferding, Martov, Longuet, Turati, Branting etc.), sua mais completa
incompreensão para a nova, i.e. para a Democracia Proletária, pode ser atestada
no seguinte :
Em 10 de fevereiro de 1919, Branting declarou encerrada a Conferência
Internacional da Internacional Amarela, em Berna.
Em 11 de fevereiro de 1919, seus participantes publicaram, em Berlim, no
jornal “A Liberdade” um apelo do Partido dos “Independentes” ao proletariado.
Nesse apelo aceita-se o caráter burguês do governo Scheidemann,
acusa-se-o de querer eliminar os Conselhos (Räte), que são chamados de
portadores e guardiães (Träger und Schützer) da revolução, e formula-se a
proposta de legalizar os Conselhos (Räte), conferindo-se-lhes Direitos de
Estado, dando-se-lhes o Direito de Impugnação contra as decisões da Assembléia
Nacional, com o efeito de ter de decidir um plebiscito nacional.
Uma tal proposta desmascara a total falência ideológica dos teóricos que
defendem a democracia e não entenderam seu caráter burguês.
A tentativa ridícula de unificar o Sistema dos Conselhos, i.e. a Ditadura do Proletariado, com
a Assembléia Nacional, i.e. a Ditadura da Burguesia, desvenda, definitivamente, às forças incessantemente crescentes da nova
Democracia Proletária, tanto a pobreza de espírito dos Socialistas Amarelos e
dos Sociais-Democrátas e sua essência politicamente
reacionário-pequeno-burguesa quanto suas concessões medrosas(p. 479)...
Nos primeiros oito meses da Revolução Russa foi por demais discutida a
questão da organização dos Sovietes.
Para os trabalhadores não estava claro no que consistiria o novo sistema
e se seria possível fazer dos Conselhos um aparelho de Estado.
Procedemos em nossa revolução de modo prático e não teórico.
A questão da Constituinte, p.ex., não a havíamos colocado, teoricamente,
antes.
Não havíamos dito que não
reconhecíamos a Assembléia Constituinte.
Apenas depois, i.e. depois de que as organizações soviéticas se
espalharam por todo o país e conquistaram o poder político, apenas então
ocupamo-nos de desbaratar a Constituinte(p. 486).”[14]
Na cadeia dos mais contraditórios portentos histórico-políticos, está
cumprindo, porém, ao Partido Obrero
(PO), encabeçado por Jorge
Altamira, Pablo Rieznik e Osvaldo Coggiola – esse último o corifeu trotskysta-gramsciano
da América Latina -
e aos seus aliados universalmente democráticos do PTS, do MAS, do MTS, da CS e
seus seguidores[15],
protagonizarem a atualização temporal consistente em tentar adaptar à Argentina dos Cacerolazos, nos
primeiros anos da alvorada do século XXI, em meio à tempestade de um imenso “Argentinazo”, a concepção
social-colaboracionista e idealista-gramsciana de defender – como forma de
contemporização de poderes antagônicos de classes sociais – a instituição de
uma Assembléia Constituinte, apoiada
sobre Assembléias Nacionais Piqueteiras e Populares, enquanto órgãos de luta de
massa e da greve geral.
Nesse sentido, Jorge Altamira
dirigiu-se ao Presidente da
Legislatura Burguesa de Buenos Aires clamando ingentemente pelo
seguinte :
“Una Asamblea Popular Constituyente, que exprese a la voluntad soberana
del pueblo y, en esa medida, se convierta en el ámbito apropiado para discutir
y resolver los problemas que interesan a la población trabajadora y comience a
reorganizar integralmente a la Ciudad sobre nuevas bases sociales.”[16]
Para isso,
declarou expressamente Altamira :
“La
Legislatura tiene la oportunidad de encabezar este proceso político de
renovación.
Si fuera capaz de dar ese paso *aún tardíamente por
relación a la vorágine con que se están precipitando los acontecimientos*
tendría reservado un lugar en la historia.
De lo contrario, como ha pasado con otras
instituciones anacrónicas, será presa de esos acontecimientos y será devorada
por los mismos.”[17]
E,
conclusivamente, em seu Proyecto de Ley, apresentado à Legislatura
Burguesa de Buenos Aires, submeteu Altamira à aprovação dessa última os
seguintes artigos de lei, referentes à convocação por ela mesma, no prazo de 45
dias, de uma Assembléia Constituinte, sendo que, até o advento dessa
convacação, Altamira reivindicou a formação de um “governo colegiado, integrado por
representantes de todos os blocos parlamentares da ex-legislatura da cidade”, i.e.
a formação de mais um organismo inequivocamente burguês, um governo burguês
provisório de frente-popular :
“PROYECTO DE LEY
Articulo 1º. Se convoca a una Asamblea Constituyente en el ámbito de la Ciudad de
Buenos Aires en un plazo máximo de 45 días. Esta Asamblea asumirá el
gobierno general de la Ciudad, sustituyendo a los actuales poderes Ejecutivo y
Legislativo.
Articulo 2º. Hasta la asunción de la Asamblea Constituyente, se constituye un
gobierno colegiado integrado por representantes de todos los bloques
parlamentarios de la ex Legislatura de la Ciudad, en sustitución del poder
Ejecutivo y de la Legislatura de la Ciudad de Buenos Aires.
Artículo 3º. Comuníquese.”[18]
Desse modo, o Partido Obrero (PO) julgou acertado empreender, além de
tudo, uma grande inovação histórica, situada no campo da mais extrema
deformação da tradição marxista-revolucionária : a secularmente conhecida e
típica consigna de conciliação dos paradoxos dialéticos em destaque,
reivindicadora de um status supostamente democrático-intermediário
transicional, haveria de ser postulada e defendida, ostensivamente, mesmo em um
contexto de luta dirigido para a derrubada não de uma ordem monárquico-imperial
ou manifestamente fascista, mas sim de um regime democrático-burguês.
A inovação estrambótica da orientação
dualista-contemporizadora em tela reinvidica constituir-se, portanto, em
patrimônio original e intransferível do Partido
Obrero (PO), no marco de sua revisão do marxismo-revolucionário, desde
a perspectiva das lentes dos óculos do social-conciliacionismo dos organismos
de poder das classes sociais antagônicas, no sentido mais próprio do gramscismo subjetivista.
O percurso que “elevou” Jorge
Altamira ao “trotskysmo
gramscista” já procuramos desvendar aos leitores em outra sede, há
algum tempo atrás, e tal fenômeno extraordinário de manifesta involução
ideológica – a despeito de possuir sua profunda importância para o atual
processo revolucionário em curso na Argentina
– não será, porém, objeto central da presente investigação.[19]
Assinale-se, apenas, que, tanto em sua
intervenção oral no II Fórum Social
Mundial de Porto Alegre, como nas mais diversas publicações jornalísticas
das “Tapas de Prensa Obrera”, surgidas
já segundo a temperatura do levante das massas argentinas de dezembro de 2001,
exprimiu-se, fática e documentalmente, o Partido
Obrero (PO) defendendo, ostensivamente, a malsinada orientação
político-estratégica dualista-contemporizadora, social-colaboracionista, acima
referida, consistente em tentar conciliar as atividades de um órgão supremo de
um Estado Burguês com organismos revolucionários marcadamente proletários :
“Que se vayan todos”, ya es consigna
nacional.
Por una Asamblea Constituyente libre y
soberana.
Por el desarrollo de las Asambleas
nacionales piqueteras y populares,
como órganos de una lucha de masa y de la
huelga general.”[20]
Eis o que clama, perante os sete céus, a mais
nova edição de Prensa Obrera,
de 28 de fevereiro de 2002.
No editoral do mesmo periódico, o artigo Qué debaten las assembleas populares exprime-se,
ainda mais detalhadamente, acerca da questão, ao desvendar a atual estratégia
estaferma, “trotskysta –gramsciana” ébria,
do Partido Obrero (PO) :
“Asamblea Constituyente
La Asamblea Interbarrial
aprobó por unanimidad la consigna de Asamblea Constituyente. A partir de ese momento el debate sobre el alcance de esta consigna
está lejos de cerrarse.
La consigna de Asamblea Constituyente permite plantear el problema del
poder y la
lucha por el poder en las condiciones concretas de la presente
situación.
Pero, ¿quién convoca a la Asamblea Constituyente?, se preguntan en las
asambleas.
La respuesta es muy sencilla: la convocatoria estará en manos de quien
luche por ella.
Es decir que si las asambleas
populares luchan por la Constituyente y derriban a los gobiernos capitalistas
incapaces de realizarla, van a ser ellas las que tengan la misión de
convocarla.
Luchando por la Constituyente lo que equivale, insistimos, a la única forma
de luchar por el poder en las actuales condiciones, las propias asambleas
populares o piqueteras se convierten en una herramienta de poder de los
explotados.
Los que plantean que el poder
pase ya a las asambleas populares, sin que tengan que luchar por el poder para
la Constituyente, es decir sin acreditar autoridad nacional, organización y
fuerza, no hacen más que propagandismo.
La otra inquietud es si algún
político o partido enemigo es capaz de convocar a la constituyente. La pregunta
expresa el interés por evitar una expropiación del movimiento popular.
Pero la Asamblea Constituyente soberana plantea el derrocamiento del
actual gobierno, en primer lugar, y debe abarcar a todos los poderes del estado
nacional, provincial y municipal.
Los políticos patronales no hablan de Constituyente soberana, porque lo
que quieren evitar es precisamente el derrocamiento del régimen.”[21]
Portanto : a Assembléia Inter-Bairros, por força e impulso do Partido Obrero e seus aliados
universalmente democráticos, veio a ser chamada a dar sustentação e legitimar –
sendo que, de fato, já teria até mesmo aprovado – a falaciosa consigna de
convocação de uma futura, e ainda precisamente imponderável, Assembléia Constituinte, livre e
soberana, organismo jurídico supremo de um Estado Burguês, cujo
funcionamento resultaria, desde logo, reconhecido e sacramentado pelos órgãos de luta de massa e de greve
geral, “si las asambleas populares luchan por la Constituyente y derriban a los gobiernos capitalistas
incapaces de realizarla, ... si algún político o partido enemigo es
capaz de convocar a la constituyente ...”
A Assembléia
Inter-Bairros teria decido, assim, mediante esse ato jurídico-político,
tranferir a uma futura Assembléia
Constituinte, livre e soberana poderes e atribuições legislativas
essencias que, originariamente, repousam em suas próprias mãos.
Acerca da natureza da Asamblea Interbarrial, escreveu, além disso, o MST – UIT en Izquierda Unida, até
mesmo da seguinte forma :
“A partir de diciembre, con los cacerolazos, en muchos barrios de la
ciudad se organizaron asambleas.
La gente quiere participar y decidir por sí misma.
Fue surgiendo la necesidad de coordinar con las otras asambleas para
fortalecer la pelea porque los reclamos centrales son los mismos.
No sólo el corralito, sino los problemas de fondo del país : el plan
económico, qué gobierno hace falta ...
Así empezó a crecer esta Asamblea Inter-barrial, que es una experiencia
totalmente nueva de organización popular para la lucha.
Las que deciden son las asambleas de cada barrio.
Participan pequeños comerciantes, estudiantes, jubilados y trabajadores.
En la última se sumaron los delegados del Hospital Italiano.
La Interbarrial funciona como un ámbito de coordinación, porque los
vecinos quieren debatir propuestas y también resolver acciones concretas.
Nadie quiere imposiciones.
La participación es abierta, pero hablan los representantes de cada
barrio trayendo las propuestas.
Los 70 que nos anotamos hoy representamos cada uno a una asamblea
barrial.
Por razones de tiempo hablamos 25 y después se pasó a votar.”[22]
Cumpre, pois, indagar : o Partido Obrero (PO) e seus
aliados político-estratégicos, em
seu empenho de lutar, em meio aos Piquetes
y Cacerolas, por uma Assembléia
Constituinte, que esteja fundada no desenvolvimento das Assembléias Nacionais
Piqueteiras e Populares, enquanto órgãos de luta de massa e da greve geral
adotam, defendem e operam com que versão de conquista da hegemonia do
proletariado : a versão
dialético-materialista, desenvolvida por Lênin e devidamente concebida por Trotsky, ou a versão
idealista-subjetivista, equacionada por Gramsci, destinada à promoção de um específico social-conciliacionismo
de classes, como forma de capitulação diante dos Estados Burgueses ?
Estaria
o Partido Obrero (PO) e
seus aliados político-estratégicos penetrados da concepção irrevogavelmente
subjetivista-idealista de que o desate da luta impiedosa travada entre classes
dialeticamente antagônicas poderia conduzir a um termo de conciliação dos
opostos materiais, emergindo da história, no quadro da revolta das massas
exploradas e oprimidas, a possibilidade de um equacionamento de vertentes
contraditórias, mediante o surgimento de uma síntese contemporizadora entre o
velho e o novo : a racionalidade retórico-parlamentar vinculante, extraída da
positividade jurídico-estatal de uma Assembléia
Constituinte, tendo na sua base o desenvolvimento dos órgãos de luta de massa e
de greve geral ?
Por força da convocação efetiva de uma Assembléia Constituinte, livre e
soberana, assentada sobre esses órgãos de luta de massa e de greve
geral e incumbida de estabelecer uma nova Carta
Magna Jurídico-Constitucional da Argentina, tornar-se-ia a impulsão da
inevitável e inadiável Revolução
Proletária Latino-Americana e Mundial extraordinariamente mais
dificultosa ou substancialmente mais simplificada?
Essa convocação fortaleceria ou não a
concepção jurídico-constitucional, ilusória e fantasiosa, de que apenas um Parlamento Constituinte, livremente
eleito e soberano, legitimado junto às Assembléias Nacionais Piqueteiras e Populares, estaria
efetivamente autorizado a operar intervenções estatais, severas e implacáveis,
nas relações sócio-econômico-privadas do modo de produção capitalista
remundializado ?
Eis algumas questões para cuja análise o
presente estudo teórico-doutrinário pretende, de algum modo – ainda que
limitada e escassamente – contribuir, ao ter em conta aquela formulação
apresentada por Alícia Sagra, contida
em seu artigo intitulado ¿
Salida Democrática o Salida Obrera ? :
“Un logro del proceso revolucionario es haber hecho reflexionar a las
organizaciones de izquierda que están dando pasos para superar la dispersión
existente.
Se ha formado una Mesa de la Izquierda, de donde surgieron declaraciones
y acciones conjuntas.
Esa nueva realidad permitió que participásemos como bloque de los
enfrentamientos del 20 de diciembre y que enfrentáramos unitariamente a la
patota de Duhalde el 1 de enero....
Si leemos las declaraciones comunes, aparentemente no habría diferencias
en ese aspecto, ya que hablamos de «salida obrera y popular », «gobierno de los
trabajadores », «plan obrero alternativo », llamamos a construir coordinadoras,
asambleas populares, etc.
Pero si vamos a la prensa y al accionar cotidiano de los partidos vemos
que las cosas no son tan así.
Por ejemplo en los periódicos, volantes, pancartas del Partido Obrero,
sin ninguna duda la consigna central no es el gobierno de los trabajadores, ni
las asembleas populares, sino la Asamblea Constituyente.
Ese es planteo que hacen a los nuevos organismos que están surgiendo.
Y esa política, aunque con diferente intensidad, tambiém está siendo
asumida por el MST, Izquieda Unida, y el PST.
Por eso decimos que a nivel de la Izquierda no está claro si la salida
central planteada (para ahora, no para un futuro incierto) es obrera o es
democrática.”[23]
CAPÍTULO I.
O PARTIDO SOCIAL-DEMOCRÁTICO DA ALEMANHA (SPD)
NA VIRADA DO SÉCULO XX
E O MARXISMO-REVOLUCIONÁRIO
Antes da irrupção da I Guerra Mundial Imperialista, o
movimento dos trabalhadores alemães era o mais poderoso do mundo e servia de
paradigma para muito partidos socialistas.
No último congresso do Partido Social-Democrático da Alemanha(SPD),
realizado na cidade de Jena, em 1913, nas vésperas da
deflagração da conflagração bélica de 1914, esse partido contava com cerca de 1
milhão de membros, 90 jornais diários e conformava, com seus 4 milhões e 250
mil votos obtidos em eleições parlamentares, o maior partido alemão de todos os
tempos.
110 deputados federais, 220 deputados estaduais e 2.886 vereadores
representavam o partido da Social-Democracia Alemã no
parlamento do país.
Os sindicatos associados livremente à Social-Democracia Alemã incorporavam
cerca de 2,5 milhões de trabalhadores e possuíam, sob seu controle, um
patrimônio de cerca de 88 milhões de marcos alemães[24].
Com seu crescimento, o Partido Social-Democrático da Alemanha(SPD) havia,
entretanto, deformado-se profundamente, sem que isso se tornasse manifestamente
visível e compreensível, à primeira vista, para muitos analíticos políticos.
Com efeito, para o público externo em geral, a Social-Democracia Alemã, herdeira
legítima das tradições revolucionárias de Marx e Engels, seguia representando
um partido autenticamente socialista-revolucionário radical[25].
Nada obstante, tal organismo político havia-se transformado,
efetivamente, em seu interior, em um partido essencialmente social-reformista e
centrista-oportunista que, apoiando-se sobre o proletariado alemão e falando em
seu nome, secundarizava o objetivo de luta revolucionária pelo socialismo em
relação à perspectiva de movimentos em favor da obtenção de reinvidicações
sócio-econômicas imediatas, mediante negociações sindicais e intervenções
políticas junto aos parlamentos.
Os principais dirigentes da Social-Democracia Alemã promoviam,
além disso, a cada nova oportunidade que surgia, a mais integral deformação
oportunista das premissas estratégicas mais fundamentais do
marxismo-revolucionário, com principal destaque para a questão do levante
armado da classe trabalhadora, visando à implosão do Estado Burguês, a
imprescindibilidade de instauração da Ditadura Revolucionária do Proletariado,
incorporadora da mais ampla e historicamente superior Democracia Proletária, bem
como a necessária compreensão do fenômeno da violência revolucionária para a
derrubada da burguesia, enquanto fenômenos de transição inevitáveis para o
atingimento da sociedade socialista.
Já mesmo no Projeto do Programa de Coalizão de Gotha, de 1875, a Social-Democracia
Alemã, rumando para a fusão dos Eisenachianos e Lassalleanos, não
reivindicou absolutamente, em seu “Congresso do Compromisso de Gotha”, ocorrido
entre os dias 22 e 27 de maio de 1875, a consigna programática da Ditadura
Revolucionária do Proletariado, bem como a indispensabilidade de
destruição armada do aparelho de Estado Burguês pelo proletariado – apesar da
experiência da Comuna de Paris - , mas sim a edificação de um Estado
Popular Livre, a ser introduzido em substituição do então existente Estado
Prussiano, assentado sobre a dominação de classe burguesa-capitalista e
latifundista[26].
Cumpre assinalar,
porém, que a elaboraçao esse Projeto do Programa de Coalizão de Gotha, de
1875 foi em grande parte, inspirada
intelectualmente pelos lassalleanos Johann Baptist von Schweitzer e
Wilhelm Hasselmann, sustentada enfaticamente por Eduard Bernstein[27],
admitida politicamente, apesar de leves e inofensivas críticas, por August
Bebel e Wilhelm Liebknecht – e rechaçada aguda e intrepidamente por Marx
e Engels[28].
Em verdade, cumprira a Wilhelm Liebknecht iniciar, sem o
conhecimento expresso de Marx e Engels, contatos com o dirigente
lassalleano, Wilhelm Hasselmann, representante
da Allgemeine Deutsche Arbeiterverein (Associaçao Geral dos Trabalhadores
Alemaes), de
modo a permitir a elaboraçao do Projeto do Programa de Coalizão de Gotha, de
1875, expressao apodrecida de um amontoado de frases intrincadamente
oportunistas e pensamentos extremamente inconsistentes, empurrados solertemente
para o interior do movimento dos trabalhadores alemaes.
Em sua renomadíssima carta a August Bebel, redigida entre 18 e 28
de março de 1875, Friedrich Engels teve oportunidade de escrever nitida e
irrefutavelmente acerca do tema:
“O Estado Popular Livre transformou-se
em Estado Livre.
Considerando-se em sentido gramatical, um Estado Livre é aquele em que o
Estado é livre em face de seus cidadãos, i.e. um Estado com governo despótico.
Dever-se-ia abandonar todo o palavreado acerca do Estado,
particularmente desde a Comuna que, em sentido próprio, já não era mais nenhum
Estado.
O Estado Popular foi-nos atirado na cara, até não se poder mais, pelos
anarquistas, ainda que os escritos de Marx contra Proudhon e, posteriormente, o
“Manifesto Comunista” digam diretamente que com a introdução da ordem social
socialista o Estado dissolve-se por si mesmo e desaparece.
Uma vez que o Estado é, porém, apenas uma instituição transitória da
qual se lança mão na luta, na revolução, a fim de reprimir violentamente seus
adversários, torna-se puramente absurdo falar-se de um Estado Popular Livre :
enquanto o proletariado ainda necessita do Estado, dele necessita não no
interesse da liberdade, mas sim para a repressão de seus adversários e, tão
logo pode-se falar em liberdade, deixa o Estado de existir enquanto tal.
Por essa razão, proporíamos colocar, em todos os lugares, ao invés de
Estado “Gemeinwesen(comunidade)”,
uma boa e velha palavra alemã que pode muito bem representar a “Comuna”
francesa.”[29]
Em uma carta dirigida a Ferdinand Domela Nieuwenhuis, Karl
Marx, ainda em 1881, dois anos antes de sua morte, teve a oportunidade
de confirmar sua concepção de luta revolucionária do proletariado, no quadro da
perspectiva de formação de um Governo Socialista :
“Não podemos resolver nenhuma
equação que não inclua em seus dados os elementos de sua solução.
Além disso, os embaraços de um
Governo surgido repentinamente através de uma vitória popular não são, de
nenhuma forma, algo especificamente “socialista”. Pelo contrário.
Os políticos burgueses
vitoriosos sentem-se, imediatamente, embaraçados com sua “vitória”, quando o
socialista pode intervir, no mínimo, desembaraçadamente.
Em uma coisa, você pode
acreditar :
um Governo Socialista não
assume o timão de um país sem situações tão desenvolvidas em que possa tomar
sobretudo as medidas necessárias para intimidar (no original alemão : ins
Bockhorn jagen, i.e. lançar no corno do bode) a tal ponto a massa da burguesia
que o primeiro desideratum(i.e. objetivo) seja conquistado : tempo para uma
ação cerrada.
Você me remeterá talvez para a
Comuna de Paris.
Porém, independentemente do
fato de que isso se tratou meramente de uma sublevação de uma cidade, em
condições excepcionais, a maioria da Comuna não era, de nenhuma forma,
socialista e nem podia sê-lo.
Com uma mínima quantidade de
common sense(i.e. de senso comum), ela teria, entretanto, podido alcançar um
útil compromisso para toda a massa popular – atingível apenas outrora.
Tão somente a apropriação do
Banque de France teria colocado, com terror, um fim à arrogância de Versalhes
etc. Etc. ...
A visão científica da
desagregação inevitável da ordem social dominante, sempre em processamento
diante de nossos olhos, as massas cada vez mais flageladas com sofrimentos
pelos velhos fantasmas de governo, o concomitante desenvolvimento positivo,
gigantescamente progressivo, dos meios de produção – isso tudo já basta como
garantia para que, no momento da irrupção de uma revolução realmente
proletária, sejam dadas também as condições de seu modus operandi(i.e. modo de
agir) direto, próximo – ainda que seguramente não idílico.”[30]
Wilhelm Liebknecht logrou, porém, empreender, durante anos,
diversas manobras políticas, visando a impedir que Friedrich Engels desse,
manifesta e sistematicamente, publicidade às suas críticas e às de Marx
contra o Programa de Coalizão de Gotha, de
1875.
Tão somente no início dos anos 90, Engels, opondo-se,
entao, abertamente, às resistências de Wilhelm Liebknecht e de
seus aliados mais estreitos, logrou, finalmente, organizar a publicaçao da Crítica
ao Programa de Gotha, a qual surgiu estampada no Nr. 18, Volume
I, do “Die Neue Zeit(O Novo Tempo)”, dos anos de 1890 e
1891.
Em uma carta dirigida a F. A. Sorge, Friedrich Engels pronunciou-se,
entao, da seguinte forma, contra as reaçoes de desapontamento de Wilhelm
Liebknecht e de seus colaboradores lassalleanos, entre eles,
especialmente Wilhelm Hasselmann :
“Liebknecht está, naturalmente, furioso, posto que toda a crítica foi
cunhada, especialmente, contra ele.
Ele é o pai que, juntamente com o veado pederasta do Hasselmann (no
original : Arschficker Hasselmann, i.e. o Hasselmann, comedor de cú), pariu
esse programa podre ...”[31]
De toda sorte, cumpre ainda recordar, retrospectivamente, que o período
da luta de classes travada na Alemanha que se estendeu de 1878 a
1890 foi marcado, enfática e decididamente, pela vigência da Lei Contra
os Socialistas, em cujo contexto colocou-se à prova as convicções e as
intervenções autenticamente revolucionárias dos militantes da Social-Democracia
Alemã.
A Lei Contra os Socialistas, planejada pelo “Chanceler
de Ferro”, Otto von Bismarck, surgiu, oportunisticamente,
enquanto resposta repressiva ao segundo atentado fracassado contra a vida do Imperador
Wilhelm I, empresa essa por ele atribuída à conta dos militantes da Social-Democracia
Alemã, ainda que não subsistisse qualquer prova judiciariamente cabal
nesse sentido.
Com
efeito, em 11 de maio de 1878, um homem chamado Emil Max Hödel disparou,
pela primeira vez, um velho revólver contra o Imperador Alemão, Wilhelm I sem lograr atingí-lo e – tal como pôde-se
atestar, indubitavelmente, a partir da constituição da arma o caráter e as
declarações do homem desclassificado – sem a séria intenção de promover um
atentado.
Apesar
disso, sua cabeça caiu por debaixo da guilhotina do verdugo imperial.
Todas
as tentativas de fazer de Hödel um
social-democrata não surtiram qualquer resultado.
Em 2
de junho de 1878, um tal Dr. Nobiling,
sujeito depravado, saído de um círculo pequeno-burguês, disparou, então, com
uma espingarda, contra o Imperador Alemão, que passeava nas ruas, conseguindo
ferí-lo.
Também
Nobiling não
possuia nenhuma ligação com a Social-Democracia.
Porém,
já na noite posterior ao atentado, Bismarck,
mandou distribuir, através do Bureau Telegráfico de Wolff, um telegrama, com o seguinte conteúdo,
portando a marca de “oficial” :
«
Berlim, 2 hs. Da madrugada. Na audiência judiciária posterior, Nobiling
reconheceu que ele rende homenagem às tendências sociais-democráticas, tendo
freqüentado, repetidamente, aqui, assembléias socialistas, havendo, desde oito
dias, a intenção de assassinar Sua Majestade o Imperador, porque considerava
ser frutífero para o Bem-Estar do Estado eliminar o Chefe de Estado.»[32]
Com
base nesse telegrama, deu-se início à instauração de uma terrível dominação
contra o movimento dos trabalhadores alemães.
A seguir, Bismarck decretou a dissolução do Parlamento
Alemão e, dinamizando toda a máquina do aparelho do Estado, oficial e
inoficial, composta milhares de policiais e de agentes espiões denunciadores,
convocou novas eleições em um clima de totalitarismo ideológico
anti-socialista, visando à formação de um novo órgão parlamentar que aprovasse
seu projeto de Lei Contra os Socialistas.
Formado nesse contexto de terror de Estado, o novo Parlamento do
Império Alemão empreendeu, em 9 de setembro de 1878, a votação do
projeto de lei formulado por Otto von Bismarck que clamava pela
mais resoluta repressão das aspirações e atividades sociais-democráticas.
Em 21 de outubro do mesmo ano, foi publicada no Diário do Império a
Lei Contra os Socialistas.
Em conformidade com o diploma legislativo em tela, o Parlamento do
Império Alemão conferiu poderes às autoridades policiais estaduais para
:
“proibir associações e ligações de todos os tipos, em particular as
caixas corporativas, como também impressos, que sirvam às aspirações
sociais-democráticas, socialistas ou comunistas, voltadas à subversão da ordem
social e estatal existente em uma forma ameaçadora da paz pública e, em
particular, da harmonia das classes da população.”[33]
Com a lei em destaque, foram proibidas, igualmente, todas e quaisquer
assembléias e editoras de publicações em que se pressupusesse a defesa das
tendências políticas em destaque, todo e qualquer recolhimento de fundos e
contribuições financeiras destinadas à sutentação de ideais de luta, ao mesmo
tempo que todas e quaisquer violações contra os dispositivos da Lei
Contra os Socialistas haveriam de ser reprimidas com pesadas punições
de restrição de liberdade e de ordem pecuniária, deflagrando-se, assim, uma
intensa e odiosa campanha de perseguição contra todos e quaisquer ativistas
proletários.
Nesse contexto, a imprensa e as publicações sociais-democráticas – com
destaque para os seus três jornais de maior circulação, contando com cerca de
45.000 assinantes – foram imediatamente proibidas.
Segundo o historiador revolucionário alemão Fritz Rück, foram,
até 31 de junho de 1879, proibidos, além disso, 317 associações, 5 caixas, 127
jornais e 278 publicações não periódicas[34].
Em novembro de 1878, foi imposto o estado de sítio, sobre a cidade de Berlim,
por ordem de Otto von Bismarck, culminando com o
banimento de dezenas e dezenas de militantes sociais-democráticos[35].
Contando-se a partir do ano de 1878, tal estado sítio perdurou,
rigorosamente, durante o período dos 12 anos subseqüentes, ao longo dos quais Bismarck
procurou, sofrega, porém inutilmente, quebrar a espinha dorsal do
movimento revolucionário-socialista alemão.
Esse último fortaleceu-se, ano após ano, de eleição parlamentar em
eleição parlamentar, no quadro de um trabalho essencialmente clandestino,
criando novas forças, a partir da amarga luta travada contra os órgãos de
repressão do “Chanceler de Ferro”, produzindo, além disso,
diversas novas formas de resistência contra a exploração do capitalismo
industrial e comercial alemão, em face das proibições dos sindicatos operários,
do esmagamento dos salários e do prolongamento da jornada de trabalho
Nesse sentido, Fritz Rück assinala, precisamente :
“Uma outra estatística demonstra o que a classe dominante da Alemanha alcançou
com a Lei Contra os Socialistas.
Ao tempo de sua promulgação, em 1878, o Partido Social-Democrático
contava com 437.158 votos e possuia 42 jornais políticos.
As organizações sindicais dirigiam 50.000 membros e 14 órgãos.
No momento da abolição da Lei Contra os Socialistas, em 1890, a
Social-Democracia obteve 1.427.298 votos e possuia 60 jornais políticos.
Os sindicatos possuiam 200.000 membros e 41 órgãos.”[36]
Acerca do tema, escreveu Franz Mehring, da seguinte forma
:
“Porém, tal como a perda, não se pode resumir também o ganho da Lei
Contra os Socialistas em alguns números, ainda que tão gloriosos.
Segundo a conhecida lei dialética, a quantidade convertia-se, em certo
ponto, em qualidade.
Na luta de 12 anos, o Partido havia-se tornado não apenas maior e mais
forte, senão ainda desevolvido-se, em sua realidade essencial, mais ricamente.
Ele havia não apenas lutado e batido, mas também trabalhado e aprendido.
Não apenas fornecido a prova de sua força, senão ainda a prova de seu
espírito.
Foram êxitos inestimáveis que não se podiam, de nenhuma maneira,
expressar em números, tampouco quanto a consciência da invencibilidade que
penetrou o Partido, desde que superou, exitosamente, a guerra, com todos os
meios de poder de um grande Estado moderno, ao longo de 12 anos.
As massas foram o protaginista da Idade Heróica do Proletariado.
Nisso precisamente residiu sua própria grandeza e sublimidade.”[37]
Tais ponderados depoimentos de Rück e Mehring acerca da Lei
Contra os Socialistas, não pode, entretanto, obscurecer o fato de que,
precisamente entre os anos de 1878 a 1890, cristalizou-se a mais integral
deformação oportunista das premissas estratégicas mais fundamentais do
marxismo-revolucionário no seio da direção da Social-Democracia Alemã,
já registradas, anteriormente, por ocasião do Congresso do Compromisso de
Gotha, ocorrido entre os dias 22 e 27 de maio de 1875, em cuja
oportunidade abriu-se mão da consigna programática da Ditadura Revolucionária do
Proletariado e desdenhou-se da concepção relativa à necessidade da destruição
armada do aparelho de Estado Burguês pelo proletariado.
A cruzada repressiva de Bismarck, desencadeada em 1878,
não encontrou os mais prestigiados dirigentes sociais-democráticos em um
espírito de disposição de combate revolucionário e de promoção de imediato
trabalho de contra-corrente.
A concepção relativa à necessidade de desenvolver-se um trabalho
clandestino, secreto e ilegal foi, de início, inteiramente rejeitado por parte
da da direção da Social-Democracia Alemã, então composta por Eisenachianos
e Lassalleanos, por August Bebel e Wilhelm Liebknecht, por Johann
Baptist von Schweitzer e Wilhelm Hasselmann : clamava-se por
desarmar os homens do “Chanceler de Ferro” mediante indulgência.
Esse estado de grande condescendência com as formas mais perversas de
degenerescência das orientações de Marx e Engels, foi, à época,
denunciado, publicamente, por Wilhelm Bracke, um dos fundadores
da corrente marxista dos Eisenachianos, em aberta crítica
à direção oportunista de August Bebel e Wilhelm Liebknecht de então :
“Nós
vaiamos a Lei.
Porém,
em 17 de março de 1879, Wilhelm Liebknecht fez um discurso no Parlamento do
Império no qual declarou, com base na tática adotada pelos dirigentes do
Partido alemão : «o Partido respeitará a Lei Contra os Socialistas, porque é um
Partido Reformista, no sentido estrito da palavra, sendo, de modo geral, um
absurdo a realização violenta da revolução. »
As
vaias de Bracke contra a Lei em tela não significou que o Partido não irá aderir
a ela, senão constatou apenas a verdade histórica de que o Partido não se
reprimirá, mediante essa Lei.”[38]
A posição defendida pelos principais dirigentes da Social-Democracia
Alemã era, nesse contexto, a de acreditar que, não se fornecendo nenhum
pretexto para a sua prorrogação, poderia ser a Lei Contra os Socialistas abrogada,
em um breve período de tempo.
Insensível a qualquer crítica formulada contra seu curso patentemente
oportunista, a presidência do Partido chegou ao ponto de dissolver-se,
formalmente, antes mesmo que a lei em destaque entrasse em vigor.
No que tange à intervenção parlamentar social-democrática, registrou-se,
também, desoladores episódios de debilitamente do espírito revolucionário.
No quadro dos debates parlamentares relativos à nova tarifa alfandegária
a ser introduzida pelo Império Alemão, ainda durante a vigência
da Lei Contra os Socialistas, o Deputado Social-Democrata
Kayser posicionou-se em favor do estabelecimento de tarifas protecionistas
especiais, criadas em favorecimento da indústria nacional.
Acerca da aberta capitulação parlamentar da Social-Democracia
Alemã, Karl Marx teve a oportunidade de assinalar, expressamente :
“Vocês já estão tão tomados pelo idiotismo parlamentar que acreditam
situar-se acima da crítica, de modo a amaldiçoá-la com um «crime de lése
majesté».”[39]
Engels, por sua vez, escreveu em sua carta dirigida a August Bebel, em
14 de novembro de 1879 :
“A tempestade que desabou após a Comuna sobre os socialistas franceses
era, porém, algo totalmente diferente da Lei Nobiling, na Alemanha.
E, de modo muito mais orgulhoso e mais consciente, comportaram-se os
franceses.
Onde é que você lá encontra essas fraquezas, esses cumprimentos
dirigidos ao adversário ?
Eles se calaram, quando não puderam falar livremente.
Eles deixaram que os filistinos choramingassem.
Eles sabiam que o seu tempo voltaria novamente e, agora, esse tempo lá
voltou.”[40]
No quadro da votação acerca do Projeto Militar Imperial de 1880,
August Bebel formulou críticas ao esboço do projeto, ressaltou,
entretanto, que a Social-Democracia Alemã encontrava-se disposta
a defender, agüerridamente, o solo pátrio contra as pretensões estrangeiras de
conquista.
Quando desde a perspectiva anarquista, Johann Most criticou,
em seu órgão jornalístico “Die Freiheit (A Liberdade)”, as
declarações de August Bebel, esse último procurou embasá-las,
pormenorizadamente, em “Sozialdemokrat (O Social-Democráta), diário
da Social-Democracia Alemã[41].
No contexto da votação acerca da prorrogação da vigência da Lei
Contra os Socialistas, o
dirigente social-democrata Julius Vahlteich considerou ser
essencial protestar, notoriamente, em sua intervenção pública, contra acusações
lançadas no sentido de que a Social-Democracia Alemã pretenderia osquestrar uma revolução em “Heugabelsinne”,
i.e. em claro português, uma revolução promovida com a luta armada para
a derrubada violenta da dominação burguesa de classe.
De maneira exemplar e ostensiva, Vahlteich demonstrou
afastar-se dos “revolucionários russos nihilistas”, declarando
que :
“a revolução, no velho sentido da palavra, realizada com barricadas e
coisas semelhantes, tornou-se já impossível, devido ao aperfeiçoamento das
armas e à formação das forças armadas, em virtude de motivos puramente
militares.”[42]
Diante desse quadro, foi-se formando, em meio aos melhores militantes e
quadros revolucionários da Social-Democracia Alemã, um movimento
de protesto dirigido contra as posturas da direção partidária majoritária e os
membros da fração do Parlamento do Império Alemão, devido à sua
atuação em face da Lei Contra os Socialistas.
Já mesmo no Congresso da Social-Democracia Alemã de 1880, celebrado
no Castelo Wyden, a organização partidária da cidade de Berlim
submeteu ao plenário um voto de desconfiança em relação à maioria, dotado do
seguinte conteúdo :
“Deve-se expender um voto de desconfiança aos deputados
sociais-democráticos relativamente ao seu comportamento no Parlamento do
Império Alemão.
Motivos :
a) a intervenção de Kayser em favor das tarifas protecionistas ;
b) o apelo de Bebel ao “patriotismo” dos companheiros, como também sua
“expectativa” no sentido de que esses últimos golpeassem os inimigos da pátria
;
c) o protesto de Hasenclever contra a declaração de Hasselmann ;
d) as declarações de Wilhelm Liebknecht que levantaram a discussão
pessoal, entre os deputados.”[43]
A concepção manifestamente oportunista da Social-Democracia Alemã
acerca da essência do Estado e do papel da violência revolucionária - considerada por Karl Marx enquanto
parteira de toda velha sociedade que se encontraria grávida de uma nova -, foi
ocultada plenamente, a seguir, passando em brancas nuvens, pelo Programa
de Erfurt, de 1891, considerado o Evangélio do Reformismo da II Internacional.
Nenhuma palavra acerca da Ditadura Revolucionária do Proletariado
e da necessidade de preparação da luta armada proletária – quanto menos acerca
da questão da Democracia Burguesa, enquanto forma de Estado em que a última
luta decisiva do proletariado há de ter lugar
- foi consagrada pelo Programa de Erfurt.
Voltando sua atenção para as resoluções do Programa de Erfurt, Karl Kautsky,
à época o principal mentor ideológico da Social-Democracia Alemã e
da II
Internacional, assinalou, expressa e cabalmente, em 1892 :
“Uma tal derrubada (i.e. a
derrubada do poder político pelo proletariado) pode assumir as formas mais
variadas, conforme as relações sob as quais se executar.
De nenhuma maneira, ela tem de
necessariamente estar vinculada a atividades de violência e a derramento de
sangue.
Já existiram casos na história
mundial em que as classes dominantes foram particulamente compreensivas – ou
particularmente fracas e medrosas -, de modo que abdicaram voluntariamente em
face de uma situação de coação.”[44]
E com efeito !
Dando embasamento às palavras de Karl Kautsky, é de destacar-se que Wilhelm
Liebknecht, no quadro do Congresso de Erfurt, realizado em
1891, há um ano antes da publicação da obra em referência de Kautsky,
pronunciou-se, categoricamente, da seguinte forma acerca da temática em
destaque :
“O elemento revolucionário não
se situa nos meios, mais sim no objetivo.
A violência é, desde há
séculos, um fator reacionário.”[45]
Wilhelm Liebknecht negava, além disso, a necessidade histórica da Ditadura
Revolucionária do Proletariado para
o atingimento do socialismo – admitindo-a apenas como medida excepcional em
caso de guerras[46].
Com tal concepção claramente oportunista de Wilhelm Leibknecht, encontrava-se
também plenamente de acordo August Bebel, o mais célebre e
renomado dirigente operário da Social-Democracia Alemã de então.
Em seus pronuncionamentos no Congresso de Erfurt, de 1891, August Bebel manifestou
sua crença de que, mediante propaganda e agitação, oral e escrita, bem como por
meio de atividade junto ao parlamento do Estado, o proletariado lograria chegar
ao poder.
Nessa mesma oportunidade, Bebel declarou-se, formalmente, da
maneira mais peremptória, contra o emprego de métodos revolucionários violentos
para a tomada do poder político por parte do proletariado[47].
Em suma : Wilhelm Liebknecht, August Bebel, e Karl Kautsky expressavam,
já na última década do século XIX, concepções irrevogavelmente oportunistas e
notoriamente incompatíveis com os princípios revolucionários fundamentais de Marx
e Engels.
As posições dos fundadores do socialismo científico quanto ao papel da
violência revolucionária na história, bem como quanto à tarefa da luta
proletária para destruição do Estado Burguês, passaram a colidir
diamentralmente com as posições dos mais prestigiados dirigentes da Social-Democracia
Alemã e da II Internacional, do século passado.
Acerca do pano de fundo dos métodos utilizados pela corrente oportunista
de Liebknecht,
Bebel e Kautsky para impulsionarem suas disputas políticas de outrora,
dá-nos conta, precisamente, Friedrich Engels, em 3 de abril de
1895, poucos meses antes de sua morte, em uma de suas cartas enviadas a Paul
Lafargue, ao protestar contra as amputações literárias realizadas por Wilhelm
Liebknecht em sua Introdução à Guerra Civil na França :
“Liebknecht permitiu-se a
aplicar-me um golpe de mau gosto.
Ele retirou de minha
introdução aos ensaios de Marx sobre a França, de 1848-1850, tudo aquilo que
lhe servia para a apoiar, a todo custo, a tática pacífica e refutadora da
violência.
Essa tática ele adora pregar
desde há algum tempo e particularmente nesse momento em que, em Berlim, estão
sendo preparadas Leis de Exceção.
Recomento uma tal tática
apenas e tão somente para a Alemanha de
hoje, sendo que ainda com reservas
consideráveis.
Para a França, a Bélgica, a
Itália e a Áustria, essa tática não é adequada, como um todo, e, para a
Alemanha, pode ela se demonstrar inaplicável já amanhã.
Peço-lhe, portanto, esperar
por todo o artigo, antes de você o julgar – provavelmente ele aparecerá no Neue
Zeit(Novo Tempo) -, sendo que espero, de um dia para o outro, exemplares das
brochuras.
É lamentável que Liebknecht
veja apenas o preto e o branco.
As nuances não existem para
ele.
Além disso, as coisas estão
quentes na Alemanha, o que promete um fim de século grandioso. ...”[48]
Acerca dessa carta de Engels a Lafargue, importa ainda
assinalar, elucidativamente, que, examinando-se o correio dirigido por Richard
Fischer a Engels, em 6 de março de 1895, é de verificar-se a decisão da Presidência
da Social-Democracia Alemã da época no sentido de que seria imperioso
fosse moderado o tom por demais revolucionário empregado por Engels
em sua Introdução à Luta de Classes na França, de 1848 a 1850, de Karl
Marx, aludindo-se ao perigo de reedição de uma Lei contra os Socialistas.
Como resposta a Richard Fischer, Engels fortaleceu,
em 8 de março, seu ponto de vista inequivocamente proletário-revolucionário,
voltando-se, claramente, contra a posição centrista-oportunista da direção
social-democrática, consistente em agir, politica e estrategicamente, sempre
nos limites da legalidade burguesa.
Visando à publicação da Introdução no Neue Zeit(Novo Tempo), órgão
teórico da Social-Democracia Alemã, Engels resolveu-se por alterar e
suprimir certas formulações terminológicas mais sobressalientes de seu texto
original, referentes à inevitabilidade da luta armada a ser travada pelo
proletariado alemão, sem modificar, entretanto, o sentido e significado
inapelavelmente revolucionário de sua produção literária.
Entretanto, alguns dirigentes sociais-democráticos, entre eles Wilhelm
Liebknecht, aproveitaram-se do fato de Engels ter operado
alterações redacionais para, imprimirem nas colunas do Vorwärts(Avante), órgão
quotidiano da Social-Democracia Alemã, o famoso artigo intitulado “Como
se faz Revolução Hoje”, portador de várias amputações linguísticas do
texto original da Introdução, procurando apresentar seu autor, i.e. Friedrich
Engels, como um “pacífico venerador da legalidade quand
même”.
O
texto original de Engels, datado de 1895, cumpre, pois, ser incorporado
ao presente trabalho, com vistas a contribuir para a clarificação de suas
próprias colocações acerca do tema, destacando-se, ao mesmo tempo, a grave
falsificação teórico-doutrinária da disciplina militar-proletária que adquiriu,
à época, a rasura empreendida pela direção da Social-Democracia
Alemã ao
seu último parágrafo que é destacado abaixo, com letras grifadas.
A
rasura em questão, efetuada na primeira edição de ”Introdução
a “Lutas de Classes na França de 1848 a 1850 de Karl Marx”, organizada,
então, pela Social-Democracia Alemã, visava
a descreditar, inteiramente, a perspectiva das lutas revolucionárias violentas do
proletariado para a derrubada da burguesia.
Tratou-se,
pois, de uma verdadeira falsificação do marxismo-revolucionário realizada, à
época e posteriormente sempre repetida, pelos defensores da democratização
do Estado,
como forma de ascender pacificamente ao socialismo.
Com efeito, segundo Engels :
“A rebelião de velho estilo, a luta de ruas com barricadas, que, até
1848, conferiu, por todos os lados, a última decisão, envelheceu
significativamente.
Não nos iludamos acerca disso : um verdadeira vitória do levante sobre as
forças militares na luta de ruas, uma vitória tal como entre dois exércitos,
pertence às maiores raridades. ...
Do lado do insurgente, pelo contrário, todas as condições tornaram-se
piores.
Um levante com o qual simpatizem todas as camadas populares surgirá
dificilmente de novo.
Na luta de classes, provavelmente jamais se agruparão todas as camadas
médias tão exclusivamente em torno do proletariado a ponto de desaparecer
inteiramente, pelo contrário, o partido da reação que se aglutina em torno da
burguesia.
O “povo” sempre surgirá dividido e, com isso, faltará uma alavanca
poderosa, tão extremamente eficaz, como a de 1848.
Se surgirem do lado dos sublevados mais soldados prestativos, tanto mais
difícil tornar-se-á armá-los.
As armas de fogo de caça e de luxo das lojas de armamentos – mesmo se não
inutilizadas, de antemão, por intervenção policial, mediante apreensão da parte
trancafiada – nem de longe estão à altura do fuzil de depósito de armas, no
âmbito da luta corporal.
Até 1848, podia-se fazer para si mesmo a munição necessária com pólvora e
chumbo.
Hoje, o cartucho é diferente para cada tipo de fuzil e apenas em um
ponto, de igual natureza : ele constitui um artefato da grande indústria, i.e.
não produzíveis ex tempore, i.e. inúteis para a maioria dos fuzis desde que não
se possua a munição para eles especialmente adequada.
E, finalmente, os bairros das grandes cidades, reconstruídos desde 1848,
projetados em ruas longas, retilíneas e amplas, tal como construídas para a
atuação das novas artilharias e fuzis.
O revolucionário tem de ser um louco se escolher para si os novos
distritos de trabalhadores no norte e no leste de Berlim, visando a travar uma
luta de barricadas.
Isso
quer dizer que, no futuro, a luta de ruas não desempenhará nenhum papel?
De
maneira nenhuma.
Significa
apenas que as condições, a partir de 1848, tornaram-se amplamente desfavoráveis
para os lutadores civis e amplamente favoráveis para as forças militares.
Uma
futura luta de ruas pode, portanto, apenas vencer se essa desvantagem da
situação for contrabalançada por outros momentos.
Por
isso, ela ocorrerá, mais raramente, no início de uma grande revolução, do que
será o caso no transcurso subseqüente dessa última, havendo de ser empreendida
com forças muito maiores.
Essas forças darão preferência, provavelmente , porém,
– tal como na inteira Revolução Francesa, bem como em 4 de setembro e em 31 de
outubro de 1870, em Paris – ao ataque aberto ao invés da técnica passiva das barricadas.”[49]
Depois da morte de Engels, em 5 de agosto de 1895, Eduard
Bernstein, encarregado da administração do conjunto das obras
literárias de Engels, negou-se a publicar o texto original não-alterado da Introdução,
em sua versão integral.
Desse modo, os principais dirigentes revisionistas da Social-Democracia
Alemã colocaram em circulação a lenda pueril de que Engels
haveria, no final de sua vida, sopesado devidamente seus antigos pontos
de vista revolucionários, renegando-os em favor do reformismo[50].
Em sua luta contra a falsificação política, marxista-revisionista, do Programa
de Erfurt relativa à questão
da conquista do poder político e da necessidade histórica da Ditadura
Revolucionária do Proletariado para
o atingimento do socialismo, falsificação essa defendida não apenas pelos
centristas-oportunistas sociais-pacifistas, i.e. por Wilhelm Liebknecht, August Bebel
e Karl Kustsky, senão ainda pelos sociais-reformistas da Social-Democracia
Alemã, esses últimos representados, antes de tudo, por Eduard
Bernstein e Conrad Schmidt, escreveu
Rosa
Luxemburg, já em 1903, de
modo claro e preciso :
„Partindo do fundamento do
socialismo científico de que „a libertação da classe trabalhadora pode ser
apenas obra da classe trabalhadora“, a Social-Democracia reconhece que a
subversão, i.e. a revolução para concretização da reconformação socialista,
pode ser realizada apenas pela classe trabalhadora enquanto tal, e, em verdade,
enquanto propriamente a ampla massa, sobretudo a massa do proletariado
industrial.
A primeira ação da
transformação socialista tem de ser, portanto, a conquista do poder político
através da classe trabalhadora e a edificação da Ditadura do Proletariado,
incondicionalmente necessária à materialização das medidas de transição.“[51]
Assim, importa assinalar, em linhas gerais, que, já a partir dos
primeiros anos do século do século XX, quatro correntes doutrinariamente
sedimentadas, pelo menos, combatiam no seio da Social-Democracia Alemã da
época:
1.
os reformistas economicistas-parlamentaristas, defensores da colaboração
de classes entre proletários e burgueses, comandados por Eduard Bernstein, clamando
pela ampla revisão dos fundamentos da teoria de Marx e Engels, em
benefício praticamente das posições doutrinárias de Ferdinand Lassalle[52];
2.
os centristas-oportunistas, repudiadores da violência
proletário-revolucionária e protagonistas da democratização do Estado
Burguês, coroada por uma pretensa independência política do partido
proletário e um pretendido Governo dos Trabalhadores como forma
de ascensão ao socialismo, comandandos por Karl Kautsky e pelos mais renomados
dirigentes políticos alemães do proletariado, August Bebel e Wilhelm Liebknecht,
empenhados em conciliar a política quotidiana reformista com a doutrina de Marx
e Engels, desde um ponto de vista constitucional-pacifista ;
3.
os proletários revolucionários, fundados, porém, na equivocada defesa
dos direitos e liberdades fundamentais de todos os indivíduos e organizações
sociais e desprovidos de uma teoria partidária centralizada e clandestina,
entre os quais figuravam Rosa Luxemburg, Karl Liebknecht, Franz
Mehring, Clara Zetkin, Leo Jogliches, Julian Marchlevski, ocupados em
combater, pricipiologicamente, o reformismo economicista e o centrismo oportunista
na Social-Democracia
Alemã, retomando e defendendo diversas bases fundamentais da teoria
intelectual e da prática política proletário-revolucionária internacionalista
de Marx
e Engels, de modo a inclinararem-se em direção das posições marxistas-revolucionárias
de Lênin,
em certos episódios históricos da luta de classes mundial.
4.
os proletários-revolucionários de muito menor dimensão numérica,
situados mais proximamente do Partido Bolchevique de Lênin, inclinado
a adotar, esporadicamente, posições
manifestamente sectárias, reunidos em torno de Paul Fröhlich, Johan Knief e
Julian
Borchard.
Nesse contexto, haveria de germinar, no seio das correntes
revisionistas, i.e. social-reformista e centrista-oportunista, da Social-Democracia
Alemã, delas se diferenciando expressivamente, já no curso da primeira
década do século XX – sobretudo após a indicação de Friedrich Ebert, em 1905,
para o posto de Secretário da Presidência do Partido -, e impor-se,
crescentemente, como corrente inquestionavelmente dominante, em particular a
partir da morte de August Bebel, em 13 de agosto de 1913, um ala mais propriamente
social-chauvinista, encabeçada por Friedrich Ebert, Philip Scheidemann e Gustav
Noske.
Essa corrente social-chauvinista, aprofundando a revisão da doutrina do
marxismo, desde um ângulo lassalleano, passou a considerar como sua principal
tarefa política a defesa do Princípio de Defesa da Pátria(Prinzip der
Vaterlandsverteidigung), contra as potenciais nações imperialistas
hostis à Alemanha, em total detrimento da defesa dos interesses
materiais de classe do proletariado revolucionário.
CAPÍTULO II.
LÊNIN E LUXEMBURG :
DUAS CONCEPÇÕES MARXISTAS
NO MOVIMENTO
PROLETÁRIO-REVOLUCIONÁRIO EUROPEU
DO INÍCIO DO SÉCULO XX
“Rosa equivocou-se na
questao da independência da Polônia.
Ela equivocou-se, em
1903, na apreciaçao do menchevismo.
Equivocou-se quando,
em julho de 1914, ao lado de Plekhanov, Vandervelde, Kautsky, entre outros,
aspirou à unificação dos bolcheviques com os mencheviques.
Ela equivocou-se em
suas anotações do cárcere de 1918 (nesse sentido, corrigiu grande parte de seus
erros, depois de abandonar o cárcere, no fim de 1918 e no início de 1919).
Porém, apesar de todos
os seus erros, Rosa foi e permanece sendo uma águia.”[53]
Apreciando, resgatando e defendendo, devidamente, a tradição
essencialmente marxista de Karl Liebknecht e Rosa Luxemburg, apesar de seus tantos equívocos,
porém sempre comprometidos, antes e acima de tudo, com a perspectiva de
organização da revolução violenta do proletariado para a edificação da Ditadura
Revolucionária do Proletariado na Alemanha, Lênin afirmou, solenemente, em seu Discurso de Abertura do I
Congresso do Komintern :
„Em nome do Comitê Central do
Partido Comunista da Rússia declaro aberto o I Congresso da Internacional
Comunista. Em primeiro lugar, peço a todos os presentes que se levantem de suas
cadeiras em memória dos melhores representantes da III Internacional : Karl Liebknecht e Rosa Luxemburg.“[54]
Essas palavras de Lênin, relacionadas com sua
interpretação do papel histórico de Liebknecht e Luxemburg, enquanto os melhores representantes da Internacional
Comunista, deveriam, em princípio, servir, por si mesmas, como um
látego desferido frontalmente contra as desavergonhadas tentativas doutrinárias
dos principais ideólogos franco-gramscianos de Actuel Marx e do SU-QI, voltadas a transformar Rosa Luxemburg em uma
social-oportunista vulgar, que carrega, eternamente, consigo, no caminho da
luta pelo socialismo, a auréola santificada da defesa de fórmulas de liberdade
essencialmente democrático-burguesas[55].
Nesse sentido, destaque-se, entretanto, à guisa de exemplo, entre os
diversos e renomados textos de Rosa Luxemburg, aquele intitulado E Pela Terceira Vez o Experimento Belga, vindo à luz já em 4 de junho de 1902,
quando essa autora teve a oportunidade de escrever, de modo incorruptivelmente
claro, contra os legalistas belgas, i.e. Émile Vandervelde e outros :
„Entretanto, não por predileção
às ações violentas ou ao romantismo revolucionário devem os partidos
socialistas, mais cedo ou mais tarde, estar preparados também para embates
violentos com a sociedade burguesa, em casos em que nossas aspirações se
direcionem contra os interesses vitais das classes dominantes, senão em razão
também da amarga necessidade histórica.
O parlamentarismo enquanto meio de luta político da classe trabalhadora,
individualizador do espírito, é tão fantástico e, em primeira linha,
reacionário, como o é a greve geral, individualizadora do espírito, ou a
barricada, individualizadora do espírito. Evidentemente, a revolução violenta
é, nas condições atuais, um meio de dupla-face, aplicável de modo extremamente
difícil.
E podemos esperar que o proletariado apenas faça uso desse meio quando
se apresentar o único caminho adequado para sua implementação e, evidentemente,
apenas em condições em que a situação política de conjunto e a relação de
forças assegurem, mais ou menos, a probabilidade de êxito.
Porém, a concepção clara da necessidade da aplicação da violência, seja
nos episódios individuais da luta de classes seja para a conquista definitiva
do poder de Estado é nisso, de antemão, imprescindível. Ela representa isso que
consegue conferir também à nossa atividade legal, pacífica, a apropriada ênfase
e efetividade.“[56]
Com efeito, em sua luta contra a falsificação política da consigna
contida no Programa de Erfurt relativa
à „conquista
do poder político“, falsificação essa empreendida pelos
marxistas-revisionistas e sociais-reformistas do Partido Social-Democrático da
Alemanha(SPD), representados,
antes de tudo, por Eduard Bernstein, Conrad Schmidt e Karl Kautsky – e, em
parte, também por Wilhelm Liebknecht que
renegava a necessidade histórica da Ditadura Revolucionária do Proletariado para o atingimento do socialismo –
admitindo-a apenas como medida excepcional em caso de guerras – escreveu Luxemburg, já em 1903, de modo claro e preciso :
„Partindo do fundamento do
socialismo científico de que „a libertação da classe trabalhadora pode ser
apenas ser obra da classe trabalhadora“, a Social-Democracia reconhece que
subversão, i.e. a revolução para concretização da reconformação socialista,
pode ser realizada apenas pela classe trabalhadora enquanto tal, e, em verdade,
enquanto a ampla massa propriamente, sobretudo a massa do proletariado
industrial.
A primeira ação da
transformação socialista tem de ser, portanto, a conquista do poder político
através da classe trabalhadora e a edificação da Ditadura do Proletariado,
necessária incondicionalmente à materialização das medidas de transição.“[57]
O assassinato de Luxemburg e Liebknecht, em 1919, pela Social-Democracia Alemã e seus aliados políticos e militares
burgueses representou um evento de significado histórico-mundial não apenas porque,
segundo Lênin :
„Os melhores dirigentes da Internacional
Comunista foram exterminados, senão ainda por ter-se revelado, definitivamente,
o caráter de classe de um Estado Europeu desenvolvido, podendo-se dizer, sem
exagero, o caráter de classe de um
Estado desenvolvido em escala mundial. ... „Liberdade“ significa em uma das
repúblicas mais livres e desenvolvidas do mundo, na República Alemã, a
liberdade para assassinar impunemente os dirigentes presos do proletariado.“[58]
Torna-se, pois, nos dias de hoje, cada vez mais necessário, resgatar-se
e defender-se, devidamente, a tradição essencialmente marxista de Karl
Liebknecht e Rosa Luxemburg, comprometida, antes e acima de tudo, com a
perspectiva de organização da revolução violenta do proletariado para a
edificação da Ditadura Revolucionária do Proletariado.
II.1.
A QUESTÃO ORGANIZATIVA
DO PARTIDO REVOLUCIONÁRIO
Quando em 1911, o célebre politólogo alemao, Robert Michels, elaborou
sua obra clássica, intitulada Sociologia do Sistema de Partidos na
Democracia Moderna. Investigaçoes acerca das Tendências Oligárquicas da Vida em
Grupo, tratando preponderantemente, dos partidos políticos e de sua
forma de organizaçao, nao se referiu, por uma única vez, a Lênin ou a Trotsky,
ao passo que mencionou, pelo contrário, no mínimo, por dez vezes, o
nome de Rosa Luxermburg.[59]
Lênin deslocou-se para os países da Europa
Ocidental, em 1900, proveniente de seu exílio na Sibéria, poucos anos
depois da chegada de Luxemburg nessa área geográfica do
continente europeu.
Seus livros, suas anotações, suas brochuras, suas concepçoes
partidário-organizativas, redigidas originalmente em língua russa, permaneceram
sendo pouco conhecidas da militância socialista-revolucionária do ocidente,
durante largos anos[60].
Um debate mais profundo acerca dos critérios defendidos por Lênin
relativamente à teoria de organizaçao do Partido revolucionário foi, de
início, estritamente restrito aos pouquíssimos especialistas de vanguarda do
socialismo ocidental, que possuíam laços especiais com a causa da luta de
classes travada na Rússia Czarista.
Entretanto, sua concepçao de Partido conquistou, desde logo, uma grande
atençao, em particular, junto aos agrupamentos revolucionários da Europa
do Leste, por conformar-se ela no próprio cerne do leninismo ou do
bolchevismo.
Quando a avançada teoria de organizaçao do Partido revolucionário de
Lênin, elaborada já nos primeiros anos do século XX, começou a
encontrar sua aplicaçao prático-concreta, contando com o apoio de uma grande
parte de russos socialistas emigrados ou politicamente asilados na Europa
Ocidental, passou a ser amplamente debatida nao apenas pelos
sociais-democrátas russos, senao ainda pelos polonêses, letoes, caucasianos,
bem como pelo membros judeus do Bund.
No II Congresso do Partido Social-Democrático Russo (POSDR),
ocorrido em 1903, na cidade de Londres, processou-se, entao, a ruptura entre
bolcheviques(adeptos da fraçao da maioria) e mencheviques (adeptos da fraçao da
minoria), relacionada essencialmente com a questao da organizaçao estrutural do
Partido.
Se essa ruptura e os incontáveis artigos e polêmicas relacionados com a
questao da teoria de organizaçao do Partido revolucionário encontrou, logo a
seguir, apenas pequena repercussao entre os socialistas europeus do ocidente,
verificar-se-ia precisamente o contrário entre os marxistas-revolucionários
provenientes do ou politicamente ativos no Leste Europeu.
Entre esses últimos, encontrava-se, entao, Luxemburg, enquanto
militante engajada e proveniente da organizaçao revolucionária polonesa da II
Internacional Socialista.
Se tanto Luxemburg como Lênin eram efetivamente refugiados
políticos, perseguidos pelo despotismo czarista, certo é que Lênin
incorporou, conseqüentemente, em sua atividade militante-partidária,
sempre fundalmentalmente norteada para a deflagraçao de processos
revolucionários na Rússia, uma longa e intensiva experiência histórica de ação
clandestina e insurrecional.
A presença de Lênin nas diversas localidades e
cidades da Europa Ocidental em que viveu, ao longo de praticamente 15
anos, era impulsionada, essencialmente, tendo como base as necessidades do
trabalho de sua organizaçao revolucionária russa.
O atento estudo do socialismo europeu-ocidental, altamente cultivado,
era empreendido detidamente por Lênin, tomando, porém,
constantemente em consideração suas implicaçoes para o movimento revolucionário
de seu país.
Lênin nao contava com aspiraçoes de
militância estruturada, de longo-prazo, em um Partido europeu-ocidental.
Pelo contrário, Luxemburg, depois de sua fuga do
território polonês, aspirava a intervir, centralmente, em um Partido de massas
legal da Europa Ocidental, precisamente na Alemanha, enquanto
seguia, também, suas atividades revolucionárias, paralelamente, no território
da Polônia.
Hanecki e Warski, delegados polonêses ao II
Congresso do Partido Social-Democrático Russo (POSDR), de 1903, e, ao
mesmo tempo, representantes do Comitê Central do Partido polônes a que
pertencia Luxemburg, informaram essa última, detalhadamente, acerca da
polêmica introduzida por Lênin relativamente à teoria de
organizaçao do Partido revolucionário.
Com base nessas minuciosas informaçoes, Luxemburg fez publicar,
no ”Die
Neue Zeit(O Novo Tempo)”, órgao
jornalístico do Partido Social-Democrático da Alemanha
(SPD), em 1904, o artigo intitulado Questoes de Organizaçao da
Social-Democracia Russa, atacando, frontalmente, as posiçoes
partidário-organizativas defendidas por Lênin.[61]
Quando Lênin enviou, a seguir, sua resposta ao artigo de Luxemburg,
resposta essa intitulada Roxinóis Podem Ser Iludidos com Contos de
Fadas, à redaçao de ”Die
Neue Zeit(O Novo Tempo)”, essa última decidiu-se por nao a
publicar, alegando falta de clareza por parte de Lênin na apresentaçao da
matéria[62].
Com efeito, Luxemburg pronunciava-se, nessa época, enquanto representante
de um movimento de massas em ascensao na Europa Ocidental, antes mesmo de
desenhados os primeiros sinais de sua decadência e degeneraçao, ao passo que Lênin
surgia como represetante de um agrupamento conspirativo ilegal, ativo
em um país despótico, semi-feudal e semi-bárbaro, que, apenas anos depois,
seria sacudido por uma imensa revoluçao.
Sintetizando, brevemente, a concepçao de Lênin, expressada em suas
obras magistrais acerca da teoria de organizaçao do Partido revolucionário[63],
visando a confrontá-la com aquela de Luxemburg, cumpre assinalar que, aos
olhos de Lênin, o movimento dos trabalhadores é um efetivo produto dos
antagonismos da sociedade burguesa, os quais, em sua ativa dinâmica, sao
capazes de produzir apenas consciência acerca de questoes sindicais,
nomeadamente a consciência da classe trabalhadora de que seus interesses sao,
em sentido econômico, diamentralmente opostos e inconciliáveis em relaçao
àqueles da classe capitalista.
De modo espontâneo, poderiam os trabalhadores desenvolver, entretanto,
apenas essa consciência sindical, jamais, porém, o nível superior de
consciência, o nível de consciência política, em que a luta de classes
revolucionária conduz, inevitavelmente, à derrubada violenta das instituiçoes
de exploraçao econômica e dominaçao político-ideológica do capitalismo, no rumo
de edificaçao de um Estado e de uma ordem social proletário-ditatorial,
prelúdio à emergência de uma sociedade socialista, fase inferior do comunismo.
Segundo Lênin, a luta de classes nao se desenvolve, automaticamente, em
formas políticas e jurídicas, nao se conforma em revoluçao socialista.
As concepçoes socialistas sao, pelo contrário, produtos de elaboraçoes
fundamentalmente científicas.
Admitindo como correta uma categórica reflexao de Kautsky, Lênin destacará
precisamente que o proletariado nao é, porém, o portador da ciência moderna :
é-o, porém, a inteligência burguesa.
Isso nao pode, entretanto, significar que os trabalhadores nao
participem das elaboraçoes científicas concernentes ao socialismo, porém ao
fazê-lo, fazem-no nao como trabalhadores, mas sim como teóricos do socialismo,
apropriando-se do saber de seu tempo e enriquecendo-o.
Nesse sentido, Lênin assinala, em sua obra maior Que
Fazer :
“Como suplemento ao dito acima, queremos citar ainda as seguintes
palavras, muito apropriadas e valiosas, de Karl Kautsky acerca do Esboço do
Novo Programa do Partido Social-Democrático Austríaco :
« Muitos de nossos críticos revisionistas admitem que Marx teria
afirmado que o desenvolvimento econômico e a luta de classes criariam nao
apenas as pré-condiçoes da produçao socialista, senao também diretamente o conhecimento(grifado por K.K.) de sua
necessidade e, aí, os críticos terminam logo com a objeçao de que o país com o
desenvolvimento capitalista mais avançado, a Inglaterra, seria dotado, entre
todos os países modernos, desse conhecimento, da maneira mais ampla.
Segundo a nova versao, poder-se-ia admitir que também a Comissao
Austríaca de Programa dividiria o ponto de vista “marxista-ortodoxo”,
pretensamente reproduzido dessa forma.
Pois, afirma-se ali : “Quanto mais o desenvolvimento do capitalismo faz
inflar o proletariado, tanto mais esse último será forçado e capaz de assumir a
luta contra o capitalismo. O proletariado alcança a consciência“ da
possibilidade e necessidade do socialismo etc. Nesse contexto, a consciência
socialista surge enquanto o resultado necessário e direto da luta de classes
proletária.
Porém, isso é errado.
O socialismo enquanto doutrina enraiza-se, porém, tanto nas relaçoes
econômicas contemporâneas como o faz a luta de classes do proletariado,
emergindo, tal como essa última, da luta contra a pobreza de massas e a miséria
de massas, que sao produzidas pelo capitalismo.
Porém, ambos surgem um ao lado do outro, nao um a partir do outro, e sob
pressupostos diferentes.
A moderna consciência socialista pode surgir apenas na base de uma
profunda concepçao científica.
Na realidade, a ciência econômica contemporânea forma uma pré-condiçao
da produçao socialista tal como o faz, por exemplo, a técnica moderna, apenas
que o proletariado nao pode, mesmo com a melhor das vontades, criar nem um nem
outro. Ambos surgem do processo social contemporâneo.
O portador da ciência nao é, porém, o proletariado, mas sim a inteligência burguesa (grifado por
K.K.).
Em membros isolados dessa camada surgiu, pois, também, o socialismo moderno
e, apenas através deles, foi transmitido, espiritualmente, a proletários
extraordinários que o introduziram, entao, na luta de classes do proletariado,
onde as relaçoes permitiram-no.
A consciência socialista é, portanto, algo trazido de fora, para dentro
da luta de classes do proletariado (etwas in den Klassenkampf des Proletariats
von aussen Hineingetragenes), nao algo surgido originariamente a partir desse
último.
Em conformidade com isso, o velho Programa de Hainfeld afirma, de modo
inteiramente correto, que pertence às tarefas da Social-Democracia encher o
proletariado com a consciência
(grifado por K.K.) acerca de sua situaçao e de sua tarefa.
Isso nao seria necessário dizer-se caso essa consciência emergisse, por
si mesma, da luta de classes.
A nova versao tomou essa frase do velho Programa, apensando-o
precisamente ao citado.
Através disso, porém, a dinâmica do pensamento foi inteiramente
dilacerada...»”[64]
Em observaçao a essas linhas de Karl Kautsky, Lênin assinalou,
ainda, precisamente :
“Se entao nao se pode falar de uma ideologia autônoma, elaborada pelas
massas trabalhadoras por si mesmas, no curso de seu desenvolvimento, pode-se
colocar a questao apenas da seguinte forma : ideologia burguesa ou ideologia
socialista.
Nota : Isso nao quer dizer, evidentemente, que os trabalhadores nao
tomam parte nesse elaboraçao. Porém, fazem-no nao como trabalhadores, mas sim
como teóricos do socialismo, como os Proudhon e Weitling, com outras palavras :
eles tomam parte apenas e na medida em que conseguem, em maior ou menor medida,
apropriar-se desse saber e enriquecê-lo.
Porém, para que os trabalhadores consigam fazê-lo mais freqüentemente é necessário fazer tudo para elevar o nível de
consciência dos trabalhadores, em geral.
É necessário que os trabalhadores nao se recluam nos limites
artificialmente estreitos de uma “Literatura para Trabalhadores”, mas sim
sempre mais aprendam a apropriar-se da literatura geral.
Seria até mesmo mais correto dizer, ao invés de “nao se recluir”, nao
serem recluídos, pois os trabalhadores mesmos lêem tudo e querem tudo ler,
também aquilo que é redigido para a inteligência, sendo que apenas alguns
(maus) intelectuais acreditam que “aos trabalhadores” basta se se lhes conta
acerca das condiçoes na fábrica e mastiga, mais uma vez, coisas há muito tempo
conhecidas.”[65]
Tal como Engels,
Lênin destaca que o socialismo, uma vez tornado ciência, deve ser
estudado, tal como toda qualquer outra ciência.
Assim, resulta que uma ideologia proletária
nao se poderia desenvolver espontaneamente, sendo que a limitaçao do movimento
dos trabalhadores à dimensao econômica, sindical-reivindicatória, recusando-se
a luta político-revolucionária socialista pela tomada do poder do Estado e, por
consegüinte, à tarefa de organizaçao do Partido revolucionário incumbido de
assegurar essa última tarefa, fundado na revoluçao impulsionada pelas massas
proletárias, significaria precisamente lutar-se nao para emancipar os
explorados e dominados pelo jugo capitalista, nao para derrubar a ordem social
capitalista, mas sim para promover a adaptaçao da luta de classes dos
trabalhadores às vicissitudes do jugo capitalista.
A libertaçao das massas trabalhadoras é obra
das próprias massas trabalhadoras, porém tal fenômeno torna-se apenas possível quando
adquirirem elas a consciência político-revolucionária acerca de sua própria
condiçao, sendo uma das tarefas do Partido revolucionário ajudá-las a
adquirí-la.
Os trabalhadores e seu Partido revolucionário
haveriam, assim, de posicionar-se nos embates de interesses defendidos por
todas as demais classes sociais, compreendendo e respondendo respectivamente às
suas premissas intelectuais, morais, políticas e econômicas.
Um Partido rigorosamente organizado, segundo Lênin, seria, assim, uma
exigência decorrente da luta de classes altamente desenvolvida e complexa de
nossos dias, devendo constituir um fato ativo no processo histórico, intervindo
conscientemente : nao configurando um simples produto passivo e reativo dos
fenômenos históricos.
Supostas essas condições objetivas, a direçao desse Partido funda sua açao política
legal e parlamentar, bem como clandestina e insurrecional, sobre a análise
científica do processo histórico e protege-se de falsificaçoes, através de uma
luta permanente em prol da correta interpretaçao e aplicaçao dos princípios
marxistas-engelsianos revolucionários.
É imprescindível, pois, que a direçao desse
Partido funcione ininterruptamente, sendo capaz de desenvolver sua teoria,
propaganda e organizaçao de modo impertubável, razao pela qual a constituiçao
de um quartel-general revolucionário funcionante no exterior torna-se
indispensável, sempre que necessário seja, em funçao da conjuntura histórica.
Segundo a teoria organizativa do Partido
revolucionário de Lênin, as
células partidárias vinculam-se aos organismos centrais e ao Congresso do
Partido, ao mesmo tempo em que reconhecem o valor, a visao e a política
defendidos por esses últimos, resultantes da síntese do processamento das
experiências locais formada, unificada e unitariamente, em nível superior.
Os organismos do centro transmitem às células
do Partido suas diretivas mediante profissionais revolucionários, i.e. mediante
homens que dedicam disciplinadamente sua inteira existência profissional à
necessidade de execuçao de estritas diretivas político-revolucionárias e
constituem a ligaçao estreita da militância com o centro do Partido, suas
concepçoes, seu programa e suas resoluçoes principistas, estratégicas e táticas
revolucionárias.
Esses profissionais revolucionários constituem
o eixo em torno do qual gira o conjunto da organizaçao.
Esse agrupamento de revolucionários,
intervindo unitaria e centralizadamente, constitui uma organizaçao
essencialmente conspirativa, em funçao dos objetivos insurrecionais perseguidos,
sem que suas açoes parlamentares-institucionais sejam negligenciadas.
Pois, segundo Lênin :
“Trata-se de uma obrigaçao combinar as formas de luta ilegais e legais.”[66]
Nesse Partido revolucionário nao se ingressa,
enquanto membro, apenas para expressar-se tendências políticas e aderir aos
princípios fundamentais da ideologia do marxismo-revolucionário – nisso
baseando seu comportamento social -, senao também para dedicar-se uma
existência a uma causa revolucionária, no quadro de uma estrutura organizativa
centralizada, unitária e disciplinada.
Notoriamente, as concepçoes organizativas de Lênin acerca do Partido
revolucionário descendem tanto dos jacobinos como dos revolucionários russos
que o antecederam, defensores da formaçao de grupos de vanguarda, compostos por
dedicados revolucionários, empenhados na tarefa da tomada violenta do poder, no
quadro da revoluçao socialista desencadeada pelas massas trabalhadoras – a
exemplo das concepçoes de Nicolai
Tchernyshevski, Sergei Netchaiev, Peter Tkatchev -, devendo tais tradiçoes insurrecionais estarem
inseparavelmente vinculadas ao papel revolucionário do proletariado moderno.
Além de sua magnífica obra
literário-conspirativa, intitulada Que
Fazer ? Relatos sobre Gente Nova, Tchernyshevski
assinalou, com grande clareza, já por volta de 1861, por ocasiao de sua ativa
intervençao nas lutas de emancipaçao dos servos russos :
“Quem é o responsável pela servidao ? Apenas os nobres e alguns
burocratas ?
Mas, o próprio Czar é proprietário de terras.
Entao, por que deixaria de levar em conta exclusivamente os interesses
dos senhores de terra ?
Quando haverá liberdade de fato para os camponeses ?
Quando o povo irá se governar ?
Quando o camponês nao terá de pagar imposto e quando ele nao será
separado da família e da sua aldeia para servir o Exército durante décadas ?
Como se conseguirá isso ?
Através de uma revoluçao.
É preciso que os camponeses troquem idéias entre si, aproximem-se de
seus irmaos que servem como soldados e preparem-se para o grande o dia.
Mas, até entao, eles nao devem se envolver em rebelioes menores e
isoladas contra o Governo.
Só quando o movimento ganhar caráter nacional é que a revoluçao poderá
conseguir sucesso.”[67]
No que concerne a Netchaiev, precisamente sua característica de recorrer às
técnicas especiais de conspiraçao – a despeito de sua marcada influência
anarco-bakhuninista -, foi devidamente apreciada por Lênin, sem prejuízo das pesadas críticas desferidas contra
aquele revolucionário russo, em Os
Possessos, pelo expoente literário do conservadorismo russo, Dostoievski.
Paralelamente, segundo Tkatchev, a perspectiva de acreditar-se em rebelioes
populares espontâneas, tal como defendidas por Michail Bakhunin, representava um sonho improvável de ser
realizado[68].
Por outro lado, suas formulaçoes definiam já
claramente um traço de separaçao e repúdio das iniciativas isoladas adotadas
pelo terrorismo individual.
Sendo assim, observou Tkatchev, por volta de 1873 :
“Nós admitimos a anarquia ... apenas como o ideal desejável de um futuro
distante.”[69]
O que poderia, entao, salvar a Rússia Czarista de uma
catástrofe, representada por uma transiçao pacífica para o constitucionalismo
burguês, explorador e usurário, seria precisamente o fervor revolucionário de uma
organizaçao minoritária e rigorosamente centralizada de revolucionários, pois,
segundo Tkatchev :
“Em virtude de seu desenvolvimento mental e moral, essa minioria sempre
teve e terá de ter força intelectual e moral sobre a maioria.
A essência da revoluçao está na coerçao, por isso a organizaçao
revolucionária exige centralizaçao, disciplina rigorosa, rapidez, decisao e
coordenaçao de atividades.”[70]
A acentuada insistência na centralizaçao e na
disciplina da organizaçao conspirativa e
revolucionária de vanguarda, o agudo criticismo quanto à possibilidade
de rebelioes socialistas espontâneas das massas, a rejeiçao do terrorismo
individual, por significar esse a dispersao de energias e de recursos
revolucionários, o desprezo pela possibilidade de persuasao pacífica das
classes dominantes, constituem fortes pontos de contato entre os
jacobinos-radicais russos, encabeçados por Peter
Tkatchev – jacobinos na forma de ainda “verdes estudantes secundaristas”, na apropriada expressao
de Friedrich Engels – e a avançada
concepçao socialista-revolucionária de Lênin,
em cujo quadro, porém, o tipo de organizaçao revolucionária centralizada,
incumbida da tarefa consciente de destruiçao do Estado Burguês e construçao de
uma transitória Ditadura
Revolucionária do Proletariado, combina-se com a elaboraçao de uma
ideologia socialista-proletária avançada e a incorporaçao partidária da
inteligência científico-socialista na direçao da revoluçao feita pelas massas.
Com efeito, Lênin contemplava no jacobinismo uma das etapas mais altas do
movimento ascensional da classe oprimida na luta por sua emancipaçao,
considerando que, nas principais cidades européias ocidentais da Rússia
do século XX, o jacobinismo seria o Governo da Classe do Proletariado
Revolucionário, que apoiado nos camponeses pobres e solidificado sobre
bases materiais que já existiam para o movimento até o socialismo, conseguiria
renovar não somente a grandeza, a força indestrutível dos jacobinos do século
XVIII, senao ainda levar os trabalhadores do mundo inteiro ao triunfo
definitivo.
No entendimento de Lênin, o jacobino que uniu sua
causa para sempre à organização do proletariado e que tem consciência dos seus
interesses de classe, seria o lutador bolchevique.
Nessa medida, o Partido revolucionário
haveria de ser também uma organizaçao de vanguarda de luta, incumbida de
dirigir as massas proletárias e erigir a Ditadura
Revolucionária do Proletariado, após destruir integralmente o Estado
Burguês.
Luxemburg, ao publicar, no ”Die Neue Zeit(O Novo Tempo)”, órgao jornalístico do Partido Social-Democrático da Alemanha (SPD), em
1904, o artigo intitulado Questoes de
Organizaçao da Social-Democracia Russa, atacando, frontalmente, as
posiçoes partidário-organizativas defendidas por Lênin, teve a oportunidade de destacar, inicialmente, que a
questao da teoria de organizaçao do Partido revolucionário diria respeito “a
toda jovem geraçao socialista (ganze jüngere sozialistische Generation)” da
Rússia, militante sob
as difíceis condiçoes impostas pelo despotismo czarista[71].
Sem embargo, Luxemburg censurou na concepçao de Lênin sua pretensao de construir um Partido de elite,
organizado concentricamente, bem como de demarcar estritamente esse Partido de
todos os demais.
Luxemburg criticou,
duramente, as prerrogativas possuidas pelos organismos centrais do Partido de
intervir na vida política das células e agrupamentos partidários, até mesmo com
medidas de dissoluçao e reconstituiçao de células, com o que poderia influir,
decisivamente, na mesma assembléia partidária no qual haveria de ser eleito.
Tais prerrogativas haveriam de transformar os
organismos centrais no único núcleo propriamente ativo do Partido, ao passo que
todas as demais células locais e regionais converter-se-iam em simples ferramentas
de implementaçao de medidas, em total contradiçao com o desenvolvimento natural
da luta de classes.
Segundo Luxemburg,
à parte os princípios gerais de luta, nao existiriam quaisquer diretrizes,
particularmente de ordem tática ou estratégica, que poderiam ser estabelecidas,
de antemao, e impostas, por parte dos organismos centrais, aos militantes
sociais-democrátas.
Existiriao, muito mais, permanentes
flutuaçoes, sendo que dirigentes, militantes e massa do Partido revolucionário
nao deveriam encontrar-se rigidamente separados.
Os Partidos da Social-Democracia deveriam
constituir, na ótica de Luxemburg, nao
apenas a organizaçao externa da classe trabalhadora, senao ainda a forma de
movimento a ela apropriada.
A teoria organizativa do Partido revolucionário
de Lênin seria uma mera
transferência mecanicista do funcionamento dos grupos conspirativos de Auguste Blanqui, de matiz
putchista, para o interior do movimento social-democrático revolucionário, do
início do século XX[72].
Além disso, segundo Luxemburg, a Rússia
Czarista situava-se, incontrastavel e puramente, diante de uma
revoluçao democrático-burguesa e nao proletária.
Na Alemanha,
pelo contrário, existiriam já fortes e inúmeros quadros proletários, cujo
estrato dirigentes era constituido naturalmente pela Social-Democracia Alema.
Se levada adiante, efetivamente, a concepçao
partidária de Lênin, o
fortalecimento exponencial das prerrogativas dos organismos centrais, até o
estágio de instauraçao de uma Ditadura
do Comitê Central, acarretar-se-ia, tendencialmente, o crescimento do
oportunismo e do burocratismo da organizaçao de luta revolucionária dos
trabalhadores.
Apenas o desenvolvimento espontâneo da luta
de classes poderia, finalmente, superar todos os obstáculos históricos,
direcionando a luta de classes para os trilhos corretos.
Nesse sentido, Luxemburg enfatizou, nitidamente :
“Passos falsos que um movimento realmente revolucionário dos
trabalhadores empreende sao, em sentido histórico, incomensuravelmente mais
frutíferos e valiosos do que a infalibilidade do melhor Comitê Central de
todos.”[73]
Observe-se ainda que, no domínio da teoria de
organizaçao do Partido revolucionário, Lênin
defendeu, à época, suas posiçoes nao apenas contra Luxemburg, senao ainda contra muitos adversários ativos no
interior do movimento proletário russo, entre os quais se encontrava Jules Martov, Georgi Plekhanov, Pavel
Axelrod, Irakli Tsereteli, Lev Deich, Vladimir Antonov-Ovseienko, Mosei
Uritsky, Noi Zhordania, Theodor Dan, Léon Trotsky entre outros.
Enquanto defensores e apoiadores da teoria
organizativa de Partido revolucionário de Lênin,
no contexto desse início do século XX, cumpre citar, porém, sobretudo, Jakov Sverdlov, Anatoli Lunatcharsky,
Nadejda Krupskaya, Félix Dzerjinsky, Gregori Zinoviev, Lev Kamenev, Josef
Stálin, Mikhail Lashevich, Mikhail Frunze, Aleksei Rykov, Maxim Litvinov,
Vladimir Antonov, Gregori Ordjonikidze, Alexander Bogdanov entre
outros.
Trotsky,
muito próximo das posiçoes de Luxemburg,
no domínio da teoria organizativa do Partido revolucionário,
qualificou, em 1904, em seu artigo intitulado Nossas Tarefas Políticas, a defesa do centralismo
democrático de Lênin como
sendo expressao de autêntica autocracia
e regime autoritário de Partido, reivindincando, pelo contrário, vida longa à
auto-atividade do proletariado e fim ao substitucionalismo político :
“Nas políticas internas do Partido, esses métodos conduzem, tal como
veremos abaixo, a que a organizaçao do Partido « substitua-se » ao Partido, o
Comitê Central substitua-se à organizaçao partidária e, finalmente, o ditador
substitua-se ao Comitê Central.”[74]
Em sua obra Minha Vida, encontramos, entao, as seguintes palavras de Trotsky,
acerca desse tema :
“Tendo vindo ao estrangeiro,
trazia o convencimento de que a redaçao deveria estar «submetida» ao Comitê
Central.
E esse era o modo de pensar da maioria dos partidários do Iskra.
-
“Nao, isso nao pode ser
assim”, respondeu-me Lênin, quando falávamos sobre isso, “as forças sao muito desproporcionais.
Como podem querer nos dirigir, a partir da Rússia ? Isso nao pode ser ... Nós
formamos um centro fixo, somos os mais fortes ideologicamente e vamos dirigir o
movimento a partir daqui.”
-
“Entao, será instaurado um
regime de plena ditadura, por parte da redaçao”, objetei.
-
“O que se perderá com isso ?”,
respondeu-me Lênin. “Nas circunstâncias atuais, nao há um outro remédio”
......
Separei-me de Lênin por
motivos que tinham muito de “moral” e até de pessoal.
Nada obstante, ainda que
aparentemente assim fosse, a divergência possuía, no fundo, um caráter político
que se refletia no campo organizativo.
Eu me encontrava entre os
centristas. Porém, é certo que, entao, nao podia ainda dar-me clara conta do
centralismo severo e imperioso que o Partido revolucionário devia reclamar para
lançar milhoes de homens no combate da velha sociedade.”[75]
O choque de concepçoes organizativas acerca do Partido revolucionário,
protagonizado por Lênin, de um lado, e, de outro lado, Luxemburg e tantos outros
mencheviques e seus aliados, nos primeiros anos do século XX, revela, antes de
tudo e respectivamente, o embate entre uma teoria consideravelmente dinâmica de
Partido marxista-revolucionário insurrecional e conspirativo – Partido esse de
vanguarda cujo componente essencial seriam os revolucionários profissionais,
atuantes sobre uma larga massa de militantes, apoiadores e simpatizantes
claramente entrevistos no quadro de uma estrutura organizativa centralizada e
unitária – e uma doutrina de Partido concebido enquanto reuniam de ativistas,
simplesmente defensores de princípios fundamentais de uma ideologia
revolucionária, organizado segundo a forma e imagem dos Partidos socialistas
efetivamente entao existentes na Europa Ocidental, a exemplo do British
Labour Party.
Lênin foi meridianamente claro ao
acrescentar que o contexto da luta de classes proletária era essencialmente
distinto na Rússia, situada essa sob o governo da autocracia czarista, na
medida em que a formaçao de qualquer Partido de linhagem socialista resultava
ser plenamente ilegal.
De toda sorte, tal aspecto permaneceu desconsiderado ou considerado
insuficientemente nas posiçoes de Luxemburg, seja no que respeitava a mais clara situaçao de autocracia
vivida, entao, pela Rússia Czarista, seja naquilo que concernia aos regimes
democráticos-burgueses ocidentais-europeus do início do século XX, onde o
ascenso do militarismo e do burocratismo dos Estados capitalistas imperialistas
tornavam-se, progressivamente, uma realidade irrefutável.
De toda sorte, o debate acerca da teoria organizativa do Partido
revolucionário demonstra claramente o marcante antagonismo de posiçoes
existentes entre Partido leninista e Partido luxemburguista.
Após a derrota da Revoluçao Russa de 1905,
registrou-se um momento de reaproximaçao entre Lênin e Luxemburg, no
domínio de diversas questoes político-analíticas, situadas no marco do Congresso
Socialista Internacional de Stuttgart, de 1907, quando ambos cerraram
fileiras na luta contra o oportunismo social-reformista de Eduard Bernstein e Eduard David, clamando
por uma retomada da luta revolucionária em prol da derrubada do capitalismo
durante a guerra imperialista que se anunciava no horizonte.
Importa anotar que o Congresso Socialista Internacional de
Stuttgart foi o VII Congresso da II Internacional, sendo
que se reuniu entre os dias 18 e 24 de agosto de 1907.
O Partido Social-Democrático Russo(POSDR) encontrava-se
representado nesse congresso por 37 delegados. Por parte dos bolcheviques,
tomaram parte nesse congresso Lênin, Lunatcharsky, Litvinov e
outros.
O congresso em referência ocupou-se com as seguintes questoes :
1.
Militarismo e Conflitos Internacionais ;
2.
Relaçoes entre os Partidos Políticos e os Sindicatos ;
3.
Questao Colonial ;
4.
Imigraçao e Emigraçao de Trabalhadores e
5.
Direito de Voto das Mulheres.
O trabalho principal desse congresso concentrou-se nas comissoes que
elaboravam os projetos de resoluçao para as sessoes do plenário.
Lênin interviu na Comissao
sobre Militarismo e Conflitos Internacionais.
Com seus requerimentos de emendas, colaborou para uma modificaçao
fundamental, em sentido do marxismo-revolucionário, do projeto de resoluçao
original acerca do tema,
No cerne da resoluçao congressual em tela redigiu-se o seguinte :
“Se a guerra ameaçar-nos, as
classes trabalhadoras e seus representantes parlamentares de todos os países
participantes que apóiam e compoem o Bureau Internacional obrigam-se a
mobilizar todas as suas forças para impedir sua eclosao, mediante aquelas
medidas que lhes pareçam ser as mais efetivas, o que modificar-se-á, segundo o
aguçamento da luta de classes e a situaçao política geral.
Se a guerra irromper, apesar
disso, eles obrigam-se a intervir em favor de sua mais rápida conclusao e
explorar, com todas as forças, a crise econômica e política, criada pela
guerra, para instigar o povo a acelerar o fim da dominaçao capitalista de
classe ... “[76]
Nada obstante, apesar dessa reaproximaçao de Lênin e Luxemburg em
diversos pontos políticos da luta de classes revolucionária, a questao da
doutrina de organizaçao do Partido revolucionário permaneceu intocada e
inconciliável.
A posiçao assumida pelos bolcheviques no quadro da II Internacional Socialista permaneceu
sendo singular e marginal.
Os dirigentes dos Partidos de massas dos países do mundo ocidental
entreviam na forma organizativa dos bolcheviques a expressao de um fanatismo
insurrecional e conspirativo plenamente incomum no contexto do movimento
socialista internacional, sendo que também Luxemburg esposava esse tipo de
apreciaçao.
Nos anos que precederam a eclosao da I Guerra Mundial, a luta
fracional no interior do movimento social-democrático russo atingiu um ponto de
destaque.
Agora, nao apenas os mencheviques situavam-se em oposiçao aos
bolcheviques, senao ainda quase todos os Partidos e agrupamentos socialistas
ligados ou interessados, de alguma forma, na situaçao política da Rússia
Czarista colidiam contra a concepçao de organizaçao partidária de Lênin.
Em maio de 1914, os mencheviques solicitaram à direçao da II
Internacional Socialista que interviessem, visando a coartar a tática
de ruptura dos bolcheviques, já bastante avançada, depois da realizaçao da Conferência
dos Bolcheviques, realizada em Praga, em 1912, a qual abriu a
perspectiva de fundaçao do novo jornal ”Pravda(A Verdade)”, enquanto
instrumento de propaganda ideológico-socialista e de organizaçao
partidário-revolucionária insurrecional[77].
O dirigente belga, Emil Vandervelde, enquanto
representante da Internacional, foi destacado para o cumprimento da tarefa de
averiguar, em Petersburgo, em maio de 1914, a possibilidade de unificaçao das
fraçoes em luta no interior do Partido Social-Democrático Russo (POSDR).
A despeito dos sinais clarevidentes da vindoura eclosao da I
Guerra Mundial, a II Internacional Socialista planejou,
entao, a realizaçao de uma conferência, reunindo as fraçoes em referência, para
o mês de agosto de 1914, na cidade de Viena, sendo que um encontro
preparatório teve lugar em Bruxelas, nos dias 16 e 17 de julho
do mesmo ano, dando criaçao a uma Comissao Especial, que acolheu o
relatório político de Vandelverde acerca do Partido
Social-Democrático Russo (POSDR).
Nada obstante, a própria composiçao
dessa Comissao Especial demonstra a avançada situaçao de
decomposiçao e reorganizaçao na qual se encontrava a Social-Democracia Russa.
Nela, estavam representadas os seguintes agrupamentos :
1.
os mencheviques, encabeçados por Martov ;
2. o Bloco de Agosto, composto
pelos mencheviques em conjuto com Trotsky, Axelrod e a Bund
Judaica, uma formaçao do ano de 1912, contraposta ao bolchevismo e
celebrizada por suas posiçoes liquidacionistas ;
3.
o grupo dirigido por Plekhanov ;
4.
o grupo liderado por Lunatcharky ;
5.
uma fraçao dos sociais-democratas polonêses, comandada por Luxemburg
;
6.
uma fraçao dos sociais-democratas polonêses, atuantes sobretudo na
cidade de Varsóvia, comandados por Unschlicht e Hanecki, influenciados
teoricamente por Radek e objetivamente situados do lado dos bolcheviques ;
7.
os sociais-democratas letoes, comandados por Stutchka, alinhados
rigorosamente com as posiçoes de Lênin ;
8.
os bolcheviques, dirigidos por Lênin e Zinoviev.
Os bolcheviques designaram Inès Armand, como sua representante
nos trabalhos da Comissao Especial em tela.
O próprio fato de que nem Lênin nem Zinoviev viajaram da Suíça
à Bruxelas para participar, diretamente, das discussoes e tarefas
abordadas pela comissao, ilustra quais as impressoes de ambos relativamente ao
possível conteúdo e decisoes que poderiam vir a ser adotadas na conferência,
planejada para realizar-se em agosto de 1914.
Em verdade, os bolcheviques e seus aliados abstiveram-se na votaçao que
estabeleceu que todos os grupos do Partido Social-Democrático Russo (POSDR) dever-se-iam
unificar sobre a base comum de um programa a ser objeto de uma resoluçao
do Bureau Internacional da II Internacional
Socialista, sendo que para sua execuçao haveria de ser convocado um
congresso geral de todo Partido.
Acerca desse episódio, Jules Martov relata-nos o seguinte :
“Axelrod e Luxemburg foram
encarregados de elaborar um Manifesto acerca da necessidade da unificaçao,
dirigido contra a política rupturista dos bolcheviques.
A fraçao de Lênin
encontrava-se, dessa forma, inteiramente isolada ...
Porém, a Guerra Mundial, que
eclodiu depois de algumas semanas, colocou um fim na obra de unificaçao
iniciada.”[78]
A aplicaçao dessa resoluçao de unificaçao significaria, evidentemente, a
separaçao dos bolcheviques da II Internacional Socialista, pois
nao existem quaisquer indícios no sentido de que Lênin se submeteria à disciplina
de uma maioria liquidacionista.
Luxemburg e Axelrod estavam, naturalmente,
convictos disso, no momento em que aceitaram a incumbência de redigir o
manifesto em referência.
A postura de Luxemburg quanto à questao organizativa do Partido revolucionário,
em particular suas diferenças metológicas em face da concepçao de Lênin
referente ao tema, aguçaram-se ainda mais, depois de que teve lugar a Revoluçao
de Outubro de 1917.
Acerca do tema, Fritz Rück, dirigente da Liga
Spartakus, em Baden-Württemberg, formula o
seguinte relato, digno de ser reproduzido aos leitores, referentemente ao
trabalho jornalístico, empreendido por sua organizaçao, nos últimos meses de
1917 e início de 1918 :
“Às vezes, foi difícil
conferir uma fisionomia ao jornal, porém, ao mesmo tempo, tratou-se de uma
ótima escola para mim isso de poder dizer sempre novamente, no mínimo, uma
parte daquilo que a política beligerante descortinava, chamando a atençao dos
leitores – muitos deles nos campos de batalha – sobre o colapso vindouro do
sistema dominante e a necessidade de uma postura revolucionária.
A censura, outrora dotada de
uma visao tao afiada, que riscava, freqüentemente, algumas frases ou palavras
sem que se pudesse tornar o texto visível ao leitor, era cego, porém, quanto a
um contexto : ele admitia, tranqüilamente, que se trouxesse artigos detalhados
e séries de artigos sobre a revoluçao na Rússia, seus problemas e a política
dos bolcheviques.
Por essa razao, servi-me, mais
do que de outra forma seria o caso, do material que continha uma
correspondência, surgida em Stockholm, redigida por Karl Radek, em colaboraçao
com o Comitê Central Bolchevique de Petrogrado.
Porém, um dia recebi um carta na qual Leo
Jogliches alertava-me para o fato de que os revolucionários russos possuíam
seus próprios métodos e concepçoes, agindo em conformidade com eles.
A oposiçao alema e, sobretudo, o Grupo
Spartakus, deveria, em verdade, apoiar a Revoluçao Russa, distanciando-se,
porém, de Lênin e de seu Partido.
Sobretudo, a publicaçao dos artigos
da pena de Radek nao seriam recomendáveis.
“As velhas histórias
polonesas”, disse-me Paul Levi, sendo que nao nos preocupámos muito, por um
certo tempo, com essas coisas.
A análise da política de paz
dos bolcheviques e das transformaçoes ocorridas na Rússia fornecia a única
perspectiva frutífera do fim da guerra, mediante uma revoluçao socialista.
Nem eu nem a organizaçao de
Württemberg ou de Stuttgart possuía qualque tipo de ligaçao direta organizativa
ou de outro gênero com os revolucionários russos.”[79]
A posiçao de Luxemburg acerca da questao organizativa do Partido
revolucionário, projetou-se até mesmo nos debates preambulares de fundaçao do Partido
Comunista da Alemanha, entendido como nova parte integrante e
inseparável da revoluçao proletária mundial, inaugurada com a Revoluçao
de Outubro de 1917.
Enquanto Karl Liebknecht, a partir de 9 de novembro de 1918, tornou-se
um dos principais encabeçadores da iniciativa de criaçao do Partido
Comunista da Alemanha – que viria a ocorrer em 30 de dezembro de 1918,
no Salao
de Festas da Câmara de Deputados de Berlim – [80], é
imperioso assinalar que Luxemburg seguiu opondo sérias
resistências a que esse processo se concretizasse efetivamente.
Acerca do tema, Wilhelm Pieck registrou as seguintes
consideraçoes :
“Cada vez mais fortemente,
surgiu a concepçao de que a fundaçao de um próprio Partido seria necessária
para consolidar o movimento, também em sentido organizativo.
Jogiches e também Rosa
Luxemburg podiam apenas contentar-se pouco com esse pensamento.
Eles procuravam muito mais
atingir seu velho objetivo de, no interior do Partido Social-Democrático
Independente (USPD), influenciar tao fortemente os trabalhadores a ponto de a
política da Liga Spartakus impor-se nesse Partido, trazendo a direçao desse último
para as maos de Spartakus.
Porém, para tanto, existia
precisamente o pressuposto de que o Congresso Imperial do USPD fosse convocado,
de modo a tormar-se posiçao acerca da política da direçao do USPD.
Uma vez que, sob nossa
reivindicaçao, nao ocorreu, até 25 de dezembro, uma resposta da direçao do USPD
acerca da convocaçao do Congresso do Partido, havendo ela declarado, em 24 de
dezembro, no “Freiheit (Liberdade)” que nao poderiam realizar o Congresso por
causa das dificuldades de tráfego e da agitaçao eleitoral (obs. De SVK:
agitaçao para as eleiçoes da Assembléia Nacional Constituinte), estabeleceu-se
uma convocaçao de uma conferência de todo Império da Liga Spartakus, para o
domingo, 29 de dezembro, na qual haver-se-ia de adotar um posicionamento sobre
a crise do USPD e a fundaçao de uma Partido próprio.
A conferência que ocorreu no
Salao de Festas do Câmara de Deputados, nao foi pública.
Depois de um curto debate,
decidiu-se, contra três votos, em favor da fundaçao do Partido.
Acerca do nome do Partido
existiram diferenças de opiniao, na medida em que Rosa Luxemburg e Jogiches
eram a favor do nome “Partido Socialista dos Trabalhadores”, ao passo que um
número de outros delegados posicionaram-se em prol do nome “Partido Comunista
da Alemanha”.
Por isso, foi acionada uma
comissao que, depois de prolongadas discussoes, decidiu em favor desse último
nome, com o acréscimo (Spartakusbund – Liga Spartakus).
A conferência foi interrompida
pela participaçao no funeral dos marinheiros, assassinados em 24 de dezembro
... “[81]
Cumpriu, entao, a Karl Liebknecht, ao apresentar,
nessa ocasiao, seu informe acerca da crise do Partido Social-Democrático
Independente (USPD), destacando o papel dessa organizaçao na alta
traiçao cometida por ela contra a revoluçao proletária mundial, concluir
resolutamente, defendendo a criaçao do Partido Comunista da Alemanha (KPD),
destacando o seguinte :
“Hoje, é necessário, perante
todo o público, traçar uma linha de separaçao, constituindo-nos enquanto novo
Partido autônomo, resoluto e implacável, coeso e unitário, no espírito e na
vontade, dotado de programa, objetivos e meios claros, determinados segundo os
interesses da revoluçao mundial socialista.
Nosso programa e nossos
fundamentos fáticos, aplicámo-los desde há muito tempo.
Temos de os estabelecer ainda
apenas de modo formal.
Nao temos de criar uma
novidade.
As massas já sabem o que somos
e o que queremos.
Devemos confirmar apenas
formalmente o que somos desde há muito tempo e continuar nossa obra, sobre uma
base mais ampla.”[82]
Com efeito, uma grande deficiência das lutas revolucionárias do
proletariado alemao do início do século XX consistiu, seguramente, no fato de
nao se ter formado, absolutamente, nesse país, um sólido Partido marxista-revolucionário,
enriquecido com a concepçao de Partido de Lênin.
No que concerne ao movimento Spartakus, esse último jamais chegou
a possuir uma orientaçao clara e determinada no sentido da criaçao de um
Partido de massas, firmemente organizado e disciplinadamente centralizado.
Ele permaneceu sendo um grupo relativamente restrito que, embora lutando
corajosa e ousadamente contra o imperialismo capitalista alemao e sua política
militarista, jamais foi capaz de conferir ao movimento proletário alemao a força
imprescindível para o cumprimento de suas tarefas revolucionárias.
A luta implacável de Karl Liebknecht contra as diferentes
variantes do oportunismo social-democrático na Alemanha, suas
intervençoes resolutas contra a flagrante traiçao revolucionária dos dirigentes
do SPD
e do
USPD, seu decidido impulsionamento da Revoluçao Alema de 1918-1919,
tornou possível o seu amadurecimento de aço, de modo a torná-lo o mais decidido
protagonista da fundaçao do Partido Comunista da Alemanha (KPD –
Spartakusbund), fundamentalmente inspirado no paradigma fornecido à
história pelo Partido Comunista da Rússia (Bolchevique), de Lênin, sentido-se
vinculado a esse último por sólida amizade.
Porém, o Partido Comunista da Alemanha (KPD – Spartakusbund) nasceu,
tardiamente, já ao fogo da Guerra Civil da Alemanha, sem dispor
das mais rudimentares possibilidades de conformar, dirigente e
preponderantemente, esse processo revolucionário.
A importância histórica de seu surgimento reside, portanto, precisamente
no fato de ter fixado uma pedra fundamental que deveria pavimentar o caminho
que haverá de ser percorrido pelas novas geraçoes de revolucionários na Alemanha,
no campo da concepçao de Partido marxista-revolucionário e de unidade da classe
trabalhadora alema, sobre bases combativas e revolucionárias.
II.2.
ACERCA DO IMPERIALISMO
As agudas diferenças ideológicas existentes entre Lênin e Luxemburg
no domínio da doutrina organizativa do Partido revolucionário estendiam-se,
porém, a outros domínios teórico-analíticos, em particular àquele concernente à
caracterizaçao acerca do imperialismo.
Se ambos concordavam, em linhas gerais, na apreciaçao geral da nova fase
histórica que perpassava o capitalismo no ínicio do século XX – em que a
concorrência das naçoes imperialistas tornava a guerra mundial inevitável – bem
como na análise de que os Partidos socialistas nao poderiam vencer mediante
reformas gradativas das relaçoes sócio-econômicas e político-institucionais do
capitalismo, fato é que divergiam, consideravelmente, quanto ao caráter
fundamental e ao método de luta a serem valorizados pelos
marxistas-revolucionários no cumprimento de sua tarefa de derrubada da
exploraçao e dominaçao capitalistas.
Destacando a influência da ofensiva militar e colonial promovida pelas
naçoes imperialistas européias, na virada do século XX, Luxemburg concebeu como
traço característico da nova fase do capitalismo a aspiraçao irrenunciável de
todos os Estados Capitalistas de lutarem por mercados estrangeiros e novas
áreas de investimentos[83].
Tomando como exemplo paradigmático a Gra-Bretanha e sua
dominaçao colonial na Índia e no Egíto, Luxemburg
enfatizou o fenômeno de criaçao de novas indústrias imperialistas,
fundadas no trabalho barato dos nativos, em um meio especialmente favorável à
intensificaçao da acumulaçao do capital.
Sua conclusao era, sobretudo, a de que, enquanto o mundo oferecesse aos
capitalistas tais possibilidades de exploraçao e extraçao de mais-valia,
poderiam as naçoes concorrentes deter o colapso do sistema por um certo
período.
Se, porém, todos os povos nao
dotados de relaçoes capitalistas avançadas fossem engulidos pelas naçoes
capitalistas-imperialistas, afundaria a acumulaçao do capital até um ponto
morto e a sociedade capitalista mergulharia em uma guerra mundial, a qual poderia
ser efetivamente impedida, senao combatida através da mobilizaçao do conjunto
da classe trabalhadora, com uma série de greves de massas.
Com base em tal concepçao, Luxemburg pretendia responder à
realidade econômica e política, profundamente marcada pelo advento do
imperialismo capitalista.
Lênin opôs-se a essa concepçao de
imperialismo de Luxemburg.
Partindo das análises de J. Hobson e R. Hilferding acerca da
ascensao do capital financeiro, Lênin desenvolveu suas concepçoes
acerca da dominaçao expansiva imperialista dos Estados capitalistas,
assinalando que a luta pela repartiçao do mundo já havia se iniciado[84].
Nesse contexto, a fase de desenvolvimento pacífica do capitalismo
imperialista, existente entre 1872 e 1914, havia sido superada, convertendo-se
toda a Europa em um barril de pólvora.
Nesse sentido, o capitalismo monopolista aspiraria a controlar todos os
fatores de produçao e todos os mercados do mundo, sendo que apenas a posse
desses poderia assegurar um mais pleno controle.
Segundo Lênin, apenas a intervençao consciente do proletariado, tomando
o poder em vários países, mediante a realizaçao de uma série de revoluçoes
socialistas vitoriosas, convertendo a guerra mundial imperialista em guerras civis,
poderiam colocar termo ao período de decadência e de martírio das massas
trabalhadoras.
Em verdade, para Lênin, a guerra mundial já tornara-se efetivamente
iminente, desde dos primeiros anos do século XX, havendo-se tornado um
pressuposto fundamental da realidade da luta de classes que se relacionava à
toda política de entao.
Nesse contexto, situou-se a concepçao de Lênin acerca das
revoluçoes a serem empreendidas na Rússia e do programa de seu Partido
revolucionário.
Quanto mais agudas se tornassem as contradiçoes internas do czarismo
russo, tanto mais intensa haveria de se tornar sua ambiçao por conquistas
territoriais, subjulgaçao de países, aventuras coloniais, marcada pela
pretensao de escravizar os povos do Cáucaso, de avançar até a China
e concretizar a aspiraçao pan-eslava de dominaçao expansiva até os Balcas.
Apenas a derrubada violenta do czarismo, mediante a conversao da guerra
imperialista em guerra civil russa, poderia apontar-se, igualmente, para a
consagraçao do Direito de auto-determinaçao das naçoes oprimidas, temática essa
suplementarmente polemizada agudamente entre Lênin e Luxemburg.
II.3.
A QUESTÃO MILITAR
DA REVOLUÇAO PROLETÁRIA
É sabido que Lênin combateu, agudamente, a concepçao defendida por muitos
socialistas europeus de que o desarmamento seria a expressao mais clara, mais
decidida e mais conseqüente da luta contra todo e qualquer militarismo e contra
toda e qualquer guerra[85].
Sendo assim, os socialistas nao poderiam, segundo sua ótica, ser contra
toda e qualquer guerra, sem deixarem de ser socialistas.
Em primeiro lugar, os socialistas nao poderiam ser jamais adversários
das guerras revolucionárias.
Segundo Lênin, a burguesia das grandes potências imperialistas tendo-se
tornado plenamente reacionária no quadro da eclosao da I Guerra Mundial, haver-se-ia
de reconhecer a guerra, que essa burguesia estava conduzindo, como sendo
reacionária, escravista e criminosa.
A problemática levantada a esse respeito por Luxemburg concernia,
precisamente, a como ficariam as coisas em caso de uma guerra deflagrada contra
essa burguesia, uma guerra dos povos que sao oprimidos por essa burguesia,
povos coloniais ou dela dependentes.
Nas “proposiçoes diretrizes” do grupo “Internacional”, dirigido
por Luxemburg,
constou, expressamente, de seu parágrafo 5 :
“Na era desse imperialismo desatravancado, nao
podem mais existir quaisquer guerras nacionais.”
No entendimento de Lênin, isso representava um equívoco
manifesto de Luxemburg.
Pois, a história do século XX, esse século do “imperialismo desatravancado”,
encontrava-se já repleta de guerras coloniais, guerras nacionais ou levantes
nacionais da parte desses povos oprimidos.
Uma das propriedades mais fundamentais do imperialismo consistiria,
precisamente, em que ele aceleraria o desenvolvimento do capitalismo nos países
mais atrasados, expandindo e aguçando a
luta contra a opressao nacional.
Disso decorreria, inevitavelmente, que o imperialismo teria de produzir,
com grande freqüência, guerra nacionais.
Pelo contrário, em sua brochura intitulada A Crise da Social-Democracia, redigida
sob o pseudônimo Junius, Luxemburg defendeu as referidas “proposiçoes diretrizes”,
afirmando que, na época imperialista, toda e qualquer guerra nacional contra
uma das grandes potências imperialistas conduziria à intervençao de uma outra
grande potência igualmente imperialista, concorrente da primeira, de modo que
toda e qualquer guerra nacional tranformar-se-ia em uma guerra imperialista[86].
Segundo Lênin, porém, diversas guerras coloniais, realizadas entre os
anos de 1900 e 1914, nao haviam percorrido esse caminho, sendo plenamente
equivocado afirmar-se que, depois do findar da I Guerra Mundial, nao
poderia vir a existir nenhuma guerra nacional, progressiva, revolucionária,
como p.ex. da parte da China, em aliança com a Índia,
a Pérsia
e o Siao
etc. Contra as grandes potências.
A negaçao de toda possibilidade de guerras nacionais sob o imperialismo
resultou ser, para Lênin, teoricamente incorreta, bem como manifestamente falsa,
em sentido histórico, sendo que, em termos prático-concretos, equivaleria ao
chauvinismo europeu : os pertencentes às naçoes opressoras de centenas de
milhoes de seres humanos na Europa, na África, na Ásia
etc., declarariam aos povos oprimidos que sua guerra contra as naçoes
capitalistas-imperialistas seria “impossível”.
Em segundo lugar, em conformidade com o pensamento de Lênin,
as guerras civis seriam também guerras, sendo que quem reconhecese a luta de
classes nao poderia deixar de reconhecer também as guerras civis que, em toda
sociedade de classes, representam uma continuaçao natural e inevitável, em
determinadas circunstâncias, da luta de classes, seu desenvolvimento e
aguçamento.
Negar ou esquecer as guerras civis, significaria precipitar-se no mais
extremo oportunismo, recusando a revoluçao socialista.
Em terceiro lugar, na ótica de Lênin, a revoluçao socialista
vitoriosa em um país nao excluiria, de nenhuma forma, de uma vez por todas,
todas as guerras em geral.
Pelo contrário : ela as pressuporia.
Partindo do pressuposto marxista que o desenvolvimento do capitalismo
processar-se-ia de maneira altamente desigual nos mais diferentes países, Lênin
formulou a conclusao de que o socialismo
nao poderia vencer, simultaneamente, em todos os países.
Ele venceria, de início, em um ou alguns países, sendo que outros
permaneceriam, por um certo tempo, burgueses ou pré-burgueses.
Essa situaçao haveria de produzir nao apenas fricçoes, senao ainda a
aspiraçao direta da burguesia de outros países a esmargar o proletariado
vitorioso em um certo país.
Em tais casos, uma guerra desencadeada pelo proteriado seria legítima e
justa.
Representaria uma guerra pelo socialismo, pela libertaçao de outros
povos da burguesia.
Destaque-se, além disso, que Engels teve a oportunidade de
reconhecer, expressamente, em sua carta de 12 de setembro de 1882,
dirigida a Kautsky, a possibilidade de “guerras defensivas do
socialismo”, que já teria vencido.
Ele referiu-se, nomeadamente, à defesa do proletariado vitorioso contra
a burguesia de outros países.
Assim, para Lênin, apenas depois de derrubada a burguesia no mundo inteiro
– e nao apenas em um país -, apenas depois de ter-se-a vencido completamente e
expropriado, tornar-se-iam as guerras impossíveis.
Cientificamente, resultaria, pois, plenamente incorreto como plenamente
nao revolucionário, contornar-se ou obscurecer-se o mais importante, a
derrubada da resistência da burguesia, i.e. o mais difícil, aquilo que se
exige, na maioria das lutas, na transiçao rumo ao socialismo, sonhando com a
possibilidade de um futuro socialismo pacífico.
Sendo assim, o conceito de “defesa da naçao” resultaria odiado
por alguns marxistas-revolucionários porque, através dele, os
sociais-pacifistas encobrem e disfarçam, na guerra de rapina em causa, as
mentiras da burguesia.
Porém, seria simplesmente estúpido nao pretender aceitar a “defesa
da naçao” por parte dos povos oprimidos, em sua guerra contra as
grandes potências imperialistas ou por parte do proletariado vitorioso, em sua
guerra contra qualquer Gallifet de um país burguês[87].
Seria fundamentalmente equivocado, em sentido teórico, esquecer-se de
que toda e qualquer guerra é apenas a continuaçao da política com outros meios.
A I Guerra Mundial seria, pois, a continuaçao da política imperialista
de dois grupos de grandes potências e essa política teria sido gerada e
alimentada pelo conjunto das relaçoes da época imperialista.
Porém, essa mesma época haveria, segundo Lênin, de produzir
necessariamente a política da luta contra a opressao nacional, bem como da luta
do proletariado contra a burguesia, e, por isso, gerar a possibilidade e a
inevitabilidade, em primeiro lugar, dos levantes nacionais revolucionários, em
segundo lugar, das guerras e levantes do proletariado contra a burguesia, em
terceiro lugar, da unificaçao de ambos esses tipos de guerras revolucionárias
etc.
II.4.
O DIREITO DE AUTO-DETERMINAÇÃO
DAS NAÇÕES OPRIMIDAS
O Direito de auto-determinaçao das naçoes oprimidas foi, antes de tudo,
concebido por Lênin enquanto uma arma de fortalecimento e formaçao da unidade
do proletariado na luta anti-imperialista.
Em torno da questao do Direito de auto-determinaçao, em particular do
Direito de auto-determinaçao da naçao polonesa, eclodiu uma profunda
controvérsia entre Lênin e Luxemburg.
Essa última entendia, em princípio, que o Direito de auto-determinaçao
era irrealizável sob o sistema de exploraçao econômica e dominaçao política
capitalista.
A idéia de uma futura sociedade autentica e integralmente socialista,
fundada na planificaçao avançada da economia, segundo Luxemburg, estaria, já
por si mesma, por indicar que as hostilidades nacionais viriam a ser limitadas
à esfera essencialmente cultural, tornando sem razao de ser as diferenças
nacionais.
Nesse sentido, Luxemburg enfatizava a
artificialidade das fronteiras nacionais, existente sob a égide do capitalismo.
Luxemburg defendeu essas suas posiçoes
em diversas oportunidades, já a partir dos primeiros anos de sua ativa vida
política, seja nos anos que precederam a deflagraçao da guerra, seja naqueles
que a sucederam.
Ao longo dos anos de guerra, porém, Luxemburg tornou mais complexa o
desvendar da essência de sua concepçao ao assinalar que a tendência do
capitalismo financeiro de expandir-se para além dos maiores entes estatais,
mesmo sem ocorrendo isso sem consideraçao da nacionalidade dos povos afetados,
representaria, em última instância, um progresso econômico, pois as formas
brutais da dominaçao imperialista preparariam o socialismo, no interior das
relaçoes sociais capitalistas, mediante o fenômeno da maior concentraçao das
forças produtivas.
Sendo assim, os sociais-democratas nao poderiam reivindicar, nos países
capitalistas plenamente desenvolvidos, o retorno às velhas formas, i.e. nao
poderiam lutar nem em favor do restabelecimento dos velhos Estados nacionais
nem em prol da edificaçao de novos.
Sua consigna deveria soar, entao : “Abaixo com as fronteiras.”
A luta contra a repressao de uma naçao poderia, assim, ser empreendida,
unicamente, enquanto parte inseparável
da luta geral contra o imperialismo e pelo socialismo, resultando as consignas
relacionadas com o Direito de auto-determinaçao das naçoes oprimidas atendidas,
por si mesmas e automaticamente, em uma nova ordem socialista.
Sua oposiçao política em face dos nacionalistas polonêses, era
sustentada por Luxemburg em nome de seu pretenso internacionalismo
socialista-proletário mais conseqüente.
A concepçao luxemburgista tornou-se celebrizada e aperfeiçoada, antes de
tudo, na resoluçao de seu partido polonês, firmada dois anos depois da eclosao
da I
Guerra Mundial Imperialista, nos seguintes termos :
“Nao temos nenhuma razao para admitir que, na sociedade socialista, será
conferida à naçao um caráter de unidade político-econômica.
Segundo todas as
probabilidades, ela possuirá apenas o caráter de uma unidade cultural e
linguística, dado que a divisao territorial do círculo cultural socialista,
enquanto essa existir, poderá resultar apenas segundo as necessidades da
produçao, com o que acerca dessa divisao, entao, teriam que decidir nao
naturalmente naçoes isoladas, a partir da própria plenitude de poder (tal como
o “Direito de auto-determinaçao” o exige), mas sim todos os cidadaos
interessados.
A transferência da fórmula do
“Direito de auto-determinaçao” para o socialismo consiste em um total
desconhecimento do caráter da comunidade socialista.
A guerra mundial comprovou que
o período de formaçao dos Estados Nacionais na Europa acabou ...
A postura da burguesia
política em todos os Estados repartidos demonstrou, de maneira crassa, que o
ideal do Estado Nacional é um anacronismo, na época imperialista, confirmando a
correçao da postura dos sociais-democratas polonêses-russos, em face das
aspiraçoes independentistas ...
O proletariado polonês jamais
fez da independência política o seu objetivo ...
Hoje, em vista das
experiências da guerra mundial, o levantamento da consigna da independência
enquanto meio de luta contra a opressao nacional representaria nao apenas uma
utopia perniciosa, senao ainda a negaçao dos fundamentos mais simples do
socialismo.”[88]
Munida de uu suposto saber inabalável acerca do futuro do socialismo, Luxemburg
impugnou, aguçada e habilmente, o Direito de auto-determinaçao das
naçoes oprimidas, destacando, antes de tudo, tratar-se de uma consigna inerente
à típica cadaverizaçao da II Internacional Socialista, cujos
paradoxos haviam conduzido, necessariamente, à defesa das respectivas pátrias
capitalistas pelo proletariado dos diversos países do mundo.
Lênin esforçou-se, ao máximo, por
combater também essa concepçao de Luxemburg, tendo sempre em conta,
porém, as dificuldades da luta dos sociais-democratas polonêses contra as
correntes nacionalistas.
A defesa das naçoes oprimidas e combatentes em favor de sua
auto-determinaçao representou, nesse sentido, parte integrante da doutrina
revolucionária de Lênin.
Em sua luta contra o Estado Czarista Semi-Feudal, Lênin conduziu
uma luta de duas décadas, denunciando como sendo uma traiçao ao socialismo
renunciar-se à defesa do Direito de auto-determinaçao das naçoes oprimidas.
Nesse sentido, teve oportunidade de destacar que a análise dos
revolucionários polonêses, comandados por Luxemburg, negligenciaria,
inteiramente, a questao contemporânea do Estado Burguês e da luta de classes
revolucionária do proletariado, super-dimensionando o papel da planificaçao da
economia do socialismo, enquanto, em verdade, constituiria apenas um aspecto da
sociedade socialista.
Citando o artigo de Friedrich Engels intitulado “O Pó
e o Reno”, Lênin afirma que as fronteiras naturais européias formaram-se
ao longo de séculos, sobre a base de um parentesco linguístico e
cultural-nacional.
No curso do processo histórico, os Estados maiores e mais ativos
engoliram os Estados menores e mais débeis, assim que as fronteiras naturais de
um período original foram suprimidas :
“O capitalismo
imperialista-reacionário deixará ao socialismo, que o substituirá, uma série de
anexoes, na Europa, e em outras partes do globo, tidas como herança.
Sendo assim, o socialismo
vitorioso, que, em toda linha, restabelecerá e levará até o final a mais plena
democracia, renunciará à determinaçao democrática das fronteiras do Estado ?
Ele nao deverá ter de contar
com as “simpatias” da populaçao ?
Basta levantar essas perguntas
para ver claramente o quanto nossos colegas polonêses afastam-se para longe do
marxismo, rumo ao economicismo imperialista.”[89]
O principal exemplo de trabalho de Lênin era seu próprio país :
“Na Rússia, onde pertencem às
naçoes oprimidas nao menos do 57 % da populaçao, i.e. mais 100 milhoes de pessoas,
onde as naçoes moram em suas principais massas nas áreas fronteiriças, onde uma
parte dessas naçoes é, no domínio da cultura, mais ampla do que os grao-russos,
onde a ordem político-estatal caracteriza-se através de um caráter bárbaro e
medieval inteiramente particular, onde a revoluçao democrático-burguesa ainda
nao foi levada até o fim : nessa Rússia é, para os sociais-democratas,
incondicionalmente obrigatório o reconhecimento do Direito de livre separaçao
das naçoes oprimidas desse país, em nome de suas tarefas democráticas e
socialistas ...
Os socialistas russos que nao
exigem a liberdade de separaçao para a Finlândia, a Polônia, a Ucrânia e assim
por diante ..., agem como chauvinistas, como lacaios dos monarquistas
imperialistas e da burguesia imperialista, cobertos com sangue e sujeira.”[90]
II.5.
EM FACE DA QUESTÃO DA
ASSEMBLÉIA NACIONAL
CONSTITUINTE
Cumpre, nesse passo, apresentar ao leitor, em breves linhas, a polêmica
travada entre Luxemburg e Lênin, enquanto revolucionários proletários marxistas,
acerca da natureza, extensão e limites da Democracia Proletária em face da
consigna de Assembléia Nacional Constituinte, Direito Geral Eleitoral, Liberdade de
Reunião e de Imprensa, no quadro da Revolução de Outubro, tendo
como esteio o debate em torno do Direito de Auto-Determinação da Naçoes
Oprimidas e a Questão Agrária Russa.
Com efeito, acerca do tema, Luxemburg teve a oportunidade de
escrever criticamente contra Lênin e os bolcheviques, em sua
celebrizada Acerca da Revolução Russa, de junho de 1918 :
„A consigna sacada pelos
bolcheviques : imediato apossamento e repartição do solo e da terra pelos
camponeses teve, precisamente, de atuar em sentido oposto.
Ela não representa não apenas
nenhuma medida socialista, senão ainda corta o caminho para uma tal medida, ela
produz em face da transformação das relações agrárias, em sentido socialista,
dificuldades insuperáveis(p. 343). ...
A Reforma Agrária de Lênin
criou para o socialismo no campo uma nova camada popular poderosa de inimigos.
Nisso, os bolcheviques possuem
parte de culpa.
Essas dificuldades objetivas
da situação, os próprios bolcheviques aguçaram, em grande medida, através de
uma consigna, que lançaram no primeiro plano de sua política : o assim-chamado
Direito de Auto-Determinação das Nações ou, o que se esconde debaixo dessa
frase na realidade : a decomposição estatal da Rússia. ...
De início, embate-se contra a
estultice e a rígida conseqüência com que Lênin e seus companheiros
atrelaram-se a essa palavra de ordem o fato de que se situam tanto em crassa
contradiçao com o seu centralismo da política, apregoado em outros momentos,
quanto em relaçao à posiçao que assumiram em face dos demais fundamentos
democráticos.
Enquanto demonstram um
desprêzo frio relativamente à Assembléia
Constituinte, ao Direito Geral Eleitoral, à Liberdade de Reunião e de Imprensa,
em suma, relativamente a todo o aparato das liberdades fundamentais
democráticas das massas populares (p. 346) que formam, todas juntas, o „Direito
de Auto-Determinação“ na própria Rússia, tratam o Direito de Auto-Determinação
das Nações enquanto um nó górgio da política democrática, em amor ao qual todos
os pontos de vista práticos da crítica real deveriam silenciar.
Enquanto eles não se
permitiram minimamente influenciar pelo plebiscito da Assembléia Constituinte na Rússia – um plebiscito conduzido na base do Direito Eleitoral Geral e em
total liberdade de uma República Popular -, e, dirigidos por ponderações
críticas insensatas, declararam, simplesmente, ser nulo e anulado seus
resultados, combateram eles, em Brest, pelo „plebiscito“ das nações
estrangeiras da Rússia acerca de sua apartenência estatal, enquanto o
verdadeiro guardião de toda liberdade e democracia, enquanto a qüintessência
inadulterada da vontade popular e a instância máxima decisiva na questão do
destino político das nações.(p. 347).“[91]
Adstringindo-se aqui à questao da Democracia Proletária na Ditadura
Revolucionária do Proletariado, cumpre assinalar que Rosa
Luxemburg abandona notoriamente, na passagem de sua crítica em
destaque, o critério de classe revolucionário-proletário, ao empreender sua
defesa „em geral“ da Assembléia Constituinte, do Direito
Geral Eleitoral, da Liberdade de Reunião e de Imprensa,
em suma, de todo o aparato das supostas liberdades fundamentais democráticas
das massas populares.
Em verdade, Luxemburg omite o fato fundamental e decisivo de que a Assembléia
Constituinte de que fala negou-se, expressamente, em 5 de Janeiro de
1918, a sufragar a Declaraçao dos Direitos do Povo Trabalhador e Oprimido e o Programa
do Poder Soviético, e, em 6 de janeiro de 1918, a aprovar a Política
de Paz do Governo Soviético.
Fosse essa Assembléia Constituinte realmente representativa das „massas
populares“(no original alemao : Volksmassen), não teria, de nenhuma
forma, embargado a votação da Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador
e Oprimido, justamente em sua sessão de abertura[92].
De toda sorte, seria pretender reduzir Rosa Luxemburg à condição
de uma social-oportunista vulgar – como o fazem os meta-marxistas
franco-gramscianos e os principais ideólogos do SU-QI – caso não
destacássemos, em letras garrafais, que Luxemburg, mais uma vez no texto em
destaque, Acerca da Revolução Russa, de junho de 1918, colocou-se, clara
e abertamente, em defesa da Ditadura Revolucionária do Proletariado, quando
assinalou, enfaticamente :
„Os bolcheviques colocaram,
imediatamente, enquanto objetivo dessa tomada do poder, todo o programa revolucionário
mais amplo : não, por ex., a garantia da Democracia Burguesa, mas a Ditadura do
Proletariado, com o objetivo de concretização do socialismo.
Com isso, conquistaram o
mérito histórico imortal de proclamar, pela primeira vez, os objetivos finais
do socialismo, enquanto programa imediato da prática política(p.341). ...
Isso é o essencial o
remanescente da política bolchevique.
Nesse sentido, cabe-lhes o
mérito histórico imortal por terem se adiantado ao proletariado internacional
com a conquista do poder político e da colocação prática da concretização do
socialismo, bem como por terem impulsionado, poderosamente, a disputa entre
capital e trabalho no mundo inteiro.
Na Rússia, o problema pode ser
apenas colocado.
Na Rússia não pôde, porém, ser
resolvido. Esse problema pode apenas ser resolvido em escala internacional.
E, nesse sentido, o futuro
pertence, em todas as partes, ao „bolchevismo“(p.
365).”[93]
Nada obstante, convém destacar,
documentalmente, como Lênin abordou
a problemática da consigna da Assembléia
Nacional Constituinte, nas Teses
e Exposição acerca da Democracia Burguesa e a Ditadura do Proletariado, de
4 de março de 1919 :
“A mais completa bancarrota dos socialistas que se reuniram em Berna
(Lênin refere-se aqui aos socialistas da Internacional Amarela, Kautsky,
Hilferding, Martov, Longuet, Turati, Branting etc.), sua mais completa
incompreensão para a nova, i.e. para a Democracia Proletária, pode ser atestada
no seguinte :
Em 10 de fevereiro de 1919, Branting declarou encerrada a Conferência
Internacional da Internacional Amarela, em Berna.
Em 11 de fevereiro de 1919, seus participantes publicaram, em Berlim, no
jornal “A Liberdade” um apelo do Partido dos “Independentes” ao proletariado.
Nesse apelo aceita-se o caráter burguês do governo Scheidemann,
acusa-se-o de querer eliminar os Conselhos (Räte), que são chamados de
portadores e guardiães (Träger und Schützer) da revolução, e formula-se a
proposta de legalizar os Conselhos
(Räte), conferindo-se-lhes Direitos de Estado, dando-se-lhes o Direito de
Impugnação contra as decisões da Assembléia Nacional, com o efeito de ter
de decidir um plebiscito nacional.
Uma tal proposta desmascara a total falência ideológica dos teóricos que
defendem a democracia e não entenderam seu caráter burguês.
A tentativa ridícula de unificar o Sistema dos Conselhos, i.e. a Ditadura do Proletariado, com
a Assembléia Nacional, i.e. a Ditadura da Burguesia, desvenda,
definitivamente, às forças incessantemente crescentes da nova Democracia
Proletária, tanto a pobreza de espírito dos Socialistas Amarelos e dos
Sociais-Democrátas e sua essência politicamente reacionário-pequeno-burguesa
quanto suas concessões medrosas(p. 479)...
Nos primeiros oito meses da Revolução Russa foi por demais discutida a
questão da organização dos Soviets.
Para os trabalhadores não estava claro no que consistiria o novo sistema
e se seria possível fazer dos Conselhos um aparelho de Estado.
Procedemos em nossa revolução de modo prático e não teoricamente.
A questão da Constituinte, p.ex., não a havíamos colocado, teoricamente,
antes.
Não havíamos dito que não
reconhecíamos a Assembléia Constituinte.
Apenas depois, i.e. depois de que as
organizações soviéticas se espalharam por todo o país e conquistaram o poder político,
apenas então ocupamo-nos de desbaratar a Constituinte(p. 486).”[94]
É,
precisamente, nesse sentido que o artigo 9° da Constituição de Lênin e Sverdlov, a Constituição da Guerra
Civil, promulgada em 10 de julho
de 1918, poucos meses após a fundação da Internacional
Comunista, proclamou,
expressamente :
“Art. 9°. O problema fundamental da Constituição da República Federal
Socialista Soviética Russa envolve, em vista do presente período de transição,
o estabelecimento da Ditadura do Proletariado urbano e rural e dos camponeses
pobres, na forma de um poderoso poder soviético de toda a Rússia, com o
objetivo de derrotar completamente a burguesia, de aniquilar a exploração do
homem pelo homem e de instaurar o socialismo, no qual não existirá nem divisão
de classes nem poder estatal.”[95]
Em suas Teses
e Exposição acerca da Democracia Burguesa e a Ditadura do Proletariado, de
4 de março de 1919, Lênin teve
a oportunidade de esclarecer, notoriamente, no quadro do I Congresso da Internacional Comunista – que indicou como
seus melhores representantes Karl
Liebnecht e Rosa Luxemburg [96] -, o significado do exercício da Democracia Proletária na Ditadura do Proletariado :
“A diferença fundamental entre a Ditadura do Proletariado e a Ditadura
das outras classes, da Ditadura dos Latifundiários na Idade Média, da Ditadura
da Burguesia em todos os países capitalistas civilizados, reside em que a
Ditadura dos Latifundiários e da Burguesia representava a opressão violenta da
resistência da maioria esmagadora da população, nomeadamente a opressão dos
trabalhadores.
Pelo contrário, a Ditadura do Proletariado é a opressão violenta da
resistência dos exploradores, i.e. de uma minoria ínfima da população, dos
Latifundiários e Capitalistas.
Disso resulta que a Ditadura do Proletariado deverá portar, consigo,
inegavelmente, não apenas, dito genericamente, uma modificação das formas e das
instituições da democracia, mas sim um tal modificação delas que os
escravizados pelo capitalismo, as classes trabalhadoras, execerão,
efetivamente, a democracia em uma medida jamais vista no mundo antes.
Realmente, a forma da Ditadura do Proletariado, que já foi praticamente
elaborada, i.e. o Poder Soviético na
Rússia, o Sistema de Conselhos na Alemanha, os Comitês de Fábrica e outras
instituições soviéticas análogas em outros países, significa e materializa
precisamente para as classes trabalhadoras, i.e. para a maioria esmagadora da
população, uma grande oportunidade para se servir dos direitos democráticos e
liberdades, tal como jamais existiu, mesmo que aproximadamente, nas melhores e
mais democráticas repúblicas burguesas(p. 479).”[97]
Precisando seu raciocínio acerca da Democracia Proletária, assinalou
Lênin, em suas teses 16 e 20
:
“16. A velha, i.e. a Democracia Burguesa e o Parlamentarismo foram
organizados de tal forma que precisamente as massas trabalhadoras eram
estranhas ao aparelho administrativo, na medida mais extrema.
O Poder Soviético, i.e. a Ditadura do Proletariado é, pelo contrário,
organizado de modo a aproximar as massas trabalhadoras do aparelho
administrativo.
Ao mesmo objetivo serve, igualmente, a unificação do Poder Executivo e
do Poder Legislativo na organização soviética do Estado e a substituição das
circunscrições eleitorais territoriais pelas unidades de produção, tais como
oficinais e fábricas(p. 480). ....
20. A cessação (no original alemão : Aufhebung) do Poder de Estado é o
objetivo que todos os socialistas colocaram a si mesmos, entre eles e, em seu
ápice, Marx.
Sem a materialização desse objetivo, o verdadeiro democratismo, i.e. a
igualdade e a liberdade são inatingíveis.
Apenas a Democracia Soviética, ou Proletária, conduz, praticamente, a
esse objetivo, pois ela ruma, imediatamente, para a preparação do total
perecimento de todo Estado, na medida em que incorpora as organizações das
massas dos trabalhadores na participação permanente e incondicional da
administração do Estado(p. 481).”[98]
Diante
dessas colocações iniciais, resulta claro que a Ditadura Revolucionária do Proletariado, sendo incorporadora da mais ampla e, em sentido histórico,
incomparavelmente, mais elevada Democracia
Proletária, indispensável à
construção de uma sociedade socialista, não pode e não deve incorporar, de
nenhuma forma, a mais ampla liberdade política para as forças
contra-revolucionárias, capitalistas-restauracionistas, no marco de uma Assembléia Nacional Constituinte.
Se tomados como base já mesmo os extratos,
acima reproduzidos, das Teses e
Exposição acerca da Democracia Burguesa e a Ditadura do Proletariado, de
4 de março de 1919, formuladas por Lênin,
na abertura do I Congresso da
Internacional Comunista, pode-se verificar que a Ditadura Revolucionária do Proletariado pressupõe a idéia de
opressão violenta da resistência dos exploradores, i.e. de uma minoria ínfima
da população de capitalistas e latifundiários.
Além disso, nessa mesma sede, Lênin reconhece, expressamente,
a possibilidade do uso da violência até mesmo contra certos setores do
proletariado, empenhados em destruir, direta ou indiretamente, a Ditadura Revolucionária do Proletariado,
incorporadora da mais ampla Democracia
Proletária :
“Nossos mencheviques percorreram, passo a passo, quase o mesmo
desenvolvimento dos teóricos dos Independentes na Alemanha (Lênin refere-se,
nesse momento, a Kautsky e Hilferding, entre outros).
Antes, quando neles tinham a maioria, eram a favor dos Soviets.
Diziam : “Viva os Soviets!” “Em defesa dos Soviets!”, “Os Soviets são a
Democracia Revolucionária!”.
Depois de que nós,
bolcheviques, alcançamos a maioria nos Soviets dizem que os Soviets não podem
existir ao lado da Assembléia Constituinte.
Diversos teóricos dos mencheviques fizeram, além disso, a mesma proposta
formulada pelos Independentes Alemães de acoplar
o Sistema Soviético à Assembléia Constituinte, organizando-os nos limites do
Estado(p. 484).”[99]
E, da maneira mais evidente, escreve Lênin, a seguir :
“A grande maioria dos mencheviques passou para o lado da burguesia e
luta na guerra civil contra nós.
Nós perseguimos, naturalmente, os mencheviques, nós até mesmo os
matamos, se eles lutam na guerra contra nós, contra o Exército Vermelho, se
eles assassinam nossos oficiais vermelhos.
À guerra da burguesia respondemos com a guerra do proletariado.
Uma outra saída não pode existir(p. 485).”[100]
Sendo assim, cumpre destacar ser plenamente
coerente com o patrimônio doutrinário e os ensinamentos político-práticos de Marx e Engels, Lênin e Trotsky, o
fato de que a Ditadura Revolucionária
do Proletariado pressupõe, evidentemente, não apenas a estrita
restrição de liberdade política e direitos democráticos para forças
contra-revolucionárias, p.ex. (neo)-fascistas ou
capitalistas-restauracionistas, senão ainda a possibilidade de uso da violência
até mesmo contra certos setores do proletariado que procurem destruir, direta
ou indiretamente, tal Ditadura,
incorporadora da mais ampla Democracia
Proletária.
Nesse mesmo sentido, Nahuel Moreno teve a oportunidade de assinalar, de maneira
notoriamente clara, o seguinte :
“Para Lênin, não era a liberdade política, porém apenas o poder
ditatorial que era “ilimitado”, após a Revolução de Outubro : « O termo
científico « Ditadura » significa nada mais nada menos do que
autoridade desvinculada de quaisquer leis, absolutamente irrestringida por
regras, quaisquer que forem, e baseada diretamente sobre a força » (Lênin,
Uma Contribuição à História das Questões da Ditadura, 1920).
Em O Estado e a Revolução, Lênin cita Engels : « Enquanto o proletariado ainda necessitar
(grifo no original) do Estado, ele não o faz no interesse da liberdade, porém a
fim de oprimir seus adversários e, tão logo se torne possível falar de
liberdade, o Estado enquanto tal deixará de existir. » (Lênin,
O Estado e a Revolução, 1917).
No « Programa do Partido Comunista », por ele escrito e
ratificado por Trotsky, em 1936, Lênin enfatiza as « restrições .... de
liberdade » até que o socialismo tenha vencido e a exploração do homem pelo
homem desapareça : « ...supressão de direitos políticos e outras
restrições de liberdade são meramente medidas provisórias que deixarão de ser
necessárias quando a possibilidade objetiva de exploração do homem pelo homem
deixar de existir... ».
Na Revolução Traída, o volume no qual o SU-QI procura basear sua
« norma programática e principista », Trotsky insiste que, sob a
Ditadura do Proletariado, devem existir « limitações estritas de
liberdade » (« Para estar assegurada, uma Ditadura Revolucionária significa,
por sua própria essência, estritas limitações de liberdade »). (Trotsky, A
Revolução Traída, 1936).
Próximo do exílio, ele nos alertou que « a Ditadura do Proletariado
é inconcebível sem o uso da força mesmo contra seções mesmo do
proletariado ».
Em 1938, o « Programa de Transição » repete essa declaração
« ... as fórmulas de democracia (liberdade de imprensa, direito sindical
etc.) significam, para nós, apenas consignas incidentais e episódicas no
movimento independente do proletariado ... »(Trotsky, A Agonia Mortal do
Capitalismo e as Tarefas da IV Internacional, 1938).“[101]
No que concerne à extensão da Ditadura Revolucionária do Proletariado,
portadora histórica da mais ampla Democracia
Proletária, já é possível deduzir-se, coerentemente, a partir das
citações e argumentações retro-apresentadas, qual seria a postura dela
exigível, no quadro dos processos revolucionários do proletariado, em face das
instituições mais típicas e inseparáveis do Parlamentarismo Burguês, tal como aquela consubstanciadora
da concepção jurídico-burguesa de Assembléia
Nacional Constituinte.
CAPÍTULO III
I GUERRA MUNDIAL
DO CAPITALISMO IMPERIALISTA
E A PAZ CIVIL
“Sobem os dividendos e caem os proletários.”
Com tais palavras Rosa Luxemburg descreveu a I Guerra
Mundial[102],
iniciada, formalmente, em 28 de julho de 1914, com a declaraçao de guerra da Áustria-Hungria
à Sérvia,
seguida da declaraçao de guerra da Alemanha à Rússia, em 1 de agosto, e
à França,
em 3 de agosto.
Nessa conflagraçao mundial, a guerra concorrencial das potências
imperialistas deixou de ser travada exclusivamente nos galpoes das empresas,
nos mercados mundiais e nos espaços diplomáticos, fundando-se em extorsoes de
mais-valia e conquista de esferas de influência : ela passou a invadir, suplementarmente, os campos
militares de batalha, no quadro de uma confrontaçao diretamente sangrenta.
Nessa medida, a I Guerra Mundial constituiu a
conseqüência estritamente lógica da época burguesa-imperialista, que desenvolve
a níveis inauditos as forças materiais de destruiçao militarista e a formaçao
de trustes empresariais mundiais, visando à conquista da vitória na luta pela
repartiçao dos mercados e das colônias: todos esses fenômenos conformadores de
efeitos necessariamente decorrentes da sociedade capitalista de classes mais
aguçadamente constituída e enebriada pelo veneno nacional-chauvinista.
Todos os elementos característicos da civilizaçao burguesa do século XX
encontram-se devidamente espelhados na I Guerra Mundial, de modo que ela pôde
configurar a primeira guerra total (totaler Krieg), na
qual passou a ser decisiva nao apenas a capacidade estritamente militar, senao
ainda a força de produçao econômica de toda a naçao.
Para que essa última alcançasse o nível mais elevado possível, o
empreendimento de guerra teve de ser ideologizado, ocultando-se os motivos
efetivos da confrontaçao militar, declarando-se a morte nos campos de batalha
com um “dever sagrado (heilige Pflicht)”.
Nesse preciso sentido, assinalou Rosa Luxemburg :
“A guerra é um assassinato
metódico, organizado e gigantesco.
Para um assassinato sistemático, deve-se, porém, criar a respectiva
embriaguez, junto a seres humanos que atuam normalmente.
Desde sempre, esse é o método
bem fundado dos dirigentes da guerra.
À bestialidade da práxis deve
corresponder a bestialidade do pensamento e da consciência : essa última deve
preparar e acompanhar a primeira.”[103]
Essa embriaguez ideológica, criada pela burguesia imperialista da Alemanha,
já antes mesmo de 1914 e intensificada exponencialmente, a partir de
agosto de 1914, assumiu a forma do conceito jurídico-político do nacionalismo
alemao, decantado, poeticamente, nos célebres versos de Rudolf
Herzog e Gerhard Hauptman :
“Oh! Tu, Alemanha, agora hás
de odiar,
blindada com jazidas :
A cada inimigo, um golpe de
baioneta no coraçao !
Nao faças nenhum prisioneiro !
Emudeças a todos, de igual
maneira !
Faz do cinto dos países que te
circundam um deserto.”[104]
Para os trabalhadores e camponeses alemaes, a fraseologia nacionalista
nao surgia, naturalmente, como expressao de um lirismo dramático, porém também
eles encontravam-se contaminados pelo entusiasmo militarista, devido à doutrina
da ”guerra
defensiva(Verteidigungskrieg)”, difundida pelos mais expressivos
sindicalistas e os mais renomados protagonistas do já degenerado Partido
Social-Democrático da Alemanha (SPD), como também por força da crença
de que, enquanto outrora “companheiros sem pátria (vaterlandslose
Gesellen)”, viriam a ser considerados, em seu próprio país, após a “comunidade
popular das trincheiras (Volksgemeinschaft des Schützengrabens)”, como
membros de uma nova naçao vitoriosa na guerra e emancipada dos preconceitos de
classe.
Com efeito, grandes massas populares, situadas sob o impacto da
conflagraçao mortífera e a dominante orientaçao social-chauvinista do
Partido Social-Democrático da Alemanha (SPD), especulavam com as
promessas de ganhos materiais que adviriam da nova Alemanha, convertida no
principal poder hegemônico-europeu vitorioso.
Com a eclosao da I Guerra Mundial, transformando-se a
II
Internacional Socialista em um cadáver mal-cheiroso, o
social-reformismo chauvinista adquiriu, na Alemanha, um novo estágio de traiçao
do proletariado mundial : postular sistematicamente reformas sociais,
valendo-se agora, porém, da tragédia da guerra e de suas injunçoes.
Em 4 de agosto de 1914, a fraçao do Partido Social-Democrático (SPD)
junto ao Parlamento Imperial votou em favor da concessao dos créditos de
guerra, exigidos pelo Governo do Império Monárquico Alemao,
rompendo, aberta e despudoradamente com toda e qualquer perspectiva de
solidariedade internacional proletária.
Nessa primeira votaçao, Karl Liebnecht e uma minoria
oposicionista, submetendo-se à disciplina partidária social-democrática,
somou-se aos demais deputados de sua fraçao, votando também em favor dos
créditos de guerra.
Em 26 de agosto de 1914, o Imperador Wilhelm II proclamou,
entao, de modo categórico e exultante :
“Já nao reconheço mais nenhum
Partido.
Reconheço apenas alemaes.”
Com essas palavras, foi introduzida, em solo alemao, a doutrina
burguesa-imperialista da “Paz Civil (Burgfrieden)”.
Através da aprovaçao dos créditos de guerra, a Social-Democracia Alema (SPD), consagrando,
historicamente, sua orientaçao política dominante de linhagem
social-chauvinista e de aberta colaboraçao de classes, expressando a
prelavência dos princípios lassalleanos em total prejuízo do
marxismo-revolucionário, converteu-se em fator sustentador da ordem e do Estado
burgueses.
Os fundamentos doutrinários equacionados por Ferdinand Lassalle,
fundidos ao social-reformismo de Eduard Bernstein, haveria de lograr
assegurar a renúncia por parte do Partido Social-Democrático (SPD) da perspectiva
revolucionária da luta de classes, promovendo sua subjulgaçao aos objetivos da
conduçao imperialista da guerra mundial, dado o fato de que a deflagraçao de
uma “guerra
total(totaler Krieg)” seria virtualmente impossível em face da
agüerrida oposiçao das massas trabalhadoras alemas.
Em 1916, a doutrina da “Paz Civil (Burgfrieden)” encontrou,
entao, a sua expressao mais bem acabada, em sentido estritamente
jurídico-legal, com a promulgaçao da “Lei de Serviço Patriótico Auxiliar
(Vaterländisches Hilfsdienstgesetz)”.
Com base nesse instrumento legal, o Comando Supremo das Forças Armadas Alemas, encabeçado
por Hindenburg
e Ludendorff, lograram obter junto aos principais dirigentes sindicais
do Partido
Social-Democrático (SPD) seu consentimento para o mais amplo
esgotamento das forças da classe trabalhadora, bem como a máxima elevaçao da
produçao militarista.
No quadro das tratativas relacionadas com a lei em tela, os dirigentes
sociais-democráticos negaram-se, ostensivamente, a opor qualquer resistência às
novas obrigaçoes trabalhistas introduzidas e à supressao da liberdade de
circulaçao dos trabalhadores, no interior do mercado de trabalhos alemao,
preferindo tomar parte dos debates acerca da redaçao desses dispositivos
normativos, a fim de alcançarem algumas poucas alteraçoes no texto legislativo
final, em particular relativamente à previsao de Juntas Arbitrais
(Schlichtungsausschüsse), a serem compostas, paritariamente por
empresários e representantes sindicais e presididas por um oficial das forças armadas
alemas.
Esse importante instrumento de colaboracionismo de classes, firmado por
sindicalistas, empresários e oficiais militares alemaes, veio a desempenhar um
importante papel reacionário na Revoluçao Alema de 1918-1919, tal
como restará demonstrado.
Anote-se aqui, apenas de passagem, que a orientaçao original, firmada já
em 1875, por ocasiao do congresso de fusao dos Eisenachianos e Lassalleanos,
relativa a conformar-se os sindicatos alemaes, enquanto representantes dos
interesses econômicos do proletariado alemao, seja como instrumentos de
conquistas de reformas sociais relacionadas com a melhoria do nível salarial e
condiçoes de trabalho, seja como ferramentas políticas de luta para a supressao
do sistema de escravidao assalariada, resultou integralmente eliminada, com a
promulgaçao da “Lei de Serviço Patriótico Auxiliar (Vaterländisches
Hilfsdienstgesetz)”.
A partir daqui, a confrontaçao existente entre trabalhadores,
empresários e governo foi substituída por um complexo mecanismo de trabalho-capital-Estado,
no qual os sindicatos deixaram de desempenhar um papel categoricamente definido
e claro, do que resultou em passarem a defender, desde entao, os interesses nao
mais os interesses dos trabalhadores, mas sim aquele do Estado Burguês e dos trabalhadores.
Os sindicatos alemaes foram, assim, integrados na organizaço da economia
de guerra imperialista, na medida em que o capitalismo alemao necessitava de
elementos estabilizadores, resultantes do fato de que, superada a perspectiva
de uma vitoria militar rápida, exigia a total incorporaçao das forças
integrantes da econômica nacional, impedindo-se greves e distúrbios operários.
A burguesia alema e seus dirigentes militares encontravam, assim, no Partido
Social-Democrático (SPD) e nos sindicatos sociais-democráticos
patrióticos, organismos supostamente capazes de domesticar as massas
trabalhadoras potencialmente revolucionárias, sempre que julgassem
encontrarem-se à vista as mais ínfimas possibilidades de obter-se concessoes
ainda que de secundária importância do capitalismo imperialista alemao.
CAPÍTULO IV.
ASCENSO REVOLUCIONÁRIO DE 1918-1919 :
A REORGANIZAÇAO DO MOVIMENTO
DOS TRABALHADORES ALEMAES
E O SURGIMENTO
DE UM GOVERNO APARENTE DOS TRABALHADORES
Essa orientaçao consistente na domesticaçao da própria base sindical,
visando à obtençao de reformas, tornou-se, gradativamente, irrealista, com o
acirrar dos conflitos bélicos.
O discurso sobre a “guerra defensiva” foi
progressivamente desmascarado, visto que as conquistas territoriais alemas em
face da Rússia Soviética, advindas da Paz de Brest-Litovsk,
possuiam um caráter inconfundível.
Ademais disso, a situaçao relativa ao abastecimento de alimentos
tornou-se catastrófica e o “campo da honra (Feld der Ehre)”, uma
superfície de carnifica de massas.
Nesse contexto, os proletários revolucionários, fundados, porém, na
defesa dos direitos e liberdades fundamentais de todos os indivíduos e
organizações sociais, entre os quais figuravam Rosa Luxemburg, Karl Liebknecht,
Franz Mehring, Clara Zetkin, Leo Jogliches, Julian Marchlevski,
ocuparam-se do combate principiológico do reformismo economicista e do
centrismo oportunista na Social-Democracia Alemã, levantaram-se contra a ideologia da “guerra
defensiva” e do social-chauvinismo, incorporado na tarefa política a defesa do Princípio de Defesa da Pátria(Prinzip der
Vaterlandsverteidigung), retomando e defendendo
diversas bases fundamentais da teoria intelectual e da prática política
proletário-revolucionária internacionalista de Marx e Engels, de modo a inclinararem-se em direção
das posições marxistas revolucionárias de Lênin.
Quando em 2 de dezembro de 1914, Karl Liebknecht quebrou a férrea disciplina partidária da Social-Democracia Alemã –
empenhada desde o início da I Guerra Mundial, em 4 de agosto de 1914, em
postular a Aprovação dos Créditos de Guerra(Bewillingung der Kriegskredite) – votando abertamente, enquanto
primeiro e único Deputado do Parlamento Imperial Alemao, contra esse projeto
social-chauvinista, consagrador da tormenta e do martírio do proletariado
europeu e mundial[105].
Nesse ato, Liebknecht revigorou a melhor e mais genuína tradiçao
marxista-internacionalista revolucionária dos anos 70 do século XIX,
brilhantemente defendida, entao, por August Bebel e Wilhelm Liebknecht,
hostil às ambiçoes beligerantes e de rapina do Estado Alemao.
Reagindo à ousada postura revolucionária de Karl Liebknecht, o
imperialismo alemao recrutou-o, em 1915, para a prestaçao de serviço militar
obrigatório, na qualidade de soldado de armamento (Armierungssoldat),
proibindo-lhe de exercer toda e qualquer atividade política, a nao ser aquelas
relacionadas com suas atividades institucionais-parlamentares.
Com base em seus posicionamentos resolutos, Liebknecht abriu o
caminho para a fundação de um novo organismo marxista-revolucionário em solo
alemão[106].
Esse novo agrupamento de proletários revolucionários haveria de surgir,
inicialmente, sob a bandeira do Gruppe Internationale(Grupo Internacional), que, desde logo, em razão de seu órgão
político, denominado Spartakusbriefe(As Cartas de Spartakus), passou a ser denominado de Spartakusbund(Liga
Spartakus).
No 1° de Maio de 1916, Karl Liebknecht conseguiu, até
mesmo, comandar uma manifestaçao, na Praça de Postdam, em Berlim,
tendo como consignas “Abaixo a Guerra ! Abaixo o Governo !”.
Desprovido de todos os seus mandatos parlamentares, Karl Liebknecht foi,
imediatamente, aprisionado e, em 23 de agosto de 1916, condenado, em segunda
instância, pelo Supremo Tribunal da Guerra de Berlim, a quatro anos e um mês de
penitenciária.
Tao somente em 23 de outubro de 1918 – após dois anos e dois mêses de
reclusao -, foi novamente libertado.
Porém, seu voto de 2 de dezembro contra os créditos de guerra e sua
declaraçao de guerra à guerra imperialista, lançada em 1° de maio de 1916,
logrou representar, historicamente, o fim da Paz Civil, celebrada
entre sindicatos, empresários e as instituiçoes alemaes do Estado.
O agrupamento encabeçado por Luxemburg e Liebknecht, tendo
aproximado-se da Esquerda de Zimmerwald, a
partir de setembro de 1915, porém não a ela expressamente aderindo, optou por
ingressar, então, no primeiro semestre de 1917, no Partido Social-Democrático
Independente da Alemanha(USPD), comandado, entao, por Karl
Kautsky, Hugo Haase e Eduard Bernstein.
Com efeito, quando a confirmaçao dos Direitos de anexaçao do
capitalismo imperalista alemao tornaram-se inconfundíveis, a ala esquerda do Partido
Social-Democrático (SPD), encabeçada pelos agora sociais-pacifistas Kautsky,
Haase e Bernstein, estando paralisada desde 1914,
decidiu-se por romper com a orientaçao e a disciplina partidária dos dirigentes
sociais-chauvinistas, reunidos em
torno de Ebert, Scheidemann e Noske.
Em março de 1917, fundou-se, na cidade de Gotha, o Partido
Social-Democrático Independente (USPD), sob cujo teto foi também se
reunir o Grupo Spartakus, dirigido por Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht.
Nas empresas, dirigentes de comissoes de fábrica do USPD passaram a assumir
importantes posiçoes e atingir um grande auditório.
Em setembro de 1918, entrou em colapso o fronte alemao do oeste, e, em
no curso do mês de outro, o fronte alemao do leste : a Alemanha havia sido
derrotada na I Guerra Imperialista Mundial[107].
Tendo-se incrementado a resistência das massas contra a baldada conduçao
da guerra, seja em particular entre tropas combatentes, como também junto à
populaçao trabalhadora, expressando-se na forma de deserçoes e greves, a Direçao Suprema do Exército
Alemao viu-se forçada a exigir do Imperador Alemao e do Governo
Imperial fossem iniciadas, imediatamente, tratativas para a celebraçao de um
armistício.
Esse ato teve como imediata conseqüência a imediata renúncia do Governo
do Chanceler Hertling.
Nesse contexto, a orientaçao política da Social-Democracia Alema (SPD) foi a de continuar propagandeando integralmente em favor da concessao de créditos de guerra ao